Dona de uma curta carreira, Laís Bodansky já vem mostrando que é uma diretora de muita competência. Sua obra é formada por apenas dois filmes: o contundente "Bicho de sete cabeças" e o doce "Chega de saudade", sendo que, entre o primeiro e o segundo passaram-se sete anos. Mas a espera durante tamanho hiato foi recompensada.
A diretora entrega ao público uma história maravilhosa, com personagens extremamente carismáticos, e transmite sua mensagem com muita delicadeza. No centro dos acontecimentos, está um simpático salão de baile da terceira idade, onde se passam traições, desencontros, descobertas, memórias, tristezas e alegrias, todas musicadas com lindas canções que caem perfeitamente ao desenrolar das ações.
Toda a trama do filme se passa em um único dia, estratégia narrativa que permite à cineasta condensar uma série de momentos em um só, resultando numa obra concisa, mas mesmo assim com muito a dizer. Tudo começa à luz do dia, com os preparativos para mais um dia de muita música e dança no baile. Chegam ao local dois jovens namorados, que estão ali para animar a noite. Ela não gosta muito daquele ambiente, e ele está ali muito mais pelo pagamento que receberá. Aquele é um mundo que não lhes pertence, mas, de alguma forma, eles serão inseridos naquela atmosfera de nostalgia e certo desalento. A princípio relutante, Bel, como se chama a jovem interpretada com graça por Maria Flor, vai se deixando levar pelo que vê e ouve naquela espécie de microcosmos dos desejos universais, de todo ser humano. Como seu namorado, são deslocados num ambiente dominado pelos mais velhos, mas com muito a aprender com eles. Sem nenhum didatismo, Laís conta com um elenco de veteranos, conhecidos das telenovelas, o que não é motivo para tornar seu filme depreciável. Todos estão igualmente impecáveis, dando a sua contribuição para um filme que se revela um painel da eterna busca do homem pela sua felicidade e pelo ideal de completude, tão soterrado em meio à vida fragmentária da contemporaneidade, mas ainda desejável.
Ali se encontram uma mulher que se lamenta a noite inteira por não ser tirada para dançar, e que se sente preterida por isso, uma dama de meia-idade que sofre por
sentir que o homem que ama é atraído pelo frescor jovem de Bel, uma outra mulher que ainda mantém sua libido, mesmo já tendo passado dos 40, e um casal que está junto a vida inteira, e mergulha nas recordações do tempo em que reinavam absolutos na pista de dança do lugar. Hoje, a saúde dos dois já não é mais a mesma, e eles precisam se contentar em assistir ao desempenho de outros dançarinos bem diante de seus olhos. Seus intérpretes, Tonia Carrero e Leonardo Vilar, são a cereja do bolo delicioso que é "Chega de saudade", cujo título é claramente um empréstimo da bela canção da bossa nova. Alice, personagem da grande atriz, vem sendo acometida de falta de memória, o que a torna um tanto tristonha. O marido, por sua vez, está amargo como nunca, sofrendo por não ser mais o pé-de-valsa de antes. A velhice é seu grande fardo, com o qual ele parece não saber lidar bem. O mesmo não se pode dizer de Leonardo Vilar, que defende seu papel com enorme vitalidade. É um prazer inenarrável ver tanta gente boa em cena, formando uma ciranda de pares que gravita lado a lado para formar um belo mosaico dos corações enamorados. A metáfora da dança cabe perfeitamente aqui, já que a diretora conduz seu elenco num ritmo harmonioso, dando espaço para que todos os integrantes do corpo de baile brilhem, cada qual a seu tempo e a seu modo. O resultado final não poderia ser mais inspirador e agradável que esse. "Chega de saudade pode ser visto como um convite a viver plenamente a vida. Mesmo que seja errando, o importante é ter a consciência de buscar acertar sempre, e estar sempre recomeçando.
O lirismo e o carinho com que trata de seu enredo também são acertos de Laís, que sabe dosar corretamente o sentimental, de forma a não torná-lo piegas, uma fronteira muito fácil de ser cruzada. Os personagens reagem aos acontecimentos com muita dignidade, procurando o melhor da vida sempre. A presença de Elza Soares como uma crooner também dá charme ao filme, já que as músicas cantadas pela sua personagem vão pontuando a trajetória de cada um naquela noite. O espectador acaba na posição de observador das ações. Nada muito súbito, não tão contido, mas tudo numa velocidade compatível com a do cotidiano. Com esses ingredientes, fica irresistível de acompanhar os passos dados pelos homens e mulheres que desfilam na tela com sua leveza e suadvidade, perfeitamente sincronizados e filmados por uma câmera paciente. Em tempos de produções cada vez mais focadas em tiros, explosões e voos pelos ares, um filme que fala baixinho ao coração é um regaço para espectadores sedentos de uma história bem contada.
8 de mar. de 2010
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