O tema amor é novamente revisitado no recente "Canções de amor", filme dirigido por Christophe Honoré, considerado como um dos mais importantes do cinema francês atual. De fato, seus longas têm um grau considerável de relevância, dada a forma como buscam apresentar as tramas, já que o conteúdo, em si, não é uma grande novidade.
Falar sobre o que muitos já se propuseram a discorrer é uma jogada um tanto arriscada, já que implica uma necessidade de inovação, mínima que seja. É preciso que se traga alguma novidade, alguma contribuição ao gênero. E a cada novo filme sobre o amor, essa responsabilidade aumenta. Ainda assim, Honoré parece não se intimidar, e lança seu olhar sobre o sentimento mais corriqueiro e passível de identificação imdediata entre homens e mulheres.
No caso de "Canções de amor", que é um drama musical sobre as venturas e desencatamentos proporcionados pelo amor, as canções surgiram antes do filme. Elas vieram de um material preexistente, sobre o qual o diretor escreveu o roteiro. O que se vê na tela, a partir dessas músicas, é uma filmagem poética sobre alguns encontros, dois desenlaces e um novo começo, temperados com rodelas de melodrama, e algumas pequenas doses de comédia. Talvez seja um prototípico caso de filme "ame-o ou deixe-o". Não é uma trama que agrade integralmente a todos. Mas unanimidades não podem ser parâmetro para medir a qualidade de um filme. Por isso, esse é digno de grande atenção.
Contar seu enredo também dá a falsa impressão de que é mais uma história dentre tantas outras. Na verdade, é isso mesmo. Mas é uma história muito bem contada, com personagens vividos com grande precisão por seus respectivos intérpretes. Estrelando o longa está Louis Garrel, um dos atores mais requisitados do cinema francês da atualidade. Na pele de Ismaël, ele é o centro de uma relação triádica levada a contento por todas as partes envolvidas. Sim, ele namora duas jovens ao mesmo tempo, essa situação é perfeitamente natural para os três. Aí já começa o discurso sobre a validade de outras formas de amar além das mais convencionais. Mas algo fará com que esse trio não vá à frente. Circunstâncias que escapam à sua vontade, e os arrastam para um fim inexorável.
Desde o começo, as canções que embalam esse delicioso filme se mostram exatamente encaixadas à narrativa, dando todo o sentido às ações dos personagens, embora elas não sejam lá muito coerentes. Mas quem se guia pela coerência diante do amor? Quando scometidos por esse sentimento, sabe-se bem, somos capazes de flertar com a mais completa ausência de lógica, movidos por um sentimento potencialmente bestificador. e
Nas tentativas mal-ajambradas do trio central de encontrar a felicidade plena por meio do amor, essa tese parece ser corroborada. Na primeira meia hora, o espectador já tem vontade de cantarolar as estrofes de "Des bonnes raisons pour te aimer", uma música sobre o comportamento evasivo dos amantes, e que se propõe a tratar, de maneira racional (será possível?) dos motivos que levam o amor por alguém a nascer em uma pessoa. É um assunto que se presta às mais variadas teorias, mesmo as que não vão chegar a lugar algum. Afinal, esse é um dos mistérios da vida. E, enquanto não se encontra a resposta definitiva para essa questão pertinente, parece bastante interessante ir buuscando por diversos meios, assim como Honoré faz. Sua pescrutação, no entanto, não é inteiramente nova. O cineasta trava um diálogo, ainda que involuntário, com o Shakespeare de "Sonho de uma noite de verão", que narra uma ciranda de encontros e desencontros amorosos para falar da instabilidade e da finitude do amor. A cada momento, o que se sente por alguém pode se transformar, e essa mutabilidade permanente é sempre fonte geradora de conflitos e dissabores.
À diferença de Shakespeare, porém, Honoré parece um pouco mais pessimista, quando, antes da metade do filme, mata um dos personagens, levando a um rearranjo na relação que Ismaël mantinha. "Canções de amor" passa a versar sobre os novos rumos tomados pelo protagonista em sua jornada à procura da pessoa amada. E, a partir do encontro que o personagem tem, a tese sobre a multiplicidade de facetas do amor se reforça. No fundo, o longa pode até ser definido como mais do mesmo. Não é uma tese totalmente refutável, mas também não constitui um demérito. Pode apenas ser um discurso com o qual se concorda ou ao qual se tem oposição. Subjetividades, como tudo o que se refere ao apreço e ao desdém no universo amplo da arte.
4 de mar. de 2010
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