21 de abr. de 2010

"Adeus, Lênin" ou o lado cômico de um fato histórico

A derrocada do socialismo serve mais uma vez de matéria-prima para um filme. E esse filme se chama "Adeus, Lênin", dirigido pelo competente Wolfgang Becker. Ele traz para as telas uma produção que reúne várias boas características, fazendo com que assistir a ela seja aproveitar muito bem pouco mais de uma hora e meia do dia. O grande achado do enredo é abordar um tema considerado espinhoso com uma linguagem acessível e até divertida, o que não deixa o filme cansativo ou cercado de hermetismos. Protagonizada por Daniel Brühl, que dá vida a Alex, a trama conta a história de um jovem que acompanha o tratamento médico dispensado à sua mãe, que sofreu há pouco tempo um ataque cardíaco.

A razão do fato é que ela viu o filho participando de uma manifestação contra esss sistema, o que a desagradou profundamente, já que ela é uma entusiasta de tal regime. O problema de Alex, entretanto, só surge depois que sua mãe entra em coma. Enquanto ela permanece em estado quase vegetativo, o mundo ao redor sofre grandes transformações. A principal delas é a queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989. Essa queda representa o fim do socialismo, e o começo de uma nova forma de vida na Alemanha, que volta a ser uma só. Quando sua Frau Schäfer desperta do sono profundo, já se tem uma nova realidade operando. E Alex teme pela reação que tamanha novidade possa causar nela, já que sabe que ela é uma pessoa extremamente conservadora. Some-se a isso sua condição de recém-operada, que lhe impede de sofrer grandes baques.
Para contornar a situação delicada, Alex pensa numa solução drástica: fazer com que sua mãe continue acreditando que tudo está exatamente igual a antes de seu ataque cardíaco, para que ela se mantenha sempre tranquila em relação a tudo. Mas essa não é uma tarefa nada fácil, já que obriga o jovem a ficar atento a qualquer detalhe ao seu redor, que pode denunciar a falência do socialismo. Até mesmo com os novos produtos que são incorporados ao cotidiano da família o cuidado deve ser redobrado. Por isso, Alex muda as embalagens de alimentos industrializados, que denunciariam imediatamente o surgimento de uma nova Alemanha. E, assim, vai vivendo na corda bamba, em parte também por seu peso na consciência, já que se sente responsável pelo infarto da mãe.

Como se vê, "Adeus, Lênin!" leva a uma reflexão divertida sobre um dos episódios mais marcantes da História recente, que gera sempre um filme, principalmente dramas densos e pirotécnicos. Mas esse não é o caso do filme, rodado numa Alemanha iluminadam simbolizando o surgimento de novos tempos, que trazem uma modernidade e uma calma que antes não era comum a todo o país. O humor de Becker não cai na vulgaridade, o que é qualidade de seu roteiro muito bem escrito, em parceria com Bernd Lichtenberg, que valoriza pequenas sequências, transformando-as em válvulas para o riso. Um riso não descompromissado, mas sim apoiado em situações algo bizarras em sua verossimilhança. Daniel Brühl ganhou muitos elogios por sua atuação no longa, sendo até hoje bastante lembrado por ela. A cada novo filme que lança, a primeira referência de trabalho anterior que vem é essa. De fato, ele dá a seu Alex uma grande humanidade, mostrando-o como um filho que, acima de tudo, quer o melhor para sua mãe, sendo capaz de sacrificar suas convicções políticas diante dela, se isso for importante para sua saúde.
O longa é recheado de diálogos pontuais sobre questões de ordem prática que advêm da implementação de um novo regime. Agora todos podem comer num fast food, podem comprar roupas de marcas reconhecidamente estadunidenses, já que tudo que vem de outras nações tem liberdade para circular de novo em território alemão. É interessante identificar a crítica social embutida no filme, que usa muitas vezes o humor como arma. Isso faz com a proposta feita por Wolfgang Becker ganhe densidade, já que não fica apenas na sucessão de acontecimentos engraçados ou de tiradas cômicas para reproduzir com os amigos. Ao mesmo tempo, o diretor não se esforça para fazer cinema político, o que é um escolha absolutamente legítima, já que o resultado não é uma produção panfletária, mas sim uma possibilidade de abertura para o debate de uma questão atual, que merece ser sempre revista sob novos ângulos. Grandes filmes têm essa característica dentro de si, entre tantas outras que poderiam aqui ser citadas e comentadas.
Em relação à fotografia, um dado interessante é que a palheta de cores remete quase imediatamente ao universo almodovariano, já que os tons fortes predominam nas cenas. Esse detalhe torna o filme descontraído, a despeito de certas passagens dramáticas que lhe atravessam. E também lhe conferem beleza, já que enchem os olhos com suas nuances bem demarcadas e atraentes. Resumindo, "Adeus, Lênin!" é um filme que convoca toda a família a pensar sobre vários assuntos ao mesmo tempo, sentados no sofá com um balde de pipoca, acompanhando os passos de uma transformação que se processa gradualmente nas vidas de seus personagens. Às belas imagens, Becker adicionou uma história bem contada, que preenche vazios narrativos e reforça a qualidade do cinema alemão atual.

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