A beleza do florescimento de um amor e de seu posterior desenvolvimento é o grande foco eleito por Jane Campion em Brilho de uma paixão (Bright star, 2009). Para isso, ela alia poesia e romance ao contar a trajetória de John Keats, poeta inglês do século XIX interpretado com vitalidade por Bem Wishaw, ator ainda pouco conhecido do grande público, presente em filmes como Não estou lá (I’m not there, 2007). Ele cai de amores por Fanny Brawne (Abbie Cornish), uma estudante de moda tão bela quanto geniosa. Não demora para que ela corresponda ao sentimento, mas a boa e velha competição velada entre eles assume a primazia quase de imediato. E esse início de guerra amorosa já contribui para dar o tom que a diretora imprime ao seu trabalho: a investigação das fases do amor, especialmente aquelas que podem facilmente ser associadas a qualquer casal.
Desde seu início, porém, Brilho de uma paixão salta aos olhos por um de seus aspectos técnicos: sua fotografia. Assinada por Greig Fraser, ela é um deslumbre e tanto para admiradores da imagem e, em muitos momentos, diz mais que qualquer palavra pronunciada pelos personagens. Na verdade, ela é quase uma outra personagem do filme, servindo como demonstração clara da passagem do tempo para o casal, sob a forma das estações do ano. A metáfora que se evidencia aqui é a dos ciclos. Tal qual a natureza, uma paixão também pode passar pelas fases da germinação, do florescimento e da frutificação, além de também estar suscetível à morte e/ou à extinção, fatos que acometem muitos indivíduos de desespero e inércia. John e Fanny são pessoas totalmente adequadas a essa realidade, vivendo cada um dos episódios que assinalam a existência de um amor. E Campion focaliza essas fases com um olhar um tanto convencional demais, que torna o filme, por muitas vezes, sem ritmo e dotado de certa irregularidade.
Ainda com relação à fotografia de Brilho de uma paixão, seu responsável tem um bom currículo de filmes nos quais desempanhou a função de fotógrafo, entre os quais estão o segmento The lady bug de Cada um com seu cinema (Chacun son cinema, 2007) – justamente o que Jane Campion dirigiu – e Deixe-me entrar (Let me in, 2010), lançado recentemente no circuito. Seu trabalho no filme em questão é primoroso, e contribui bastante para o despertamento do interesse do espectador pela obra. É um filme que serve para se acompanhar um típica história de amor e sofrimento, daquelas que se estudam à exaustão nas aulas de Literatura do Ensino Médio. O mérito de Campion é transpor para a tela a obra de um poeta que não tem grande reconhecimento no ciclo de estudos dessa fase escolar,na qual figuram nomes proeminentes da escola romântica, caracterizada prototipicamente pela visão escapista da realidade, geradora de uma busca pela autorrealização no passado ou no ambiente campestre, devidamente assinaladas pelo roteiro do filme. Em certa instância, Brilho de uma paixão dá vida a um romance que muitas vezes podemos ter em forma de idealização na cabeça.
A dupla de atores que dá vida aos protagonistas merece ser comentada e elogiada, pois ambos são uma das melhores coisas que o filme pode oferecer. Tanto Ben Wishaw quanto Abbie Cornish exalam verdade em suas composições de seus personagens, e encantam com um amor que está cada vez mais distante do que se tem visto cotidianamente por aí. É fato que a distância temporal é um dos fatores que fomentam essa disparidade, mas muito que se manifesta no envolvimento entre John e Fanny deveria ser transcrito para as relações amorosas nos dias atuais, guardadas as devidas proporções. Eles se tornam ainda mais vivazes diante da condução excessivamente morosa dada por Campion, que praticamente circunscreve o filme apenas aos diálogos algo morosos travados entre os personagens, caracterizando o filme por ser contemplativo além da conta. Para escrever o roteiro, a diretora se baseou na biografia do poeta, escrita por Andrew Motion, deixando-se levar por passagens monótonas da narrativa, o que só se agrava por conta de uma quase ausência de trilha sonora, essa, por sua vez, uma incumbência de Mark Bradshaw, que também repete sua parceria com a cineasta, mas sem grandes chances de assinalar uma composição musical dessa vez. Esse aspecto depõe bastante contra Brilho de uma paixão, posto que pareça que a sua decisão tenha sido a de concentrar sua atenção apenas nos diálogos entre os amantes.
Em sua passagem pelo festival de Cannes em 2009, o filme tinha inúmeros adversários de peso, que certamente até mareciam ser laureados mais que esse. Mas há méritos no filme, como já se comentou acima. Decerto seu valor está nas interpretações dos protagonistas e nas imagens idílicas de que sua fotografia é composta, já que seu enredo é desenvolvido de modo por demais arrastado. Um filme não pode ser considerado bom ou ruim apenas levando-se em conta a sua plasticidade. É fato que alquimia perfeita que resulta em uma obra irrepreensível requer outros componentes, daí o fato de Brilho de uma paixão carecer de elementos que o tornem melhor. Campion veio de um hiato longo antes desse filme, pois seu trabalho anterior havia sido Em carne viva (In the cut, 2003), que não recebeu a aprovação da crítica à época do seu lançamento, e acabou sendo reconhecido apenas como a tentativa de Meg Ryan de se livrar do estigma de namoradinha da América, dado seu extenso currículo de comédias românticas – mas esse é um à parte para uma outra crítica... O fato que salta as olhos aqui é o leve desperdício cometido por Campion diante da riqueza da história que tinha nas mãos, que poderia ser, entre outras coisas, um pouco mais curta e menos centralizada no poeta e em sua coita amorosa. O elenco de coadjuvantes, principalmente Paul Schneider, acaba prejudicado com isso.
22 de abr. de 2011
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