Ao longo de várias décadas do século XX, o cinema italiano ofereceu a todo o mundo uma série de obras legendárias, criadas por nomes igualmente famosos: Visconti, Pasolini, Fellini, entre outros. Na atualidade, porém, não há mais o brilho de outrora. Afora um ou outro realizador,como Nanni Moretti, a Itália produz filmes inesquecíves e encantadores com pouca frequência.
Entre os nomes que podem ser associados a competência e talento está também Ferzan Özpetek. Esse diretor de ascendência turca é o responsável por "Um dia perfeito", adaptação do romance de Melania Mazzucco para o cinema. Com uma sensibilidade tocante, ele conduz uma obra de muitas ressonâncias, que fica na memória mesmo depois do acender das luzes da sala de exibição ou do fim de uma sessão em casa no DVD.
A câmera de Özpetek espia o cotidiano de um casal que se separou, e todas as consequências terríveis advindas desse fato, que poderia ser mais um, banal entre tantos outros, mas não é. Eles são Antonio e Emma, um dia já foram muito felizes, mas algo os atrapalhou na continuidade dessa caminhada lado a lado. A história já começa com um acontecimento trágico, um incidente que afeta várias pessoas. Para que o espectador entenda as razões que fizeram com que o fato se desencadeasse, a trama recua vinte e quatro horas no tempo, apresentando calmamente os personagens que, de alguma maneira, estarão envolvidos no fatídico dia seguinte.
Ao suceder das cenas, começa a suegir a compreensão dos fatores que geraram a tragédia. Antonio nunca se conformou com o fim de seu casamento com Emma, com quem teve dois filhos, e não a deixa em paz um só dia. As crianças insistem para que ela perdoe o pai deles, mas é em vão. Logo, a personalidade violenta de Antonio se impõe, numa perturbadora sequência de quase estupro entre ele e a ex-mulher. Essa passagem é carregada de tensão, e mexe com os nervos de espectadores mais sensíveis. Tem-se vontade de vê-la conseguindo se desvencilhar da perversidade do ex-marido. Daí para a frente, os filhos do ex-casal logo ganham a empatia do público, sendo vividos com muito talento por dois jovens atores.
O drama de Özpetek é apresentado como uma espécie de quebra-cabeças, em que as pontas, aparentemente soltas, vão se unindo e se entrelaçando, permitindo que se chegue a uma conclusão a respeito de seu final. Sim, o enredo é um tanto previsível, mas não a ponto de tirar o brilho das excelentes atuações nem o impacto das cenas que aparecem. Cada fotograma de "Um dia perfeito" é uma ode à beleza, e o filme, em si, carrega uma certa ironia de mau gosto do destino. Afinal, se o público não soubesse, de antemão, que algo terrível aconteceria, certamente iria pensar que tudo correria sempre às mil maravilhas. Com exceção da canhestra tentativa de reconciliação de Antonio com Emma, aquelas 24 horas haviam sido absolutamente agradáveis. Então, como não é o que verdadeiramente permanecerá, o filme transcorre atravessado pelo prenúncio de algo muito ruim no ar.
Vale a pena assistir a "Um dia perfeito" porque o cineasta conta muito bem a história. Nem sempre é preciso que haja originalidade para prender e conquistar o espectador. O relato de um drama humano, possível, como é o caso do filme, também pode interessar. Além disso, o filme ressalta que o cinema italiano não está agonizante, como se pode pensar. Ainda há muita vida pulsando nos diretores, que levam para as telas obras de grande valor. Cabe citar aqui, além do já citado Nanni Moretti, as mentes talentosas de Gianni Amelio e Kim Rossi Stuart, este último também ator, como responsáveis por uma boa safra de filmes vindos dessa terra. Finalmente, ratificando, acompanhar o desenvolvimento da trama de "Um dia perfeito" é maravilhoso, mesmo que o pesar tome conta depois do fim da sessão.
25 de fev. de 2010
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