Os irmãos Ethan e Joel Coen colecionam filmes com tipos extravagantes, que demonstram toda a sua anticonvencionalidade basicamente de duas maneiras, a princípio, antagônicas: comica ou dramaticamente. A vertente cômica, decerto, predomina entre os títulos que compõem a sua carreira, como provam longas como Arizona nunca mais (Raising Arizona, 1987), Na roda da fortuna (The hudsucker proxy, 1990), E aí, meu irmão, cadê você? (O brother, where Art thou?, 2000) e Matadores de velhinhas(Ladykillers, 2004). O drama se manifesta em filmes como Gosto de sangue (Blood simple, 1984), Barton Fink – Delírios de Hollywood (Barton Fink, 1991) e O homem que não estava lá (The man who wasn’t there, 2001).
Independente de nomenclaturas e classificações, entretanto, a filmografia dos Coen traz como característica fundamental um olhar obtuso e inusitado sobre diferentes aspectos da vida. Em Um homem sério (A serious man, 2009) essa particularidade fica evidente mais uma vez. Larry Gopnik (Michael Stuhlbarg), o protagonista do longa, é o retrato nada caricatural de uma agonia silenciosa revestida de comicidade. Neste filme, os diretores optaram novamente por dar um tratamento cômico à história de um homem que está vendo seu mundo desmoronar pouco a pouco. Para que tudo venha a ruir definitivamente, resta pouco tempo.
O primeiro dos grandes problemas de Larry é a sua mulher, que lhe diz, à queima-roupa, que está decidida a se separar. Judith (Sari Lennick) o está deixando, e não há nada que ele possa fazer para evitar o fato. Além disso, Larry tem de enfrentar a presença incômoda de seu irmão Arthur (Richard Kind) em sua casa, já que ele não parece nem um pouco inclinado a sair dali, e seus filhos também não parecem colaborar para sua vida ser mais simples. O garoto Danny (Aaron Wolff) é problemático e só traz dor de cabeça da escola, ao passo que a menina Sarah (Jessica McManus) só se interessa em fazer uma plástica, para a qual rouba constantemente o dinheiro do pai.
Esse cenário cataclismático em pleno lar é o ponto de partida para que os Coen fazem de melhor: tecer comentários subliminares sobre o quanto a vida é bizarra. A conduta de todos os personagens de Um homem sério reforça o tempo todo essa afirmação, já que cada um deles mete os pés pelas mãos em alguma instância. A começar por Larry, que demonstra não ser capaz de lidar bem com seus vários problemas, e busca conselhos com um rabino que parece bem pouco indicado para a função. Um adendo: Larry também vem enfrentando ameaças anônimas que vêm chegando por meio de cartas. Por meio desse protagonista, Ethan e Joel parecem gritar o tempo todo: a vida não faz sentido algum!
O pano de fundo de Um homem sério é Minneapolis, onde os irmãos nasceram e passaram sua infância, e o ano é 1967. Com isso, fica claro que eles fizeram seu filme mais pessoal até aqui. E esse aspecto pode ser analisado tanto positiva quanto negativamente. Afinal, para espectadores pouco familiarizados ou afeitos ao estilo da dupla de cineastas, assistir ao filme pode ser um tanto entediante. O ritmo da história é lento, à semelhança do faroeste intimista Onde os fracos não têm vez (No country for old men, 2007), em que, apesar de muita ação correndo em cada fotograma, transcorria em uma cadência suficientemente vagarosa para não ser classificado como vertiginoso. Um homem sério é permeado por lembranças e referência particulares da vida dos irmãos, que recorreram a um elenco desconhecido para dar vida aos personagens que habitam seu imaginário. Stuhlbarg, intérprete de Larry, tem uma carreira pregressa, mas de poucos filmes. Um de seus trabalhos anteriores foi em Cinzas da guerra (The grey zone, 2001), em que deu vida a Cohen, numa trama que, coicidentemente, também envolvia judeus, tal qual ocorre nos filmes dos Coen. E seu personagem é quase xará de sobrenome dos diretores.
Desde os primeiros minutos de projeção, o filme apresenta uma atmosfera de insolidez, que o envolve até o final. Aliás, o começo de Um homem sério é bastante estranho, tendo a aparência de um trailer de outro filme. Quando menos se espera, a trama já começou, com a sequência em que, numa espécie de lembrança remota, no tempo pré-histórico, uma visita inesperada está para chegar na casa de um casal. A cena, capaz de provocar risos canhestros por sua mordácia dissimulada, funciona como uma espécie de prólogo para a tragédia particular de contornos risíveis vivenciada por Larry Gopnik. Por conta dessa ambientação de estilo surreal, o filme se aproxima de Barton Fink – Delírios de Hollywood, mas tem personalidade própria o bastante para não soar como um decalque deste.
A grande questão do trabalho recente dos Coen, que foi um dos dez indicados ao Oscar em 2010, é mostrar que a vida suscita inúmeras perguntas, o que não significa que todas elas tenham uma resposta, ou que essa resposta seja plausível. No fundo, cada personagem de Um homem sério está deslocado e desolado, inquieto por uma necessidade de encontro consigo mesmo que nenhuma atitude mais ou menos extremada pode mitigar. O filme está além de um depósito de memórias, e também não se encaixa no rótulo de relicário para as várias lembranças da trajetória dos Coen. Para além disso, aqui está um reflexo das agruras que os homens e as mulheres têm, e do comportamento escapista que muitos adotam diante da impossibilidade de lidar maduramente com suas próprias questões. E os Coen expõem essa fragilidade com doses fartas de uma realidade quase paralela, encobridora de certos rifões que mais parecem tiradas de autoajuda.
10 de jan. de 2011
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Um comentário:
Um dos filmes mais interessantes dos Coen, apesar de estar longe do topo dos melhores dos irmãos.
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