Considerado por muitos como um cineasta experimentalista, Michael Winterbottom é dono de uma filmografia marcadamente heterogênea. Não faz filmes para grandes públicos, o que pode explicar um certo desconhecimento à simples citação de títulos como "Desejo você", "Neste mundo" e "A festa nunca termina". Há, só nesses três filmes, um exemplar de romance, um de drama e um quase musical. O desconhecimento também é o caso de "Código 46", uma fábula intimista sobre um futuro próximo e suas características. É a incursão do diretor no terreno da ficção científica. E ele se sai muito bem na empreitada.
O filme narra a história de William (Tim Robbins), um funcionário do governo que leva uma vida comum para o seu tempo, como a de milhares de outros homens. Mas, para entender seus dilemas e sua mente, é preciso entender o ambiente que o cerca. Daqui a alguns anos, numa data não determinada, é impossível o deslocamento de uma cidade ou de de um país para o outro sem a apresentação do papelle. Trata-se de uma espécie de salvo-conduto que a assegura o direito de qualquer cidadão se locomover para um destino específico. Quando ocorre um caso de falsificação na emissão dos papelles, logo William é recrutado para solucionar o crime, tarefa na qual ele não encontra muitas dificuldades, já que logo desvenda a culpada. Ela é Maria, uma mulher que desperta nele um fascínio que evolui para uma paixão, e acarreta a vontade de William de protegê-la. Está aí o dilema do protagonista, a ser superado.
A trama de "Código 46" não é muito inovadora e, por si só, não motiva a se assistir ao filme. Mas Winterbottom tem mais a oferecer ao seu espectador. Mesmo transitando pela ficção científica, o diretor não se vale de efeitos visuais para contar sua história. Ele investe no drama interior de seus protagonistas, e apresenta um olhar algo pessimista sobre o futuro. Em seu diagnóstico, prevê níveis elevadíssimos de globalização, que irão resultar numa língua híbrida de inglês, português e espanhol, mas quase ininteligível para os seres humanos de hoje. A paisagem fora dos grandes centros urbanos é desértica, bastante desalentadora. Como Alfonso Cuarón em "Filhos da esperança", Winterbottom parece acreditar que dias piores virão. Nada de carros voadores ou outras altas tecnologias para turvar a visão dos personagens centrais.
Interessa enxergar o lado humano de William e Maria, que se mostram como camaleões adaptados as circunstâncias que a vida lhes impôs.
O título é uma menção ao código que os personagens violam, tanto Maria, que comete a fraude, quanto William, que decide acobertá-la. Uma lei inventada no roteiro do filme, que expressa parte de sua dose de criatividade. O destaque do longa é Samantha Morton, uma atriz ainda a ser descoberta pela maior parte da crítica e das plateias. Ela já apareceu em pequenos papéis, em filmes como "Minority report - A nova lei" (curiosamente, também uma ficção científica), além de já ter sido dirigida pela lenda Woody Allen em "Poucas e boas". Seu trabalho de composição é notável, e ela passa a dimensão exata dos conflitos vividos por sua Maria ao longo da projeção. A aparência andrógina da personagem a torna enigmática e instigante, não apenas para William. Vale lembrar que o enredo de "Código 46" se desenvolve em enxutos 92 minutos, demonstrando a economia narrativa de Winterbottom.
O mérito do diretor é apresentar um olhar diferente e dolorido sobre um tema já tão batido, e que assumiu há tempos feições descaradamente comerciais, impulsionadas por Spielbergs, Schummachers e afins. O resultado final está mais para o Godard de "Alphaville" que para diretores menos experimentais do grande circuito. Pode não ser uma grande obra-prima, mas tem qualidades para ser não ser mais apenas mais um filme sobre o futuro.
5 de mar. de 2010
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