8 de jan. de 2011

“Mademoiselle Chambon” ou o lento desabrochar de um sentimento

As palavras são muito caras aos franceses, e isso sempre fica evidente em filmes que se lançam no trato de relações humanas. Na verdade, elas são quase uma unanimidade, seja entre os franceses, seja entre os dramas, de um modo geral. Mas Mademoiselle Chambon (idem, 2009)abre mão dessa prerrogativa básica para nos narrar a história de amor entre duas pessoas que, aparentemente, estão em universos antagônicos, ou simplesmente imiscíveis. Em vez de longos diálogos pautados na tentativa de desdobramento dos insterstícios do amor e de suas consequências positivas ou negativas, o diretor Stéphane Brizé oferece ao público um olhar de comoção sobre a trajetória de dois amantes quase silenciosos.

O começo da trama nos traz Jean (Vincent Lindon), um homem simplório e simpático que trabalha como pedreiro. Ele vive, ao que tudo indica, em um bairro parisiense de classe média, é casado e tem um pequeno filho. Seu cotidiano pacato é alterado sutilmente depois que ele vai buscar o menino na escola em um dia em que a esposa sente uma indisposição passageira e não pode fazê-lo. É quando Jean conhece a mademoiselle Chambon (Sandrine Kiberlain) do título, que vem a ser a professora de seu filho. O primeiro encontro dos dois ainda não é suficiente para que surja nada além de um contato cordial entre pai e professora. Na verdade, eles ainda não sabem, mas um intenso sentimento os cobrirá com mais um ou dois encontros.
Brizé conduz o desenvolvimento do amor entre a professora e o pai do aluno de maneira muito suave, e nos encontros dos dois ocorrem muito mais olhares contidos que longas conversas. Depois de ter o primeiro contato com Jean, a professora, cujo primeiro nome é Véronique, convida-o para retornar à escola para falar de sua profissão para os alunos. A ideia dela é que as crianças saibam como funciona a rotina de profissionais de ramos diversos, para pensar naquilo que desejam ser quando forem adultos. Ali, nos olhares discretos de Véronique para Jean, o sentimento já começa a nascer, e o espectador vai começando a ser arrebatado pela doçura que caracteriza o quase romance dos protagonistas.
Por mais que a senhorita Chambon esteja no título do filme, a história é muito mais sobre Jean, que passa a ser corroído pelo impasse de deixar ou não que a paixão pela professora tome conta de sua vida. O diretor acertou ao investir na dor aguda e surda de um homem banal, que poderia esbarrar ou estar próximo da convivência de qualquer um de nós, chegando mesmo ao ponto de passar incógnito. E sua personalidade nos leva à admiração por demonstrar em atitudes e falas uma pessoa diferente do que sua aparência pode fazer supor. Se sua estampa é de um homem rude, no trato ele é gentil e refinado, e amante de composições eruditas. No fundo, parece um homem ideal para Véronique. Mas numa história que se mostra simples, nada se resolve com simplicidade. Brizé tem nas mãos, aqui, um argumento extremamente usual, explorado à exaustão no cinema de vários países, mas consegue fazer o espectador atentar para a magia de uma pequena história, que tem a seu favor intérpretes absolutamente inspirados, dignos de menção elogiosa.

Ambos os atores não são muito conhecidos, tanto no âmbito da cinematografia francesa quanto para além de seus domínios. Porém, já estiveram no elenco de outros filmes, e têm uma carreira consolidada. Kiberlain atuou em O pequeno Nicolau (Le petit Nicolas, 2009), que é contemporâneo de Mademoiselle Chambon e ficou seis meses em cartaz no circuito carioca, e já foi personagem título de outro filme: Betty Fisher e outras histórias (Betty Fisher et autres histoires, 2001), em que foi dirigida por Claude Miller. Sua aparência frágil e seu corpo esquálido são perfeitamente adequados ao drama de uma mulher que corresponde ao amor de um homem que está tão perto e, ao mesmo tempo, tão fora de alcance. E essa consciência lhe é totalmente atordoante, como um dardo lançado sem piedade por um acaso inexorável. Por sua vez, Vincent Lindon acumula trabalhos variados, como o recente Bem-vindo (Welcome, 2009), em que interpretou um homem desalentado decidido a fazer de sua vida algo menos ordinário, além de ter atuado em Tudo por ela (Pour elle, 2008), filme quase desconhecido em solo brasileiro. Em Mademoiselle Chambon, seu Jean oferece um oposto do que seu biótipo traz, pois é um homem sensível, como já se comentou, e essa é uma das maiores qualidades oferecidas através de seu personagem.
Como se pode inferir, o investimento de Stéphane Brizé é na dor individual. Com esse filme, o diretor oferece a narrativa de uma história de amor lenta e silenciosa, em que as palavras dão lugar a pequenos gestos e a olhares, resultando em uma espécie de romance transcedental. A cada novo encontro, eles estão mais dependentes da companhia um do outro, mas sempre permanecem em sua incapacidade de avançar naquilo que realmente os move: o desejo mútuo. Para um mundo chamado pós-moderno, de relações voláteis, um conflito dessa natureza pode soar estapafúrdio, mas há que se considerar o quão onerosas ainda podem ser as convenções de uma sociedade hipócrita, que ignora a visão periférica e comete deslizes em secreto. No filme, Jean não tem forças para romper com seu casamento. Véronique, por ser professora substituta na escola do filho de Jean, está por ali de passagem, ciente de que não pode se apegar às pessoas e aos lugares por que passa. Mesmo uma tentativa desesperada de viver esse amor, lá pelas tantas da narrativa, fracassa. E Mademoiselle Chambon se reafirma como um filme sobre uma paixão obliterada, fadada à sublimação.
Curioso é saber que, na vida real, Lindon e Kiberlain estavam vivendo um processo de separação quando estavam rodando o filme e, na tela, tiveram que encarnar um homem e uma mulher em processo de apaixonamento. Na arte, trilharam ironicamente um caminho oposto ao de suas vidas particulares, e isso vitamina ainda mais seus desempenhos, pois, em cada cena dos dois, que representam mais de 80% de todo o filme, seus olhos se transfiguram em fontes refulgentes de afeto e paixão que não deixam dúvidas sobre a veracidade daquele sentimento no campo do “tudo é possível” do pacto ficcional. Nas últimas sequências do quase casal, a câmera filma os espaços abertos, em longos planos que induzem à sensação de liberdade plena e calmaria, altamente contrastantes com a prisão interior e a devastação dos personagens. A crítica chegou a definir o filme como silencioso e arrebatador. De fato, são dois adjetivos perfeitos para se encaixar no primeiro filme de Brizé, que nos brinda com um oásis de sensibilidade ímpar.

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