11 de fev. de 2011

Conto de verão: a prova de que tudo pode se transformar

Eric Rohmer iniciou sua série de Contos das Quatro Estações no limiar entre as décadas de 80 e 90 com Conto da primavera (Conte de printemps, 1990), seguido de Conto de inverno (Conte d’hiver, 1992), Conto de verão (Conte d’été, 1996) e Conto de outono (Conte de automne, 1998). Em cada um desse filmes, há um fio condutor simples que serve para alimentar as discussões de cunho existencial e amoroso do cineasta, que não abre mão de ser prolixo a cada história que conta. Fica muito claro que Rohmer não está interessado em expor uma sequência de ações, mas em fazer um estudo de personagens que lhe permita abrir um amplo leque de reflexões sobre a condição humana nas mais diversas instâncias. E a mais universal de todas elas é, indubitavelmente, o amor.

O amor é combustível de Conto de verão, que tem como protagonista o jovem e instável Gaspard (Melvil Poupaud), um rapaz que está indo em direção ao balneário de Dinard, situado próximo ao mar da Bretânia. Ele pretende reencontrar por lá a sua namorada Lena. Antes disso, porém, passa duas semanas completamente ocioso, alternando idas à praia e conversas com poucos amigos. Logo ele conhece mais de perto uma simpática e solícita garçonete chamada Margot (Amanda Langlet), com quem passa a sair quase todos os dias, e a quem lhe fala de sua condição de espera pela garota que leh prometeu aparecer. Esse detalhe inicial da sinopse do filme já apresenta-nos uma inversão no tocante à estrutura de muitas obras que versam sobre o amor. Aqui, quem espera é o homem, a parte dita mais forte de uma relação a dois. Gaspard não sabe se Lena realmente aparecerá, e seus dias de aguardo por ela transpiram tédio, o que o ajuda a se aproximar de Margot cada vez mais.
Rohmer situa seu longa-metragem em um ambiente agradável, solar e, de certa forma, retorna à conjuntura que explorara em Pauline na praia (Pauline à la plage, 1983), cuja protagonista fora vivida exatamente por Amanda Langlet, que trabalha pela segunda vez com o saudoso realizador francês. A exemplo do trabalho supra-citado, ele conduz uma trama focada na instabilidade dos sentimentos, com boa dose de desencontros que podem gerar uma mudança na vontade do espectador em relação ao que pode acontecer. Rohmer se dedica a dissecar as inúmeras circunstâncias que podem envolver o sentimento de paixão, e exala domínio de câmera ao optar por um acompanhamento mais distanciado dos personagens, ao mesmo tempo em que o texto dito por eles vai despindo-os pouco a pouco.
A questão de fidelidade a quem se ama e da incerteza que se pode ter diante da pessoa que se ama ou que se pensa amar são abordadas com categoria através de Gaspard, que parece bastante desorientado com relação às suas escolhas no campo amoroso. Tanto que não consegue se decidir se ainda está amando Lena ou se já pode ter algum tipo de envolvimento mais sério com Margot. Para melhorar, surge uma terceira garota em seu caminho, que acaba por turvar ainda mais sua visão para um alvo específico, levando-o a caminhar a esmo por entre essas três jovens. Na verdade, Lena é muito mais citada do que propriamente aparece na história. Sua entrada em Conto de verão já é perto de seu final, e acaba servindo como um catalisador das decisões finais que Gaspard tem de tomar para encerrar seu período de dúvida. Antes que ela surja, o protagonista ainda vai divagar bastante no relacionamento fronteiriço entre o amor e a amizade que desenvolve com a afável Margot, que também tem um namorado, mas que não parece ser quem ela realmente quer.

A jovem demonstra uma sensatez notável para sua idade, e confronta Gaspard em diversos momentos com suas tiradas sobre o que pensa acerca do amor. É através dela que Rohmer insere conceitos filosofais que lhes são sempre tão caros, e se encarregam de tornar o filme tão verborrágico como tantos outros, e também é por ela que entram as lufadas de lucidez do filme, já que Gaspard não se mostra muito cônscio do rumo que deseja dar à sua trajetória. A câmera de Rohmer espia o tédio deflagrado entre os jovens que passeiam por aquele lugar. Mesmo estando em um ambiente formidável, nenhum deles parece verdadeiramente contente com a vida. E o diretor traça também, um painel do inconformismo que paira sobre uma geração, que não encontra no amor uma realização plena, mas sempre se vê claudicante e em busca de uma completude que nunca encontra de fato.
Conto de verão é o tipo de filme que consegue dizer muitas coisas com poucos elementos, caracterizando o que se chama de composição minimalista. O enredo é conduzido de forma convencional, e a narrativa é menos importante que o flagrante da essência dos personagens. Rohmer novamente explora o terreno das incertezas no amor, abusando dos envolvimentos intrincados entre os personagens, assim como fez nos dois primeiros filmes da tetralogia de que esse também faz parte. Ele coloca em cena um quarteto amoroso que eleva a desorientação a níveis muito altos, e entrega uma espécie de inspiração para outro diretor que adora ambientar filmes seus em praias: François Ozon [veja-se o caso de Amor em cinco tempos (5 x 2, 2004), O tempo que resta (Le temps qui reste, 2005) e O refúgio (Le refuge, 2009)]. Com o final da sessão de Conto de verão, vêm junto a certeza da incerteza, e a conclusão de que o cineasta da palavra cumpriu novamente com louvor sua proposta de confrontar as pessoas com sua letargia, apropriando-se da magnitude do efeito especular do cinema.

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