1 de mar. de 2010

O faroeste intimista de "Onde os fracos não têm vez"

Depois de uma carreira marcada por diversos exemplares de comédia, com uma boa dose de humor negro, os irmãos Ethan e Joel Coen decidiram enveredar por caminhos mais obscuros em "Onde os fracos não têm vez". O filme é uma adaptação do romance de Cormac McCarthy, e apresenta um teor de violência bastante elevado para os padrões da dupla de cineastas.

A trama desse filme gira em torno de dois homens e uma busca implacável pela fortuna encontrada em uma picape onde ha vários corpos. Um deles é Llewelyn Moss (Josh Brolin), que encontra a quantia de dois milhões de dólares no dito veículo. O que poderia ser sua tábua de salvação se transforma na razão de seu desassossego, já que o dinheiro é alvo da cobiça de ninguém menos que Anton Chigurh (Javier Bardem, impecável), um perigoso bandido que não livra a cara de nunguém. Ele é o terror da cidadezinha onde se passa o filme, por conta de seu espírito sanguinário. Logo na primeira cena em que o personagem aparece, o espectador é apresentado ao alto grau de crueldade do qual Chigurh é capaz: ele estrangula um homem com um misto de fúria e satisfação, estampados em sua face algo bizarra. Aliás, a interpretação de Javier Bardem é simplesmente fenomenal, desde o primeiro momento em que irrompe na tela. É um trabalho árduo e impressionante o de dar vida a um homem tão despido de compaixão e amabilidade. A cena em que ele dialoga com o dono de uma pequena loja de beira de estrada já é antológica. No cara ou coroa, ele decide se irá acabar ou não com a vida do senhor. Depois de instantes de respiração presa, o destino do personagem é decidido por esse simples mecanismo.

Um dos grandes detalhes do longa, além da perfeita composição de Bardem, é a ausência de trilha sonora nas sequências. De alguma maneira, esse recurso permite que a atenção e a tensão estejam totalmente voltadas apenas para os acontecimentos que se desenrolam diante do olhar do público, que pode sentir, entre outras coisas, adrnalina correndo nas veias e constantes sobressaltos. Em vários momentos, surge o inesparado, fazendo com que as expectativas de quem assiste sejam quebradas. Eis mais um ponto que pode ser destacado como indicador da qualidade desse filme.
Não por acaso, "Onde os fracos não têm vez" abocanhou metade dos prêmios aos quais estava indicado na edição 2008 do Oscar: nada menos do que quatro prêmios, entre eles o de filme e de direção. De fato, os Coen fazem um excelente trabalho atrás das câmeras, demonstrando segurança no comando de uma trama que se revela, cada vez mais, uma devastadora espiral de violência. Tudo evolui para um crescente de desespero e luta pela sobrevivência. Mossa sabe perfeitamente que não pode ser alcançado por Chigurh, ou será um homem morto. Com a fama do assassino já consolidada, ele também tem ciência de que dificilmente escapará do furor venenoso desse homem. Torna-se quase inevitável não torcer para que Moss escape.

Enqudrar o filme em um único gênero não é tão fácil. Ao longo de suas duas horas de duração, ele se apresenta como uma espécie de faroeste, protagonizado por dois homens que lançam suas vidas na perseguição de um objetivo. Mas a forma como é conduzido lhe dá contornos intimistas, com uma câmera que vislumbra de perto o rosto dos personagens, como uma forma de dissecar o que se passa no interior desses homens. Por mais que se procure, é quase impossível achar algum traço de humanidade em Anton Chigurh. A cada nova atitude tomada pelo personagem, essa tese é reforçada. Moss, por outro lado, ainda parece conservar, sob a carapaça de homem forte, temor e comedimento. Ele sabe com quem está lidando.
O elenco ainda tem a presença marcante de Tommy Lee Jones, na pele de um xerife quejá perdeu há muito o controle do local que deveria reger com mãos férreas. Sua desolação encontra motivo na situação caótica em que a região mergulhou desde que o tráfico de drogas passou a dar as cartas. A desesperança do personagem se alia a certeza de que não há mais nada a fazer, e que aquela agora é uma terra de ninguém.
Por todas essas características, "Onde os fracos não têm vez" é um filme que merece ser visto e revisto. Os diretores também permitem uma abertura para o diálogo com a questão da violência desenfreada no mundo contemporâneo, em que se afirma que um ato violento levará a outro, e assim sucessivamente. Com o alto teor de cenas desse tipo, em que hpa inclusive sangue, fica aberto o debate: há solução para isso?

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