Falar sobre o que muitos já se propuseram a discorrer é uma jogada um tanto arriscada, já que implica uma necessidade de inovação, mínima que seja. É preciso que se traga alguma novidade, alguma contribuição ao gênero. E a cada novo filme sobre o amor, essa responsabilidade aumenta. Ainda assim, Honoré parece não se intimidar, e lança seu olhar sobre o sentimento mais corriqueiro e passível de identificação imdediata entre homens e mulheres.

No caso de "Canções de amor", que é um drama musical sobre as venturas e desencatamentos proporcionados pelo amor, as canções surgiram antes do filme. Elas vieram de um material preexistente, sobre o qual o diretor escreveu o roteiro. O que se vê na tela, a partir dessas músicas, é uma filmagem poética sobre alguns encontros, dois desenlaces e um novo começo, temperados com rodelas de melodrama, e algumas pequenas doses de comédia. Talvez seja um prototípico caso de filme "ame-o ou deixe-o". Não é uma trama que agrade integralmente a todos. Mas unanimidades não podem ser parâmetro para medir a qualidade de um filme. Por isso, esse é digno de grande atenção.
Contar seu enredo também dá a falsa impressão de que é mais uma história dentre tantas outras. Na verdade, é isso mesmo. Mas é uma história muito bem contada, com personagens vividos com grande precisão por seus respectivos intérpretes. Estrelando o longa está Louis Garrel, um dos atores mais requisitados do cinema francês da atualidade. Na pele de Ismaël, ele é o centro de uma relação triádica levada a contento por todas as partes envolvidas. Sim, ele namora duas jovens ao mesmo tempo, essa situação é perfeitamente natural para os três. Aí já começa o discurso sobre a validade de outras formas de amar além das mais convencionais. Mas algo fará com que esse trio não vá à frente. Circunstâncias que escapam à sua vontade, e os arrastam para um fim inexorável.
Desde o começo, as canções que embalam esse delicioso filme se mostram exatamente encaixadas à narrativa, dando todo o sentido às ações dos personagens, embora elas não sejam lá muito coerentes. Mas quem se guia pela coerência diante do amor? Quando scometidos por esse sentimento, sabe-se bem, somos capazes de flertar com a mais completa ausência de lógica, movidos por um sentimento potencialmente bestificador. e

Nas tentativas mal-ajambradas do trio central de encontrar a felicidade plena por meio do amor, essa tese parece ser corroborada. Na primeira meia hora, o espectador já tem vontade de cantarolar as estrofes de "Des bonnes raisons pour te aimer", uma música sobre o comportamento evasivo dos amantes, e que se propõe a tratar, de maneira racional (será possível?) dos motivos que levam o amor por alguém a nascer em uma pessoa. É um assunto que se presta às mais variadas teorias, mesmo as que não vão chegar a lugar algum. Afinal, esse é um dos mistérios da vida. E, enquanto não se encontra a resposta definitiva para essa questão pertinente, parece bastante interessante ir buuscando por diversos meios, assim como Honoré faz. Sua pescrutação, no entanto, não é inteiramente nova. O cineasta trava um diálogo, ainda que involuntário, com o Shakespeare de "Sonho de uma noite de verão", que narra uma ciranda de encontros e desencontros amorosos para falar da instabilidade e da finitude do amor. A cada momento, o que se sente por alguém pode se transformar, e essa mutabilidade permanente é sempre fonte geradora de conflitos e dissabores.
À diferença de Shakespeare, porém, Honoré parece um pouco mais pessimista, quando, antes da metade do filme, mata um dos personagens, levando a um rearranjo na relação que Ismaël mantinha. "Canções de amor" passa a versar sobre os novos rumos tomados pelo protagonista em sua jornada à procura da pessoa amada. E, a partir do encontro que o personagem tem, a tese sobre a multiplicidade de facetas do amor se reforça. No fundo, o longa pode até ser definido como mais do mesmo. Não é uma tese totalmente refutável, mas também não constitui um demérito. Pode apenas ser um discurso com o qual se concorda ou ao qual se tem oposição. Subjetividades, como tudo o que se refere ao apreço e ao desdém no universo amplo da arte.
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