26 de abr. de 2010

Diálogos sobre a frivolidade da vida em "O declínio do império americano"

Na década de 80, mais especificamente no ano de 1986, um diretor chamou a atenção do público e da crítica para si com "O declínio do império americano". Seu nome, Denys Arcand. Sua "arma", por assim dizer, eram os bons diálogos, travados em meio a um roteiro bem alinhavado, por personagens críveis e fascinantes em suas imperfeições. Com isso, fez grande sucesso, tanto que 17 anos depois produziu uma continuação, "As invasões bárbaras". Voltando ao primeiro filme, entretanto, contar do que ele se trata requer poucas linhas. As consequências de sua abordagem é que rendem discussões de horas.

Oito pessoas, sendo quatro homens e quatro mulheres, vão passar alguns dias em uma casa de campo para relaxar e se distrair dos problemas práticos do cotidiano. Eles se dividem de acordo com o sexo: enquanto os homens preparam o almoço e conversam sobre muitos assuntos, as mulheres ficam numa academia se exercitando, tanto física quanto verbalmente. E o filme se baseia praticamente só nessa divisão de grupos. Ao longo de pouco mais de uma hora e meia de projeção, o espectador tem contato com muito falatório, que parece não ter fim nunca. Para fãs de Eric Rohmer, que foi um amante das pelavras por excelência, essa característica intrínseca à história pode ser bastante agradável. Mas para um público um pouco menos contemplativo o resultado pode ser enfadonho. Mas Arcand está mesmo pouco preocupado em desenvolver ações. Seu cinema é muito mais prolixo que ativo.
Reunidos num cenário paradisíaco nos lagos canadenses, os amigos, e também amantes, comentam tudo e todos com uma desenvoltura impressionante. Com homens em um ambiente e mulheres em outro, o diretor acaba oferecendo um estudo contrastivo entre os objetos de análise preferidos de cada sexo, confrontando-os o tempo todo na tela. Na ala feminina estão Dominique (Dominique Michel), Louise (Dorothée Berryman), Diane, (Louise Portal) e Danielle (Geneviève Rioux). Em meio a séries de esteiras, bicicletas ergométricas e supinos, as amigas divagam sobre o comportamento dos homens, falam dos defeitos de si mesmas que mais as incomodam, e comentam sobre outros assuntos tão banais quanto interessantes. Os homens são Rémy (Rémy Girard), Pierre (Pierre Curzi), Alain (Daniel Brière) e Mario (Gabriel Arcand), todos professores universitários. Entre os os muitos temas que pautam sua longa conversa também está o sexo oposto, além de debates acalorados sobre a significância do amor para o ser humano, as transformações surgidas no contexto histórico ao longo dos séculos e o peso do passar dos anos para cada um deles.

Essencialmente, "O declínio do império americano" é um filme de diálogos. As conversas que os personagens mantêm uns com os outros é que servem de força motriz para seu desdobramento. Quem espera grandes reviravoltas na narrativa, é bom que esteja avisado: elas não acontecem. Isso porque Arcand faz uma outra caminhada, preferindo investigar os meandros das relações humanas, indo o mais fundo possível nessa procura. O canadense é bastante meticuloso, e causa a sensação de reconhecimento no outro em muitas cenas. Não é um filme com o qual se deva concordar o tempo inteiro, já que trata-se de uma espécie de debate em que o espectador adiciona suas opiniões pessoais, extraindo ou não ideias que estão previamente inseridas no contexto do longa. Seu título não foi dado em vão, já que um dos assuntos que os oito discutem é a decadência dessa superestrutura que foi a América de outrora, tomando de empréstimo um termo marxista que se encaixa muito bem aqui.
Alguns tópicos abordados por Arcand podem soar um tanto datados, afinal já se passaram 24 anos desde as filmagens do longa. Mas nada que chegue a ser um demérito, pois muitos dos fóruns propostos pelo roteiro acabam se revelando atemporais. Os homens e as mulheres, cada um com suas inseguranças, estão retratados ali, tentando negá-las, mas também reconhecendo-as. As pequenas frustrações que se vão acumulando também encontram guarida no cenário pintado por Arcand, auxiliado por uma fotografia colorida, na estética oitentista que o filme pede. Os figurinos acompanham essa tendência, sendo manifestos em roupas de ginástica meio constrangedoras para as mulheres de hoje, mas que não saltam tanto aos olhos do bom gosto no caso dos homens, que já aparentavam a sobriedade atual. Portanto, "O declínio do império americano" também é um filme belo aos olhos que o veem. É a reunião da argúcia de se comentar sobre temas pertinentes com imagens que enchem a tela, embevecendo seus contempladores.
No fundo, é o ser humano desnudado através das palavras, em conversas que, para além da simples distração, estão permeadas de reflexões interessantes sobre a fragilidade de nossas vidas e da falta de sentido que muitos acontecimentos têm sobre cada um de nós. A vida muitas vezes causa perplexidade, por seus descaminhos quase insondáveis. Existencialismo, silogismos e outras palavras-chave da filosofia aparecem sob uma capa de papo de esquina, tornando-se muito mais palatáveis, sem parecer tão inacessíveis, como querem muitos academicistas. Ali estão sonhos e ideais de uma geração, que pode não ser a minha nem a sua, mas apresenta muitos pontos em comum com desejos que se manifestam também hoje. Porque é cotidiano, porque é o que eu e você vivemos diariamente, porque é o pulsar de nossas inquietações, essa história não se destitui um só momento de relevância.

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