26 de mar. de 2010

A verborragia reinante de "Pauline na praia"

Palavras, palavras, palavras... é através delas que Eric Rohmer enreda seu espectador em "Pauline na praia". Na verdade, essa é uma tendência de seu cinema compo um todo, praticado há tempos, desde o final da década de 50. Egresso de um time de ouro que exercia a crítica cinematográfica na legendária "Cahiers du cinéma", Rohmer privilegia os diálogos em seus filmes, de maneira que a ação é quase mínima na maioria deles. Isso ocorre também com "Pauline na praia", que ele filmou em 1983. Essa é a grande qualidade do longa, que lida com as questões mais banais da vida com muita propriedade.

A trama que se desenrola ao longo de pouco mais de uma hora e meia é muito comum também: durante alguns dias, uma adolescente esperta fica numa casa de veraneio com sua prima mais velha. Ela acaba conhecendo um garoto que a atrai, e se deixa envolver por ele, ao mesmo tempo em que descobre que o namorado de ocasião de sua prima a está enganando, mantendo um romance paralelo com outra mulher bem debaixo de seus olhos. A narrativa do filme se resume praticamente a esses elementos, que acabam servindo apenas como pano de fundo para uma série de discussões a respeito da efemeridade da vida, da inconsistência dos sentimentos humanos e do mistério que é tentar entender os próprios desejos e os desejos do outro. E Rohmer consegue levar essa discussão adiante por meio de diálogos envolventes e criativos, que aguçam o pensamento do espectador acerca desses assuntos tão pertinentes para qualquer um.
A paisagem idílica eleita pelo cineasta para rodar essa obra também diz bastante sobre a condição do homem: mesmo em meio a toda a belez que houver, sua insatisfação dará mostras de que se mantém viva. E a ideia de colocar uma jovem e uma mulher mais velha vivendo seus amores lado a lado evidencia uma questão interessante. Nas atitudes tomadas por uma e outra, nota-se que há sempre uma certa dose de imaturidade do indivíduo diante do amor. Pauline é muito inteligente e já tem noção do que espera de uma rapaz, mas muitas vezes escorrega na maneira como busca o que quer. O mesmo acaba valendo para sua prima que, mesmo se dizendo muito entendida na área não se dá conta de que está sendo passada para trás.

Assistir a "Pauline na praia" exige do público uma certa dose de paciência, já que Rohmer não está preocupado em levar a cabo suas discussões tão rapidamente. Um filme do diretor se pauta mormente no exercício da contemplação, que afugenta boa parte dos espectadores, incluindo certas classes de cinéfilos. O mergulho nas diferentes visões que o diretor apresenta a cada filme é o mais interessante que ele tem a oferecer. Ele é daquela estirpe de realizadores que consegue navegar pelas mesmas águas quase sempre, porém encontrando novos ângulos de observação onde já se sente tão à vontade. Não é uma caractarística que se possa atribuir a qualquer cineasta. De talento semelhante, só alguns poucos, como Woody Allen, Pedro Almodóvar e François Ozon. Esses importantes nomes não têm compromisso direto com a originalidade, mas com a busca constante de analisar e entender a inquietude do ser humano sob vários aspectos. Não significa dizer que sempre são felizes em suas abordagens, afinal, os mais geniais também cometem seus deslizes vez por outra. Mas isso não desmerece suas obras em nenhum centímetro.
O cineasta pertenceu a uma geração que filmava à moda antiga, da qual existem hoje poucos representantes vivos. Os enquadramentos da câmera são muito pontuais, e ele se utiliza dela para dissecar os interiores de seus personagens com muita perícia. Não se trata de um cinema factual, mas sim de uma produção voltada para dentro. Essa peculiaridade pode ser uma das razões mais fortes para que ele nunca tenha sido uma unanimidade, tanto entre o público como para a crítica. Mas ele sempre pareceu pouco atento a esse detalhe, e tinha plena consciência do que estava fazendo. Já exercera o ofício da crítica antes de enveredar pelo caminho da direção. Na vida pessoal, Rohmer sempre adotou uma postura discreta, o que permitiu que sua obra aparecesse mais que sua personalidade. Mas mesmo que autor e obra não se confundam, é possível que se pense que um pouco de seus ideais estejam presentes em seus filmes. Partindo dessa premissa, pode-se dizer que Rohmer não é do tipo que emita opiniõess hipócritas sobre os sentimentos, e que sua sentença para o ser humano é a de que exista nele uma grande necessidade de eterno aprendizado

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