7 de abr. de 2010

"Obrigado por fumar" ou o humor a serviço da inteligência

Unir humor e inteligência não é uma regra na seara hollywoodiana. Por isso, qualquer bom filme que saiba dosar com perfeição esses dois elementos é digno de grande apreciação. "Obrigado por fumar" está aí para confirmar essa máxima. Sua trama gira em torno de Nick Naylor, vivido por um inspirado Aaron Eckhart, porta-voz de uma influente e poderosa indústria de cigarros. A missão dele é das mais ingratas: dar a cara a tapa para defender o hábito de fumar, que é a fonte de riquezas para seus patrões e, consequentemente, de onde vem o seu salário.

Nick, entretanto, vive um dilema moral: como passar uma boa imagem de pai para o filho em fase adolescente, tão necessitado de um referencial? O garoto não é nada bobo, e sabe muito bem o tipo de vida que o pai leva, não sendo enganado facilmente por ele. Joey, que é como se chama o filho, é daqueles meninos que consegue demonstrar mais maturidade que o próprio pai, trocando muitas vezes de lugar com o genitor. Como se vê, Nick tenta se equilibrar nessa gangorra que é sua vida, a fim de conseguir administrá-la da melhor forma possível. Baseando-se nesse argumento simples, Jason Reitman estreia na direção com um filme maduro e muito interessante, que passa longe da maioria dos longas politicamente corretos que se encontram por aí. O diferencial de "Obrigado por fumar" é tratar de um tema tão espinhoso com muita presença de espírito, sem fazer concessões desnecessárias ao espectador.
Trata-se de um convite instigante para o debate, já que o centro do enredo é uma das indústrias que mais tem responsabilidade sobre a mortalidade populacional em todo o mundo, e que já foi até mesmo proibida de propagandear suas mentiras no meio televisivo. Até que ponto as convicções pessoais podem ser sacrificadas em troca de se manter a estabilidade profissional? Essa indagação perseque Nick, uma vez que ele lida com dois lados de uma mesma moeda o tempo todo. E, para completar, ele ainda é amigo de Poll (Maria Bello) e Lorne (Sam Elliott), que representam outras duas controversas realidades: ela está a serviço da indústria de bebidas, enquanto ele representa uma importante indústria de armas. O teor satírico dessa comédia é reforçado aí, já que um demonstra entender a situação do outro, que é estar sempre na corda bamba. Perto do fim do filme, há uma cena na qual os três discutem qual deles tem o emprego mais perigoso, e cada um apresenta interessantes argumentos para afirmar que é um ou outro. Sob as suas falas, está embutida uma crítica feroz a alguns valores distorcidos que a sociedade aprendeu a aceitar como válidos.
Essa acidez é uma das maiores qualidades do filme, além da presença de um elenco tarimbado, que usa toda sua experiência para interpretar tipos com os quais nos deparamos facilmente pela vida. É o caso do senador Ortolan K. Finistirre, papel de William H. Macy, um homem que não está nem aí para o mal que o cultivo de um vício como o do cigarro pode acarretar. O próprio Nick Naylor também é um desses tipos. Ele sabe, assim como qualquer um, de todos os malefícios causados pelo tabagismo, mas lança-os fora quando precisa conceder uma entrevista em nome da empresa para a qual trabalha. Seu cinismo é tamanho, que ele já aprendeu a acreditar nas mentiras que cria, através das quais sobrevive. Suas tiradas em defesa do ofício são fruto da mente inventiva de Jason Reitman, que logo em seu primeiro filme já mostrava que vinha para fazer a diferença. Ele ainda entregaria dois ótimos filmes, "Juno" e "Amor sem escalas", que formam até agora uma carreira merecedora de acompanhamento. Seus longas sempre têm muito a dizer, com tramas que não mirabolantes, nem precisam de um efeito visual sequer. Reitman também não parece preocupado em defender uma verdade única nem um ponto de vista absoluto. O julgamento moral de seus personagens sempre fica a cargo do espectador, que opta por condená-los ou não. Nick, assim como qualquer outro personagem de sua filmografia, não é nem um coitadinho, nem um canalha. Apenas vive de acordo com as circunstâncias que se lhe impõem. Como qualquer um de nós, afinal.

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