20 de mai. de 2010

"Paris, te amo", um passeio pela cidade do romance

Comumente associada ao glamour e às paixões arrebatadoras, Paris ganhou um filme à sua altura. E seu título não poderia ser outro senão "Paris, te amo". Filmado no ano de 2006, o longa é, na verdade, uma colagem de vários curtas-metragens, cada um com a duração de cinco minutos, que contam alguma história passada em Paris. E cada um desses curtas ganhou a assinatura de um diretor, o que garante uma grande multiplicidade de visões e de abordagens para um tema, a princípio, homogêneo. Para falar com propriedade de todos, porém, seriam necessárias linhas e mais linhas que discorressem com riqueza de detalhes os olhares que se descortinam diante dos olhos do público, ávido de viajar nas histórias propostas por tantos nomes distintos à frente e por trás das câmeras.

Entre eles estão velhos conhecidos dos cinéfilos de carteirinha, somados a descobertas mais recentes da cena cinematográfica mundial. No total, são vinte e três cineastas, que oferecem uma infinidade de perspectivas a respeito da capital francesa. Estão lá Olivier Assayas, Gurinder Chadha, Alexander Payne, Tom Tykwer, Gus Van Sant e Wes Craven, e vários outros. Alguns dividem a direção de um mesmo curta, como os badalados irmãos Ethan e Joel Coen, responsáveis por boa dose de humor negro do filme, e Walter Salles e Daniela Thomas, autores do segmento que trata da questão dos imigrantes em solo parisiense.

Como se trata de um filme formado por episódios, a crítica à falta de regularidade é quase um lugar-comum, e afeta também "Paris, te amo". Afinal, colocar diretores de calibres diferentes em sequência é uma forma de se notabilizar suas divergências criativas. Malgrado essa questão de ordem extremamente subjetiva, o filme é um irrestível convite a conhecer inúmeros recantos de um lugar que já se encontra inscrito no imaginário coletivo. Um dos curtas, protagonizado por Natalie Portman, por exemplo, narra a jornada de um jovem cego em busca de um encontro com sua musa inspiradora. O segmento se chama "Faubourg Saint-Denis", e a personagem de Natalie, Francine. É impossível não se apaixonar por ela ao primeiro olhar, o que nos faz constatar ainda que não é somente o olhar que pode nos despertar esse sentimento por alguém. O curta é de uma docilidade ímpar, e deixa uma leve sensação de orfandade quando chega ao seu final.
Vários são os momentos de brilho e de charme do filme, que é capaz de conquistar o espectador à primeira olhadela. Outro instante de inspiração legítima é o segmento "Père-Lachaise", dirigido por Wes Craven. O foco da história é um casal que começa a discutir durante uma visita turística ao cemitério homônimo, num momento de crise na relação. A grande sacada do curta é quando o fantasma de Oscar Wilde interefere no diálogo do casal, gerando uma sequência com um quê de hilariedade e de insolidez. O casal é vivido pelos talentosos Emily Mortimer e Rufus Sewell, e Alexander Payne, que também dá expediente como diretor em um outro curta, personifica o fantasma de um dos maiores escritores que a Inglaterra já teve. Vale lembrar que o cemitério do título é dos pontos turísticos mais valorizados da Cidade-Luz, que atrai multidões de curiosos anualmente. Ele compõe um novo nicho de mercado, o turismo de cemitérios. Lá estão enterradas várias personalidades de renome internacional. Além de Wilde, quem vai até lá encontra os túmulos de Honoré de Balzac, Marcel Proust, Max Ernst, Auguste Comte, Maria Callas, Édith Piaf, Fréderic Chopin e muitos outros.

O teor politizado fica por conta de Walter Salles e Daniela Thomas, que dirigem o segmento "Loin du 16ème". Protagonizado por Catalina Sandino Moreno (Maria cheia de graça), o curta narra a difícil jornada de uma jovem mãe, que precisa cuidar de um bebê que mora do outro lado da cidade, enquanto seu próprio filho permanece em uma creche, sob os cuidados de professoras que lhe são estranhas. A longa viagem da moça de sua casa até seu destino é o momento em que ela reflete sobre sua realidade, na condição de imigrante. Para esses, ainda que de maneira ingrata, Paris também reserva seu espaço, como fica transparente pelas lentes da dupla de diretores que, por aqui, voltaria a se reunir dois anos depois para filmar "Linha de passe", e conquistar em Cannes, outra importante cidade francesa, a Palma de Ouro de atriz para a então quase desconhecida Sandra Corveloni.

Encerrando a série de curtas, mas nem por isso sendo o menos importante e impactante de todos, está o que foi dirigido por Alexander Payne (dos estimados "As confissões de Schmit" e "Sideways - Entre umas e outras"), que traz singeleza ao retratar uma turista que acaba de chegar à capital francesa. Ela está sozinha, e começam a vir à sua mente todas as expectativas que tem em relação à cidade. Quem e o quê pode encontrar, do que pode ou não gostar em seus passeios. Mas, acima de tudo, ela fala de todos nós. Paris acaba sendo uma grande metáfora para a vida, já que é nela que todos depositam suas esperanças, descontam suas frustrações, amam e odeiam, encontram-se e perdem-se, esquecem e lembram, entre tantas outras antíteses inerentes a existência dos seres humanos. Talvez por isso, ou certamente por essa razão, seja o curta que mais nos toca, pois expõe nossos medos e fragilidades com um misto de resignação e humor cáustico.
Como foi dito anteriormente, citar cada curta e lhe dar a devida justificativa para que seja visto soa como uma tarefa insana. Mais vale deixar em suspenso algumas das surpresas que são reservadas para quem decida assistir a "Paris, te amo". O filme não é simplesmente uma colcha de retalhos que não prescinde da unidade. Pelo contrário, é em sua multiplicidade que está seu uniformitarismo. A Paris retratada pelos diretores vai muito além dos clichês já há tempos disseminados entre as pessoas, que fazem com que mesmo aqueles que nunca foram à cidade, como este que vos escreve, pensem que já a conhecem razoavelmente bem. A seleção de curtas, de responsabilidade de nomes de peso, é, ao mesmo tempo, uma viagem emocional pelas ruas da cidade, e uma pincelada sobre os variados universos que se descortinam em uma simples caminhada pelo lugar. Aqui se encontra a Paris dos amantes, dos solitários, dos imigrantes, dos abandonados, dos esperançosos, dos ricos, dos vagabundos. Cada um encontra para si a sua Paris do coração. Uma Paris que serve a inúmeros gostos e estilos, e que não abre mão de ser multifacetada, como qualquer centro urbano da contemporaneidade deve ser.

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