22 de abr. de 2011

Disputa, conflito e impulsividade em O ciúme mora ao lado


É sempre digno de nota quando um representante da cinematografia finlandesa aporta no circuito comercial brasileiro. Por isso, O ciúme mora ao lado (Haarautuvan rakkauden talo, 2009) já chama a atenção do público. O filme é dirigido por Mika Kaurismäki, cineasta radicado no Brasil há tempos, que só há pouco retornou ao seu país de origem, apenas para filmar, já que ele continuar morando por aqui. Por aqui, ele dirigiu os documentários Moro no Brasil (idem, 2002) e Brasileirinho (idem, 2005), ambos centrados no universo da música e na busca por um estudo algo afetivo da identidade brasileira dentro desse tipo de manifestação cultural. Em sua volta ao solo finlandês, ele voltou-se para o terreno da ficção, e seu filme mais recente é também sua terceira inclusão consecutiva nesse ambiente.
O ciúme mora ao lado mira suas lentes na rotina de um casal de classe média que não vê mais condições de continuar junto, e decide dar um fim no relacionamento. Entretanto, por conta de um orgulho do qual nenhum dos dois abre mão, eles começam a mover céus e terra para enciumar um ao outro, apenas com o intuito de provar que estão muito bem longe da antiga companhia. Para um espectador mais imediatista, a conclusão a que se pode chegar com a leitura dessa breve sinopse é a de que se trata de um filme banal, como tantas outras produções que empesteiam as salas de cinema periodicamente. Mas é aí que reside o ledo engano. A trama de crise conjugal é apenas o começo de uma divertida crônica contemporânea sobre a volatilidade das relações, que abre espaço para uma outra que envolve negócios escusos com a máfia. Kaurismäki aposta num ritmo ligeiro, e em uma dupla de intérpretes que faz misérias na pele do casal principal. Eles são Juhani (Hannu-Pekka Björkman) e Tuula (Elina Knihtilä), e sua aparência física já os afasta de um casal convencional.
Juhani e Tuula são casados há muitos anos. Ele é uma terapeuta familiar e ela é uma consultora de negócios, e a ironia do roteiro escrito pelo próprio diretor em parceria com Sami Keski-Vähälä a partir do romance de Petri Karra já começa por aí. Ambos são um fracasso naquilo que fazem quando se trata de aplicar seus conhecimentos dentro de sua própria casa. Juhani aconselha homens e mulheres com problemas conjugais, mas não é capaz de estabelecer um contato harmônico com sua esposa. Ela, por sua vez, não é muito sensata quando o assunto é conter as despesas do lar. O bom e velho ditado “Em casa de ferreiro, o espeto é de pau” se aplica claramente aos personagens. O filme brinca o tempo todo com as típica incongruências que surgem na convivência entre duas pessoas que já se conhecem bem, e assinala os vícios e virtudes de cada um por meio de uma abordagem cômica. Mas O ciúme mora ao lado não é tão-somente uma comédia de costumes sobre um casal em vias de se separar. Kaurismäki também não abre mão do lado dramático, quando insere a subtrama policial no cotidiano de Tuula e Juhani. Ela se desenvolve paralelamente às crescentes desavenças dos casal, e se deve principalmente ao fato de a mãe de Tuula estar envolvida em práticas criminosas, as quais até cogita deixar de lado se isso a deixar mais próxima de sua filha.

O filme ganha em interesse por conta das atitudes totalmente banais tomadas pelo casal. Ela começa a guerra ao forjar um namorado cheio de charme para enlouquecer o ex-marido, um piloto de avião que está apenas interessado em noites tórridas ao seu lado. Para não ficar em desvantagem, Juhani trata de ir atrás de seu irmão nada amigável para lhe pedir a companhia de uma mulher de vida “fácil” e também enciumar a ex-esposa. Ambos não poderiam ter pensado em algo mais infantil para atrair a atenção um do outro e, nesse ponto, O ciúme mora ao lado oferece um aspecto de identificação quase unânime. Quantos casais não se comportam como crianças de cinco anos de idade em meio a uma crise, tomando as decisões mais questionáveis para atingir o parceiro? O filme acaba ganhando a atenção também por essa sua característica, além de também funcionar com um ótimo pretexto para uma daquelas discussões de relação das quais os homens, marcianos, gostam de fugir, e as quais as mulheres, venusianas, adoram tanto.
Esse trabalho recente de Mika Kaurismäki é o segundo que conta com texto de Petri Karra, já que o filme anterior do diretor, 3 homens e uma noite fria (Kolme viisasta miestä, 2008), também foi escrito pelo romancista, que também acumulou a função de ator em uma ponta. Pelo fato de o livro ter sido adaptado também pelo autor, a fidelidade ao original é grande, afugentando os comentários de cinéfilos que chiam diante das distinções entre um livro e um filme. Um senão seu é o título nacional um tanto picareta, afastado do que propõe o original, e que o aproxima do clássico baseado na obra de Tenessee Williams. O ciúme mora ao lado é, antes de tudo, um filme sobre as dificuldades de se relacionar com o outro, e de como podemos ser irresponsáveis e impulsivos quando se trata de uma disputa amorosa. Mesmo que brote uma discreta consciência de que se está agindo erroneamente, muitos persistem na conduta questionável. Por volta dos 40 minutos, porém, a trama principal do filme já começa a dividir espaço com a tal subtrama de mafiosos, na qual surge um segredo que acelera o rumo dos acontecimentos. Fica mais claro a essa altura que O ciúme mora ao lado é um típico filme em que as aparências enganam, e de que muito mais está por vir para surpreender o público.
Merece ser comentado também os tipos físicos dos atores principais. Ambos estão muito longe daquele arquétipo de casais em crise cheios de beleza e sem uma ruga ou gordurinha, como os personagens de Jennifer Aniston e Vince Vaughn em Separados pelo casamento (The break-up, 2006). Essa escolha de Kaurismäki ajuda a chamar a atenção do espectador para suas interpretações, em detrimento do que eles são em termos de aparência. O filme foi indicado a 3 prêmios no Jussi Awards, a versão finlandesa do Oscar, um reconhecimento válido para a proposta o diretor de arrancar boas risadas e oferecer uma boa reflexão sobre as agruras e alegrias de se relacionar amorosamente com alguém. Além disso, o filme fez um grande sucesso na Finlândia, sendo a segunda maior bilheteria daquele país em 2009, quando o filme esteve em cartaz por lá. Ao longo de sua projeção, percebe-se um ótimo equilíbrio entre a comicidade e a profundidade, dois aspectos que muitos nomes envolvidos com a sétima arte ainda preferem ver divorciados.

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