28 de abr. de 2010

"Casamento silencioso" e o uso do surreal para falar de política

O cinema romeno tem recebido muita atenção da crítica nos últimos anos, sobretudo pela dita qualidade de seus filmes, que têm ganho mais espaço no circuito comercial. De 2007 até 2009, chegaram pelo menos três filmes daquele país: "A leste de Bucareste", "Como eu festejei o fim do mundo" e "Casamento silencioso". É sobre este último que a crítica em questão se debruça. Com direção de Horatiu Malaele, é mais um longa a usar como pano de fundo de suas ações a queda do regime comunista, do qual Josef Stálin era o símbolo maior.

O diretor busca examinar os reflexos dessa derrocada num contexto rural, apontado suas lentes para a Romênia de 1953, ano da morte do ditador russo, e da consequente expiração de regime tão autoritário e punitivo. Tudo começa, porém, nos dias atuais, quando uma equipe de televisão local decide investigar os rumores de supostos eventos paranormais ocorridos em uma pequena cidade do interior do país. Na procura por pistas que comprovem os fenômenos, os repórteres abordam moradores da região, que não são nenhum modelo de gente educada, diga-se de passagem. Até que uma das entrevistadas conta de um casamento que ocorrera exatamente cinco décadas e meia antes, e que ficou marcado por ter sido uma cerimônia um tanto quanto atípica.
A partir desse gancho, a narrativa retrocede até o período citado, permitindo que o espectador entre em contato com a história propriamente dita. Então são apresentados os jovens Iancu (Alexandru Potocean) e Mara (Meda Victor), que estão em pelo ato sexual. Eles vivem um amor tão intenso quanto desagradável para alguns habitantes da pequena aldeia em que vivem, mas pouco se importam com essa repercussão negativa do que sentem um pelo outro. Prestes a se casar, eles nem podem esperar pela consumação do desejo, adotando um comportamento ousado para os padrões da época. Durante o tempo em que mostra os preparativos para a festa de casamento, Malaele flagra alguns costumes observados naquela década num país que, como o Brasil, tem como língua oficial uma derivação do latim.

Mas o filme fica mais interessante mesmo quando surge a ocasião da festa dos noivos apaixonados. Tudo começa na mais perfeita ordem e felicidade, até que surgem funcionários do governo para informá-los da má(?) notícia: Josef Stálin está morto. Por essa razão, foi decretado luto nacional por um período de uma semana, o que impede a realização de festas de qualquer natureza, desde casamentos a aniversários, passando por reuniões para a comemoração de qualquer conquista. Enfático, o oficial afirma que todo o aparato com que o casamento de Iancu e Mara estavam se casando precisa ser interrompido, por honra à memória daquele que era até então o chefe maior do dito mundo comunista. Surpresos com a exigência, aqueles homens e mulheres simplórios decidem acatar o que lhes foi ordenado. Porém, eles não admitem perder a chance de comemorar com muitos comes e bebes as bodas dos jovens.
Com isso, "Casamento silencioso" ganha tintas de comédia, e seu título começa finalmente a fazer sentido. Na tentativa de não desperdiçar tudo o que foi gasto para a preparação da festa, os pais dos noivos decidem manter a comemoração, mas fazendo tudo no mais absoluto silêncio, o que gera uma série de situações hilárias, justamente por seu toque de surreal. Malaele não deixa de fazer cinema político, mas não chega a se demonstrar tão engajado quanto outros diretores, como é o caso do inglês Ken Loach. Sua dosagem nessa aspecto é sutil, revelando no diretor um desejo de simplesmente mostrar consequências de um fato histórico no cotidiano de uma pequena comunidade. Fica nítido para o espectador mais atento os contornos mambembe que os personagens apresentam, como se estivessem em um espetáculo teatral. Os protagonistas, por exemplo, agem de forma pantomímica em muitas passagens, revelando uma faceta muito divertida de suas personalidades.
No geral, o filme acerta por sua maneira simples de narrar acontecimentos de ordem mundial repercutindo numa esfera menos ampla. OS desdobramentos da desobediência daqueles cidadãos não são dos mais positivos, fazendo com que a população masculina dali acabe sendo bastante reduzida, fato que traz a narrativa de volta para o presente. É quando os repórteres começam a entender o que levou a certas situações que presenciam no momento atual. "Casamento silencioso" consegue êxito na junção de elementos teatrais com certa parcela de entretenimento, sem tender exageradamente para um lado ou para o outro. E essa é uma qualidade que jamais pode ser desprezada. Os cinéfilos de certo juízo podem discordar da afirmação, mas não deveriam deixar passar a oportunidade de conferir a proposta de Horatiu Malaele.

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