5 de jan. de 2011

O caminho soturno percorrido por um homem em “O escritor fantasma”

Antes de voltar à ativa com O escritor fantasma, Roman Polanski passou por um hiato de cinco anos em sua carreira de diretor. O último longa-metragem dirigido por ele havia sido Oliver Twist (idem, 2005), mais uma versão para o mais que conhecido clássico do escritor Charles Dickens, que contava com Ben Kingsley no elenco. Natural que seu trabalho seguinte despertasse interesse do público, ainda mais pelo fato de ele ter sido divulgado e lançado em meio ao escândalo da prisão de Polanski, por conta da acusação de estupro contra ele, que havia sido engavetada e que voltou a pesar sobre o realizador. É muito bom poder dizer que seu novo trabalho é digno de aplausos, pois demonstra a competência do diretor em contar uma boa história e em extrair interpretações preciosas de seus atores.

A trama de O escritor fantasma gira em torno do personagem de Ewan McGregor. Ele é o escritor do título, um homem contratado para redigir livros que não terão sua autoria creditada. O personagem é o que se chama de “ghost writter” em bom inglês: fatura alto pelo seu trabalho, mas jamais terá o reconhecimento de seus leitores, que pensam que suas obras foram escritas por terceiros. Pois bem. Ele, que tem sua condição “fantasmagórica” reforçada pelo diretor até mesmo pelo fato de nunca ser nomeado, é contratado para terminar de escrever a autobiografia do ex-primeiro- ministro britânico, Adam Lang, encarnado por Pierce Brosnan (que mostra render em outros papeis diferentes do agente 007). O escritor contratado originalmente para a tarefa apareceu morto em circunstâncias sombrias, que deverão ser elucidadas pelas investigações policiais.
Uma vez tendo assumido a compromisso de seguir com a escritas das memórias de Lang, para as quais receberá dividendos generosos, o “Fantasma” percebe que está mexendo em um vespeiro que esconde interesses escusos, negociatas e outros tipos de demonstrações de ausência de escrúpulos. Mas seu papel é apenas escrever, e ele não deve ultrapassar os limites que lhes são impostos. Para dar conta de produzir o texto do livro com mais velocidade, ele é levado para uma ilha bastante deserta da costa inglesa, na qual passa a conviver com todas pessoas de quem Lang está ladeado diariamente. Polanski aproveita para lançar mão de um recurso notável em tramas de suspense, como é o caso deste filme: nenhuma das pessoas daquele lugar é o que parece ser. E essa aura de desconhecimento sobre quem está por perto desperta um misto de curiosidade com receio no “Fantasma”.

Logo ele se interessa por descobrir como se deu a morte de ghost writter que substituiu, e percebe o quanto Ruth (Olivia Williams), esposa de Adam, gostava desse seu antecessor, o que pode ser um indício ou não de que a sua morte não tenha sido acidental. No início do filme, o agente do protagonista afirma que aceitar a incumbência de terminar essas memórias é agarrar a oportunidade de uma vida, e o “Fantasma” aceita a proposta convencido por esse argumento. Mas, pouco a pouco, vai percebendo que ganhar tanto pela conclusão da obra pode custar o fim da sua tranqüilidade. Desde os primeiros fotogramas, fica claro que a história desse homem é envolta em mistérios, e atmosfera soturna construída pelo realizador polonês contribui decisivamente para que essa opinião se instaure. O filme é uma adaptação do romance de Robert Harris, e se apoia em uma fotografia de tons acinzentados, pela qual Pawel Edelman é o responsável. Ele é conterrâneo de Polanski e, aos 52 anos de idade, já fotografou dezenas de filmes em sua Polônia natal, além de já ter trabalhado em vários outros nos EUA, como Ray (idem, 2004) e no segmento dirigido por Brett Ratner em Nova York, eu te amo (New York, I Love you, 2009). Aliás, O escritor fantasma é a segunda parceria consecutiva entre Edelman e Polanski, e nesse segundo filme os planos fotografados por ele são um deslumbre em sua capacidade de hipnose. Os personagens são envolvidos por um ambiente fechado, e a clausura é acentuada pelo esquema de proteção que envolve o ex-primeiro-ministro.
Essa arquitetura de segurança reforçada em torno de Adam Lang se justifica pelo fato de ele ter sido duramente criticado pela imprensa e pela opinião pública desde que autorizou a prisão e a tortura de suspeitos de terrorismo. A ilha na qual ele e Ruth se encontram em estado de semi-exílio está localizada no estado de Maine. O escritor tem de aprontar o livro através das entrevistas que vem fazendo com Adam, que faz questão de ressaltar que aquela autobiografia é a chance que ele tem de limpar sua imagem arranhada. Não faltam avisos para o “Fantasma” para que seu trabalho não ultrapasse as fronteiras do relacionamento profissional, e a própria Ruth o faz. Na verdade, todos os personagens têm um caráter ambíguo, o que inclui o escritor interpretado por McGregor, do qual não se sabe absolutamente nada anterior ao momento em que ele aceita a tarefa de terminar de escrever as memórias de Adam Lang. A não ser que sua situação financeira não era das melhores. Não adiantam os avisos, porém. Na tentativa de escrever o mais perto da realidade possível, o “Fantasma” vai conhecendo gente que tem algum envolvimento com a trajetória de Lang.
Cabe ressaltar que a trama roteirizada pelo próprio Polanski se alinhava de maneira indefectível, já que todas as pontas que vão se soltando ao longo da caminhada do protagonista começam a se juntar lá para a meia hora final da narrativa, que se concentra em delinear as consequências da curiosidade exacerbada do “Fantasma” pela vida profissional e pessoal do seu “autobiografado”. É a partir desse momento que o filme ganha muito em ritmo e em surpresas, que deixam o espectador preso na poltrona para descobrir até que ponto pode chegar o personagem em seus descaminhos. Muito do que acontece no enredo de O escritor fantasma foi obliterado nessa pequena resenha, diferentemente do que se possa supor. Há uma infinidade de pequenos e grandes acontecimentos que desencadeiam a ação do longa, que permitem classificá-lo com várias palavras que são atestadoras de sua qualidade como cinema: tenso, sombrio, inquietante, sobressaltante, surpreendente, poliédrico, espamódico.

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