5 de mai. de 2010

"A aventura" ou os espaços em branco da existência

A conjunção de talento e maturidade na direção de um filme é uma das características mais apciáveis no cinema como um todo. É possível citar muitos nomes que, a cada filme que lançam, embevecem o público com tramas consistentes e refelxivas sobre a natureza humana. Assim o é Michelangelo Antonioni, um nome icônico tanto para a cena italiana, quanto para a cinematografia ocidental. O diretor inscreveu para sempre seu nome na história com sua carreira de análises profundas e meticulosas das dores e delícias de se respirar sobre a terra.

Em "A aventura", ele inaugura aquela que posteriormente seria conhecida pelo interessante título de Trilogia da Incomunicabilidade. Seu projeto era flagrar o que está por trás das aparências dos ditos felizes e realizados. Protagonistas ricos, mergulhados em suas angústias interiores, tentando entender as razões do viver tomaram a tela nos três filmes do conjunto. Junto com o começo da década de 60 vieram esses exemplares do bom cinema. O primeiro filme é de 1960, o segundo é de 1961 e o terceiro é de 1962. Além do título já citado do primeiro, há o segundo, "A noite", e o terceiro, "O eclipse".
Para filmar a abertura de sua trilogia, Antonioni elegeu Monica Vitti, que foi sua mulher na vida real durante muitos anos. Além dela, estão no rol de protagonistas a não menos bela Léa Massari e o talentoso Gabriele Ferzetti. Eles são três amigos milionários que decidem fazer um charmoso cruzeiro pela costa do Mediterrâneo. Qualquer relação entre a jornada deles com o título, porém, é precipitada, como se descobre mais adiante. Eles estão profundamente entediados, e esse sentimento se traduz em diálogos que versam sobre o vazio da humanidade, somados a uma fotografia seca, de aspecto semidesértico. Cada minuto de "A aventura" é impregnado de uma fixidez angustiante, que pode ser lida como incômoda por boa parte dos espectadores.
Aliás, o filme, desde sua primeira exibição pública, gerou reações de descontentamento no público que assistia a ele.

Uma das razões que levaram a essa certa depreciação é o rumo que a história toma lá pela sua metade. Voltando a ela, o que ocorre durante o passeio de Claudia (Vitti), Sandro (Ferzetti) e Anna (Massari) é o desaparecimento misterioso da terceira. Sem qualquer razão aparente, ela simplesmente sai de cena, deixando no ar um sensação de ausência de explicação que vai acompanhar a trajetória dos outros dois remanescentes.
Claudio fica desarvorado com o sumiço repentino de sua namorada, e empreende uma busca desesperada pelo seu paradeiro, a qual logo se revela em vão. Seu desvelo em resolver o caso logo vai dando lugar a uma estranha apatia, que culmina com o início de um caso justamente com Claudia, a melhor amiga de sua então namorada. O que pode parecer uma inserção de romantismo em meio a uma trama com ares tão pessimistas, contudo, logo se revela mais um aspecto do tédio que toma conta das relações entre os personagens. Antonioni foi habilidoso em construir um filme denso e incômodo, que em vários momentos se mostra perturbador. O que mais desapontou os espectadores, já na primeira sessão do filme, foi o fato de os mistério do desaparecimento de Anna ir sendo abandonado ao longo da narrativa. O esperado seria que elea fosse encontrada, ou que o diretor dessa uma explicação para aquele sumiço.
Mas para olhos mais atentos, esse detalhe acaba tendo baixa relevância, pois a força motriz do filme é a investigação dos medos, das inseguranças e das fragilidades que todo ser humano tem. Alguns em maior, outros em menos grau. A câmera do cineasta nos descortina uma Itália deslumbrante e muito requintada, mas cujos persoanagens estão tomados por uma apatia desconcertante. "A aventura" pode ser enxergado como uma tentativa ambiciosa de apresentar os abismos que cercam as relações entre os indivíduos, que mesmo uma infinidade de palavras não pode cobrir. Antonioni lança um olhar dolorido sobre os homens, que torna o filme de difícil digestão para a maioria das plateias. A crítica, por outro lado, sempre deu grande valor à obra em questão, e também a outros trabalhos desse figura emblemática.
É curioso saber que o diretor sofreu um derrame cerebral que o deixou mudo. Durante boa parte de sua vida, o artista do silêncio foi condenado a não poder usar as palavras na fala, o que é um dado tão ruim quanto enriquecedor de sua filmografia. Assim como em outros filmes de sua produtiva carreira, em "A aventura" a imagem tem uma importância crucial, pois é ela que norteia os pensamentos e ações dos personagens, que não são muitas. Nem Claudia nem Sandro estão perdidamente apaixonados um pelo outro, apenas encontraram numa espécie de romance uma válvula de escape para suas frustrações individuais. Com isso, se prestam a sorver a plenitude do outro, para que possam dar conta de sua incompletude. A busca de Sandro e Claudia é a busca de qualquer ser humano, e esse efeito especular provocado pelo filme é uma de su grandes qualidades, mas também sua fonte de inquietação, que, por sua vez, gera a desesperança. Não é necessário concordar com o retrato pintado por Antonioni, mas não se pode negar que ele tem um fundo de verdade dentro de si.

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