18 de mar. de 2010

"Viagem a Darjeeling", uma nova loucura de um grande diretor

A filmografia excelente de Wes Anderson ganhou um novo exemplar em 2007, quando ele rodou "Viagem a Darjeeling". O longa é mais uma comédia inusitada protagonizada por tipos estranhos, com os quais o espectador vai se habituando aos poucos. Se em "Os excêntricos Tenembaums" ele falava de laços familiares sob uma perspectiva algo bizarra, e em "A vida marinha com Steve Zissou" trouxe um olhar diferenciado para um filme de viagem, neste mais recente longa ele volta a exercitar sua visão aquilina para flagrar pequenezas que põem em xeque a normalidade de seus personagens, sempre apenas uma aparência.

Para contar essa nova história, ele reúne Jason Schwartzman, Adrien Brody e Owen Wilson para personificar três irmãos que estão vivendo uma relação deteriorada pelo tempo e pelo afastamento. Eles não se veem dsde que o pai foi enterrado, um ano antes dev seu reencontro. Cada um com seu rumo tomado, eles se dão conta de que não podem mais se manter distantes. Na verdade, a iniciativa parte de Francis (Wilson), que logo no início do filme aparece com o rosto envolto em curativos, resultado de um acidente de moto. Aliás, especulou-se nos bastidores, na época do filme, que Wilson teria tentado se matar na vida real e, portanto, seus curtivos não eram ficção. Verdade ou não, é um assunto que não cabe para determinar a análise do longa. Francis convoca seus dois irmãos, Peter (Brody) e Jack (Schwartzman) para uma jornada espiritual, na qual eles terão um encontro consigo mesmos. A proposta de Francis, em si, já é o primeiro passo para uma série de dados insólitos que acompanharão a trajetória desse trio.
As marcas de Anderson, como seu modo oblíquo de narrar a trama que apresenta, estão evidentes, o que deixa claro logo de cara que não se trata de um filme comum. O tom cômico aparece em várias sequências, mas sempre envolto em uma atmosfera surrealista. Os elementos que evocam esse aspecto incluem a fotografia, que é marcada pelas cores um tanto berrantes, o que revela um quê de Almodóvar. Mas aqui ela parece traduzir uma crítica a artificialidade da vida, um pouco como faz Alain Resnais em seus filmes. A caracterização dos três irmãos também ajuda a mergulhar no clima um tanto soturno que os acompanha na viagem ao lugar do título.

Francis, o autor da ideia da viagem, não é o único com problemas. Peter passa por uma certa crise existencial depois de descobrir a gravidez de sua mulher, e Jack ainda não se refez do fora que levou da namorada, e quer tê-la de volta a todo custo. O rompimento dos dois é mostrado em "Hotel Chevalier", um curta que precede "Viagem a Darjeeling". Ali, o espectador tem a chance de acompanhar as últimas palavras ditas por eles antes do fim da relação. A expressão turbada de Jack resume seu desconsolo pelo fato. A sequência de 13 minutos traz Natalie Portman num esplendor de beleza e frivolidade. Sua personagem sequer é nomeada, é apenas a "namorada de Jack". "Hotel Chevalier" serve como um prólogo para que se comece a assistir aos descaminhos de Francis, Peter e Jack, entendendo-se um pouco melhor como estão suas vidas pouco antes de voltarem a se ver. Ao final da viagem empreendida por eles, chagarão a uma espécie dev retiro espiritual onde se encontra a mãe deles, da qual se perderam pouco a pouco.
O caminho é percorrido dentro do expresso Darjeeling, um trem simpático e pitoresco no qual eles conversam, divagam, discutem, sofrem, lembram-se e se apoiam. Naquela louca jornada, eles só têm um ao outro. Alguns itens incomuns estão presentes na bagagem dos irmãos, como um spray de pimenta que será empregado na hora certa, e uma máquina plastificadora, que parece não ter utilidade alguma naquele périplo. A viagem a Darjeeling é feita de momentos hilariantes, que trazem consigo um teor de reflexão muito interessante. Pode parecer um filme como tantos outros, mas este não é mais um sobre viagem. Anderson tem sempre algo mais a oferecer, com filmes que nunca se contentam apenas com a superfície. Eles sempre vão além disso, do óbvio ululante que reina em nossos dias. Aqui não há fórmular prontas, diálogos débeis e a previsibilidade passa longe do enredo. O diretor se usa de uma premissa banal para falar de dificuldades inerentes a qualquer ser humano. Os problemas de comunicação, que assolam qualquer tipo de relacionamento, não são evitados aqui. Os três irmãos não se odeiam, mas também não morrem de amores um pelo outro e têm problemas em expor o que realmente está se passando com eles.
Há também espaço para que se critique os mundo místico, que a toda hora lança sua novidades e atrai legiões de crédulos. Na busca dos três para um encontro consigo memsmos, eles são confrontados com a validade dos métodos que lhes apresentam diante dos olhos. Até onde não se trata de uma estetização, um embelezamento que torna todos mais plastificados e autocentrados? Em dado momento da história, surge um negociador que lhes faz uma oferta curiosa, que só quem ver o filme saberá qual é. Ele é vivido por Bill Murray, colaborador habitual nas produções de Anderson desde "Três é demais". O ator já parece bastante à vontade no universo particular do cineasta, assim como Owen Wilson, que já escreveu roteiros em parceria com ele, e aqui faz seu terceiro trabalho sob a batuta de Anderson. No fundo, o realizador se debruça sobre os mesmos temas de seus filmes anteriores, mas não se esgota pela repetição. Ele sempre acaba encontrando uma maneira nova de discorrer sobre assuntos que interessam a gregos e troianos, ainda que seu resultado final não goze de uma apreciação unânime.
"Viagem a Darjeeling" chega ao seu fim trazendo a certeza de que escolher um caminho que se desvencilhe do lugar-comum ainda é possível no cinema atual. Essa arte precisa sempre de novas ideias e de novas linguagens para se debater temas recorrentes, ou de novos temas que venham a ser trabalhados com igual originalidade, a fim de que seu fôlego sempre exista. Nesse filme mais recente, Wes Anderson propõe uma viagem no sentido mais amplo da palavra, enveredando por caminhos improváveis e interessantes. Acaba por importar mais o caminho em si do que chegar ao destino final. E é triste ter que se despedir de companheiros de viagem que pareciam tão reais, tamanha a identificação que despertam.

Um comentário:

Unknown disse...

Belíssimo texto para um belíssimo filme.