10 de mai. de 2010

A multiplicidade identitária europeia aumentada em "Do outro lado"

Fatih Akin tem, entre outras qualidades, um talento incontestável para escrever roteiros. Isso justifica o prêmio de melhor roteiro em Veneza para "Soul kitchen", sua obra mais recente. Mas seu filme imediatamente anterior, "Do outro lado", também tem muitos méritos que fazem dele uma sessão imperdível. O cineasta, um alemão de raízes turcas, se volta mais uma vez para a questão dos imigrantes em seu país, que resulta numa população multiétnica. Na verdade, essa já é uma tendência mundial. Por isso, muito do que aparece no longa pode ser estendido para outros países, com igual peso e significado.

Com uma narrativa dividida em capítulos, o que torna sua estrutura mais didática, o filme acompanha uma série de encontros e desencontros entre duas famílias, uma na Alemanha, e outra na Turquia. Inicialmente separadas espacialmente, suas trajetórias acabam entrecruzadas por uma série de viagens empreendidas por alguns de seus membros. Cada capítulo apresenta um título sempre bastante elucidativo, que já prenuncia diferentes acontecimentos trágicos. Tamanha clareza acaba preparando o espectador para conhecer um personagem e, logo em seguida, assistir à sua desgraça. O primeiro capítulo, intitulado "A morte de Yeter", mostra um dos protagonistas, Ali(Tuncel Kurtiz), um senhor aposentado, conhecendo Yeter (Nurgül Yesilçay). Ela é uma prostituta que imigrou da Turquia, e custeia os estudos de sua filha no país natal graças ao seu "ofício".
Diante de Yeter, Ali fica embevecido, e decide tomá-la para si, custeando todas as suas despesas, e lhe dando até mais do que ela recebia como prostituta. Mas, em troca, Ali cobra um preço muito alto a Yeter: uma possessividade absurda, que beira o patológico. Seu filho Nejat, um professor universitário de literatura alemã, não concorda com esse relacionamento, que acaba sendo um polo gerador de conflitos entre ambos. Tamanha divergência culmina numa sequência de discussão entre Ali e Yeter, da qual ela não escapa com vida, de modo que, assim, o título do capítulo se justifica. Com a morte de Yeter, o diretor vai apresentando ao público outras histórias que acabarão por ter relação com esse primeira. As tramas de "Do outro lado" vão se alinhavando até chegar a uma unidade, num estilo semelhante ao dos roteiros de Guillermo Arriaga, responsável, entre outras obras, por "Amores brutos" e "Babel". Além disso, recentemente ele estreou como diretor em "Vidas que se cruzam".
Para que o afunilamento de enredos aparentemente distantes funcione, porém, é bom que se evitem certas coincidências forçadas. E Akin segue esse preceito com habilidade, já que, mesmo com seus capítulos tendo títulos tão denunciativos, ainda há muitas surpresas à espera da plateia, o que faz que todos fiquem enredados até o último momento para saber que rumos aquelas vidas tomarão. No segundo capítulo, cujo título é "A morte de Ayten", a primeira cena que vemos é a de um caixão embarcando num avião de volta à Alemanha. Ayten (Hanna Schygulla) é a mãe de uma jovem estudante, Lotte, que participa ativamente de movimentos esquerdistas pelos direitos dos imigrantes. Seu lema acabará sendo também sua sentença de morte, como se verá mais tarde. Lotte auxilia uma jovem que não vê a mãe há tempos, e que está completamente sem dinheiro. A ativista se apaixona pela moça, revoltando sua mãe, que acha inútil toda a sua luta pelos direitos civis dos imigrantes.
É melhor que quem quiser saber o que acontece daqui para a frente procure assistir ao filme, pois contar mais do que já foi mencionado é entregar de bandeja todas as informações preciosas de um filme que, partindo de uma microestrutura, analisa e critica uma situação muito maior. Como em "Contra a parede", Fatih Akin se debruça sobre a questão do painel multicultural em que se transformou o continiente europeu nas últimas décadas. É uma tendência irreversível, por mais que se debatam os mais puristas. Sim, Akin faz cinema engajado, assim como quem deseja denunciar mazelas e preconceitos através da ficção. E sua atitude é totalmente louvável. E o final abrupto de seu filme só evidencia que a discussão está longe do fim.

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