17 de mai. de 2010

A sublimação do desejo em "Amor à flor da pele"

No final da década passada, o público de cinema ganhou um presente e tanto pelas mãos talentosas de Wong Kar-Wai. Um filme que jamais seria esquecido, e que, seguramente, merece o título de clássico moderno, com todo o oxímoro contido na expressão. Em português, esse longa de beleza rara atende pelo nome de "Amor à flor da pele", e traz a todos os sentidos uma grande festa do prazer, com sua multiplicidade de cores e formas desfilando o tempo todo na tela.

Como o título já evidencia, a investigação proposta pelo realizador de "Dias selvagens" (1991) e "Felizes juntos" (1997) é a respeito dos meandros de um dos sentimentos mais dissecados e analisados pelo cinema, pela literatura, pelo teatro e por todas as outras formas de arte existentes. A tarefa não é simples, e requer uma qualidade que certamente se encontra em Kar-Wai: sensibilidade. É com essa importante característica que ele conduz o espectador por um espetáculo visual ímpar, ancorado nas atuações precisas (no melhor sentido que a palavra pode ter num contexto como esse) de Tony Leung Chiu Wai e Maggie Cheung. A dupla de atores é recorrente na filmografia do diretor, o que lhes garante um certa intimidade com o seu modo de filmar.
Eles dão vida a Chow Mo-wan e Su Li-zhen, respectivamente. Suas trajetórias distintas se cruzam quando eles se mudam para o mesmo edifício, acompanhados de seus respectivos cônjuges. Um detalhe que logo chama a atenção do espectador nessa questão é que os parceiros dos protagonistas jamais aparecem na tela, deixando apenas suas sombras e alguns ruídos no ar. O foco da câmera de Kar-Wai está realmente em Mo-wan e Li-zhen, que tomam conta de todas as cenas. Não demora para que eles descubram que são vizinhos, e iniciem uma bela e, por vezes, ingênua amizade.

Então, passam longas horas juntos, conversando sobre trivialidades, e desenvolvendo uma cumplicidade que não encontram nos seus casamentos, o que lhes gera um flagrante desconforto. Na verdade, ambos estão sempre sendo deixados de lado por seus parceiros, e isso os aproxima dia após dia. Até que chega o momento em que eles descobrem que, nas longas viagens que seus cônjuges fazem, eles acabaram tendo um caso. A descoberta deixa Mo-wan e Li-zhen estarrecidos, e os deixa ainda mais próximos. Mas, diferentemente do que se poderia esperar da evolução da narrativa, eles mantêm a dignidade, e decidem não repetir o erro cometido pelos amantes.
Nessa decisão tomada em comum acordo por eles, Kar-Wai deixa claro que seu filme não envereda pelo caminho do óbvio. O cineasta prefere trilhar as veredas da sublimação. Seus protagonistas transpiram desejo a cada cena, mas ele nunca chega a ser consumado. Em "Amor à flor da pele" reina o imagético, e a economia nos diálogos leva a atenção do público a se voltar para a beleza da fotografia de Christopher Doyle e Mark Lee Ping-bin, uma dupla tarimbada, que se encaixa perfeitamente na maneira que Kar-Wai tem de se lançar sobre seus objetos. Doyle, aliás, é um colaborador frequente do diretor, estando em sua equipe também em "2046 - Os segredos do amor" (2004) e "Eros" (2004), no segmento dirigido por Kar-Wai.
Aqui o cuidado com o visual se traduz em figurinos deslumbrantes usados pela personagem de Maggie Cheung. É sempre o mesmo modelo, o que muda são as estampas e desenhos de cada um. Tudo ideia de William Chang, que assina essa parte do filme. É através dessas roupas que o passar do tempo da história é percebido em sua sutileza. Essa é uma das obsessões do cineasta, que sempre apresenta um olhar aguçado para a rotina e os elementos mínimos de que ela é feita. Some-se a isso o fato de ele ser oriental, o que já lhe garante um espírito contemplativo inato. Resumindo, "Amor à flor da pele" representa o abandono da verborragia em prol de uma observação de cenas e situações que, por si só, já falam bastante.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá, Patrick!

Te conheço, talvez somente por nome, lá do Cine Players.

Gostei bastante do seu blog e das suas críticas. Somente agora fiquei sabendo que vc tem um, pois sempre lia seus comentários lá no site.

Se der, entra lá no meu tmb, beleza?

Abração e parabéns pelos textos!