24 de fev. de 2011

Broadway Danny Rose e o amor na cidade

Aos 75 anos de idade completados em dezembro de 2010, Allen Stewart Könisberg ostenta uma filmografia que reúne nada menos que 41 títulos. Desdobrando-se muitas vezes entre as funções de diretor, ator e roteirista, esse veterano sabe como poucos fazer uso da palavra para provocar frouxos de riso e também para conduzir ao pensamento reflexivo sobre as mazelas de cada um de nós. Em Broadway Danny Rose (idem, 1984), ele opta pela primeira alternativa, à qual recorre, no geral, mais frequentemente. Suas lentes flagram o tal Danny Rose do título, interpretado pelo próprio, em uma trama sem grandes espasmos narrativos e com brilhante fotografia em preto e branco, recurso que abandonou há algum tempo.

A trama concentra seu foco na vida nada monótona de uma espécie de agente de pseudocelebridades, cujos talentos extravagantes são o pé-de-coelho do protagonista para apresentar uma arte “inovadora” a um respectivo público (pagante, é bom que se diga). Danny oferece sua chancela a tipos esgrouviados, canhestros, que não deixam de ser um reflexo bem-humorado do biótipo ostentado pelo realizador, acolhidos sem pestanejar por sua persona cinematográfica. Seu grande pupilo, entretanto, atende pelo nome de Lou Canova, papel do também cantor na vida real Nick Apollo Forte. Ele é um cantor gorducho que ainda não alcançou o estrelato. Não por falta de esforço de sua parte, muito menos da parte de Danny. Decidido a levantar a moral de seu agenciado, ele move céus e terra, até que conhece Tina Vitale (Mia Farrow), a namorada gostosona de Lou.
Está iniciado o desdobramento que trará as grandes reviravoltas da trama, que reserva hilárias surpresas em sua pouco menos de uma hora de duração. O que ocorre é que Danny entra de gaiato na agitada vida amorosa de seu cliente, e isso gera peripécias de ordem sentimental em seu coração. Lou também está envolvido com a máfia italiana, um fator degringolador de sua tranquilidade. Mas quem acaba pagando o pato é Danny. Fica notável para o espectador que Broadway Danny Rose é daqueles filmes cujo enredo traz um homem errado na hora errada, e é essa ocasião fora do esperado que responde pelas desventuras que se vão sucedendo na vida do personagem. Allen acertou novamente com essa comédia oitentista, repleta de situações divertidas pelo embaraço que causam aos personagens. A produção foi filmada no intervalo entre duas das obras mais comentadas do diretor: Zelig (idem, 1983) e A rosa púrpura do Cairo (The purple rose of Cairo, 1985) e, pela segunda vez consecutiva, o diretor se valeu do preto e branco, recurso que confere bastante charme ao longa.
Ela é resultado do trabalho esmerado de Gordon Willis, habitual colaborador de Allen nessa área. A parceira entre os dois rendeu pérolas como Noivo neurótico, noiva nervosa (Annie Hall, 1977), Manhattan (idem, 1979) e Memórias (Stardust memories, 1980). Coincidentemente, na maioria das vezes em que trabalharam juntos, Allen optou por uma fotografia em preto e branco. Na ausência de uma paleta de cores, a composição de planos acaba por valorizar muito mais os atores, e a apresentar uma ênfase igualmente intensa no conteúdo da trama que está sendo mostrada. Em Broadway Danny Rose, os tons de cinza colaboram, entre outras coisas, para adornar Mia Farrow com uma aura de mistério, já que sua personagem quase não é visível aos olhos do público a maior parte do tempo em que está em cena. Só mais pra frente, quando o filme já está em sua metade, é que podemos enxergá-la sem os óculos enormes que escondem seu olhar especial.

Aqui, o mais importante para Danny é não deixar escapar sua chance de crescimento de dividendos, encarnada na figura de Lou. É para proteger o cantor que ele se envolve em tantos problemas. E engendra pra si mesmo outros tantos, principalmente pelo fato de se apaixonar perdidamente por Tina durante as horas em que eles precisam ficar juntos para servir de escudo contra aqueles que procuram vingança contra Lou. É indispensável o comentário de que tanto Allen quanto Farrow aparecem aqui como tipos que não interpretam normalmente. Ele está especialmente à vontade encarnando um tipo boa-praça, que só quer se dar bem com seus patrocínios a figuras exóticas, e que parece ter encontrado naquele cantor a sua mina de ouro. O figurino usado pelo personagem, aliás, ajuda a reforçar essa percepção, porquanto ele lança mão de várias sobreposições de estampas, anéis, correntes e pulseiras, um visual muito mais espalhafatoso que o de outros personagens seus. Ela, por sua vez, faz a linha arrasa quarteirão, o que obrigou a atriz a colocar uma prótese nos glúteos para demonstrar mais corpo que o que realmente tem. Além do que, seus cabelos louros estão muito mais esvoaçantes, e seu comportamento é muito mais libidinoso que de costume em se tratando das mulheres que vive.
Resumindo, esse é um filme descontraído em que Allen trata novamente de suas temáticas estimadas de modo menos marcado, o que resulta em um enredo leve, que não deixa de ter seus momentos de pessimismo, ainda que mais embutido. Em parte da história, o ritmo é acelerado, como na sequência em que eles correm desesperados da perseguição dos mafiosos, e se refugiam em um galpão onde há enormes balões de gás hélio. Com os tiros que são disparados a esmo por ali, alguns desses balões estouram, e espalham o gás pelo lugar, tornando as vozes de Danny e Tina totalmente esganiçadas e hilárias. Os desencontros do coração, representados aqui na paixonite de Danny, também vão encontrar sua solução, bem ao estilo alleniano. Na cena final, em que o protagonista cochicha algo ao pé do ouvido de Tina, evidencia-se o talento do bonachão pra alcançar o seu pote de ouro daquele momento: o coração da garota que tirou seu sossego.

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