3 de mai. de 2010

A simplicidade do cotidiano flagrada em "É proibido fumar"

Acertar o tom na comédia não é tarefa das mais fáceis. Porém, sempra surge um filme em que a delicada alquimia entre humor e inteligência é conquistada. Nesse contexto está "É proibido fumar", de Anna Muylaert. Do seu currículo constam a adaptação para a telvisão dos quadrinhos do Menino Maluquinho, alem de uma experiência anterior na direção, que foi "Durval discos" (2002). Afora esses dois trabalhos, há outras poucas referências pregressas a Anna.

Em "É proibido fumar" a cineasta entrega um trabalho de artesã, trazendo muito do humor negro que seu filme anterior continha. Sua verve cômica aparece constantemente diluída por um certo teor dramático, sem que o resultado final descambe mais para um aspecto que para o outro. Aqui, tem-se a história de Baby (Glória Pires), um mulher de meia-idade que não tem um parceiro há tempos, e se ressente disso. Suas irmãs comentam que já é tempo de ela deixar a solidão, mas Baby se mostra um pouco exigente com relação ao sexo oposto. Além disso, cultiva o hábito de fumar, o que parece afugentar alguns namorados em potencial. Assim ela vai levando a vida sem grandes perspectivas, dando suas aulas particulares de violão, detalhe que evidencia o bom trabalho de composição de Glória para a personagem. Sua Baby se veste como há muito não se faz mais, apresentando um visual sempre desleixado.
Tudo começa a ganhar novos rumos quando ela conhece Max (Paulo Miklos, cada vez mais mostrando-se bom ator), um cantor de churrasacaria que acabou de se separar. Os primeiros contatos entre os dois rendem cenas bastante divertidas para o filme. Baby fica bastante interessada naquele que é seu novo vizinho, e inventa pretextos para ir falar com ele. A professora vê em Max uma chance de sair da "seca" em que se encontra, rompendo com sua solidão crônica. Partindo desse encontro entre Baby e Max, Anna Muylaert constrói uma história cativante e bem-humorada, que deixa o espectador mais leve durante a sessão e depois dela. Muitas cenas são inspiradas, como a que mostra Baby em uma festa se dançando horrores e realmente se divertindo com isso. Essa sequência também evidencia a ótima trilha sonora, a cargo de Márcio Nigro. De fato, é um trabalho que enriquece o longa.

O grande problema que Max e Baby enfrentam é o fato de que ele ainda não esqueceu totalmente sua ex-mulher, e sempre acaba fazendo menção à sua Stellinha (Alessandra Colassanti), que aparece lá pela segunda metade da história para atrapalhar ainda mais a love story do simpático casal. Vale lembrar que, por amor a Max, Baby se empenha em parar de fumar, já que seu hábito o desagrada profundamente. Largar o vício, contudo, é difícil demais para ela, que tem recaídas ao longo de suas tentativas. Seguindo um programa de ajuda a dependentes de nicotina, ela repete para si mesma em casa: "O cigarro parece meu amigo, mas é meu inimigo", como se fosse um mantra que a impedisse de fumar.
À dificuldade de Baby em abandonar o cigarro se soma sua desconfiança de que Max a esteja traindo, fato que se confirma quando ele lhe conta que voltou a ver sua ex-mulher. A confissão a deixa arrasada, fazendo-a fumar de novo com toda a vontade que vinha reprimindo até então. Os fatos a deixam envolvida num misto de ansiedade, culpa e tristeza, levando o aspecto cômico do texto a níveis baixíssimos, e abrindo espaço para boas doses de drama. Nada que resvale para o piegas, é bom que se diga. Muito pelo contrário. Muylaert oferece ao público a alternativa de um filme nacional que não se deixa levar pela maioria dos lugares-comuns que são relacionados à produção brasileira. Nada de violência nas favelas, ou de muitos impropérios sendo ditos a cada cinco minutos, nem mesmo personagens unilaterais, sendo este último um clichê universal. Não há nada de errado com os clichês, mas é preciso saber usá-los com muita parcimônia, para o efeito de seu uso tenha consistência. No caso de filmes que tendem para o humor, como "É proibido fumar", é preciso ser como um bom piadista: a graça não está necessariamente na piada, mas sim na forma como ela é contada para o interlocutor. Isso pode fazer toda a diferença no riso ao final da história. E esse talento não falta a Muylaert.
A diretora consegue trazer uma história bem contada, mesmo que seja simples, e a emoldura em uma São Paulo algo sombria, envolta em uma atmosfera plúmbea, diferente de como ela normalmente se apresenta. Aí está outro mérito da diretora, dar uma visão nova de um local que já foi esquadrinhado à exaustão em outras produções, de gêneros diversos. Ela espia gente comum vivendo como os acontecimentos vão se dando, e extrai atuações preciosas de todo o elenco. Em especial de Glória Pires, que faz muito melhor do que se poderia supor sua Baby. A atriz levou merecidamente o Candango de melhor atriz no Festival de Brasília de 2009, um claro reconhecimento de seu trabalho bem feito. Ver em cena alguém tão tarimbado é sempre um dos grandes prazeres dos cinéfilos que estão atrás de películas que falem mais ao coração. E nessa história ainda sobra espaço para uma certa Pitty se arriscar no ofício da atuação, e também não faz feio. Também não se pode negar que há uma marca autoral forte em "É proibido fumar", e, nos descaminhos que a vida tem, tentar desenovelá-los por meio de um argumento comum, a depender de como ele se desenvolva, pode ser um convite atraente.

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