Conhecido por seus retratos contundentes da hipocrisia estadunidense, Sam Mendes aposta numa produção de tintas mais suaves em "Por uma vida melhor". O diretor até hoje é lembrado por seu oscarizado "Beleza americana", mas aquele recente trabalho difere desse em muitos aspectos. Se no longa de 1999 ele jogava no vento as compulsões, traumas e repressões que afetavam uma família aparentemente estruturada, em "Por uma vida melhor" Mendes se propõe a acompanhar o processo de formação de um futuro clã.
Seus protagonistas são Burt (John Krasinski) e Verona (Maya Rudolph), um jovem casal que acabou de subir ao altar. Ela está grávida de sete meses, e pensa em todos os prós e contras que surgirão com o nascimento do bebê. Estão seguros de muitas decisões, mas ainda pensam no que pode ser realmente o melhor para seu filho. Depois que os pais de Burt decidem ir morar na Bélgica, o casal, que adora viagens e tem rotinas flexíveis nos seus respectivos empregos, percebe que nada mais os prende à cidadezinha em que habitam. Daí vem uma ideia tão interessante quanto insana: eles iniciam uma viagem para rever velhos conhecidos, na tentativa de conviver com diferentes modelos de família. Assim, poderão saber perto de quem será melhor criar o filho que esperam.
Esse ponto de partida faz com que o filme se transforme em uma divertida jornada de descobertas e alegrias para Burt e Verona. No original, o filme se chama "Away we go", que significa em português "distante nós vamos". Esse título chegou a ser usado quando ele foi exibido em festivais, mas acabou sendo substituído pelo atual, que carrega consigo um sabor meio piegas, que destoa do real conteúdo do filme. Trata-se de um Sam Mendes atípico, por sua ferocidade estar mais contida, e a comédia dar o tom em boa parte das cenas. Nas viagens que faz, o casal se depara com todo tipo de família, o que serve como uma ótima oportunidade para que Mendes desfie seu olhar nada complacente sobre o tradicional "American way of life", que, de certa forma, combate a cada filme que dirige. A sociedade estaduinidense é criticada de maneira mais sutil em "Por uma vida melhor", o que torna o longa um pouco mais palatável para a mioria esmagadora do público.
A história é recheada de passangens sarcásticas, que levam a refletir sobre algmas neuroses tipicamente humanas, como a obsessão das mulheres por um homem ideal, que Verona percebe com o tempo que simplesmente não existe. E o comportamento desorganizado dos homens, como é o caso de Burt, que tanto as enlouquece também ganha espaço aqui. Aos poucos, eles se dão conta de que cada modelo familiar que conhecem em sua longa jornada pode ser bom ou ruim, por razões distintas. E que não existe nem jamais existirá uma forma que delimite o que se deve ou não fazer na criação de um filho. Existe, sim, uma necessidade de adequação dos pais às demandas dos filhos, e dos filhos em relação ao aprendizado que seus pais lhes podem proporcionar. Então, Burt e Verona entendem que terão de encontrar seu próprio ponto de equilíbrio, para saber como agir com o bebê que está prestes a nascer.
O filme conta com boas atuações do par central, mas também com acertos da parte dos coadjuvantes. Jeff Daniels, por exemplo, se mostra bastante cativante e convincente durante os poucos miunutos de que dispõe em cena. Na pele de um pai que não se furta de dizer a verdade, seja ela qual for, ele ganha a simpatia da plateia, por mais paradoxal que isso possa parecer. A conversa dele com o filho e a nora, logo no começo do filme, é uma sequência divertidíssima. Além desse momento, "Por uma vida melhor" tem várias outras cenas hilariantes, como os questionamentos que Verona e Burt fazem um ao outro, na tentativa de entender o que, de fato, representa o nascimento de um bebê para um casal. Todos os transtorno que advêm disso são lembrados e comentados por eles, com uma linguagem leve e descontraída, bem cercada de coloquialismo. E também há muitas situações quase surreais, que mexem com o humor do espectador a todo momento.
Uma das sequências mais interessantes de todo o filme é a que mostra a visita de Burt e Verona a LN (Maggie Gylenhaal, menos talentosa que o irmão) e Tom (Chris Messina). Eles formam uma família bem diferente do convencional, demonstrando pensamentos sobre a maternidade e o sexo que deixam os futuros pais completamente enrubescidos. LN admite que não vé problema algum em dividir a cama com o filho pequeno enquanto transa com o marido. Chocados, Burt e Verona logo notam que aquele definitivamente não é o modelo de família que eles tanto almejam. Antes de dar as costas para aqueles dois, os protagonistas enlouquecem os então amigos com uma prática que para qualquer outro casal é banal. LN diz que não carrega seu filho no carrinho, pois entende que assim o estaria empurrando para longe dela. Por isso, recusa o carrinho que Burt e Verona lhe dá de presente. É aí que eles decidem pegar o menino e correr com ele pela casa no veículo, para desespero de pais tão "alternativos", sob a promessa de jamais voltarem ali.
E é assim, sem grandes pretensões, que Sam Mendes conduz a viagem de seus personagens, que é tanto literal quanto metafórica, porquanto gera neles um sentimento de urgência e viver a vida sem grandes planos ou regras mirabolantes. o que é preciso de verdade é o desejo de acertar, e a vontade de dar o melhor de si para um ser humano que depende deles para sua formação. É um filme fora do padrão Mendes porque destila humor numa escala acima do habitual para seu estilo feroz, o que funciona como um atestado de seu ecletismo. Mas que não se confundam leveza e ingenuidade, pois a mão do cineasta ainda está bastante certeira.
6 de mai. de 2010
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