29 de dez. de 2010
“O amor é cego”, uma comédia com leveza, diversão e graça
O filme nos traz Jack Black na pele de Hal, um homem comum e com muitos quilos a mais, que não abre mão de uma bela aparência quando se trata de um relacionamento com o sexo feminino. Essa obsessão por uma fina estampa leva-o a observar com máxima cautela cada detalhe minúsculo da anatomia das mulheres que cruzam seu caminho. E seu melhor amigo não o ajuda nem o pouco a se livrar dessa busca fútil e frívola. Mas esse é apenas o ponto de partida da divertida comédia dirigida pelos irmãos Bobby e Peter Farrelly, mais do que conhecidos por Quem vai ficar com Mary? (There's Something About Mary, 1998). Até hoje a dupla é creditada por esse trabalho, mesmo já tendo feito tantos outros posteriores.
Retornando a O amor é cego, o filme ganha muitos pontos a seu favor quando sua trama começa a se desenvolver: Hal fica preso acidentalmente em um elevador com Tony Robbins (Anthony Robbins), um simpático guru de autoajuda. Ele fica impressionado com a visão reducionista que Hal apresenta sobre as mulheres, e decide aproveitar a ocasião para dar uma pequena ajuda ao seu novo amigo. Durante uma sessão de hipnose, Tony faz com que Hal passe a se importar somente com a beleza interior das mulheres que ele vir dali para frente. O expediente usado pelo guru dá certo, como logo o espectador descobre.
Logo que sai do lugar em que estava com Tony, Hal esbarra em uma mulher monumental, que atrai seu olhar instataneamente. Mal sabe ele que está diante de uma representante do time das feias, e o público também só fica sabendo disso pelo olhar de estranhamento do motorista do táxi que eles dividem quando Hal começa a cortejar a moça. O interessante aqui é perceber que todas as mulheres que vão surgindo na vida do protagonista são vistas pelo público filtradas pelo seu olhar, aparecendo, inicialmente, lindas, para depois serem vistas como realmente são. O melhor amigo de Hal logo nota que ele está muito estranho, pois tem se interessado pelas mulheres mais horrorosas possíveis. E Hal acaba se apaixonando por uma delas: a frágil Rose. A personagem é interpretada por Gwyneth Paltrow, atriz que coleciona detratores, mas que é ótima no que faz. A maioria das pessoas tem bastante má vontade com o seu trabalho, mas não custa nada dar uma chance para ela.
É isso que Hal faz. Ele se encanta pela beleza de Rose – que só existe na sua cabeça – e faz de tudo para iniciar um romance com ela. Uma vez tendo conseguido, o casal nada convencional vai viver situações hilárias. E essas situações colocadas na tela pelos irmãos Farrelly vêm com uma boa dose de
lirismo, ainda que apenas no subtexto. A dupla de cineastas ainda é constantemente associada à escatologia de Quem vai ficar com Mary?, mas em O amor é cego ela está ausente, havendo espaço para diálogos ágeis e divertidos que colocam em xeque o juízo de valor exagerado que todos damos às aparências nos dias atuais. A figura de Hal é bastante resumitiva dessa postura paranoica que muitos adotaram, e desperta graça também, em parte, por um sentimento de identificação do espectador. É o efeito especular do cinema sendo observável até mesmo em uma comédia, que parte do público cinéfilo pode desconsiderar, numa mentalidade aristotélica ao extremo (para que fique bem claro, na Poética, sua obra mais importante, Aristóteles inventariou as particularidades da comédia e da tragédia, e seu apreço tendia ligeiramente para a composição trágica).
Em suma, o que garante o interesse por O amor é cego é o tom piadístico que corre solto pelas veias do longa, fazendo o público embarcar sem reservas em uma história simples, com final edificante, bem ao estilo de Hollywood, que também pode ser tudo o que queremos ver e ouvir em determinado momento. Não há nada de mal em relaxar a mente e conferir um filme despretensioso e comum. Mas esse aqui ainda leva o mérito de conduzir sutilmente a uma reflexão, a qual vem revestida de um ar risório, e se deposita nas mentes dos espectadores com facilidade muito maior.
8 de dez. de 2010
“Horas de verão” e a árdua tarefa de dar um fim às coisas
Frédéric (Charles Bering) é o mais velho dos irmãos. Ele é um economista que trabalha como professor universitário, e o único que continua vivendo em Paris. Seu temperamento é prático, em parte um reflexo claro de sua formação em uma ciência exata. Como mais velho, tem reclamada para si a posição de timoneiro do barco que conduz os irmãos, mas não parece demonstrar muita inclinação para essa função. Adrienne (Juliette Binoche) é a irmã do meio, e a única mulher. Ela vive em Nova York há alguns anos, onde desenvolveu uma sólida carreira como designer. É cheia de vida e não tem grande apego ao comportamento tradicionalista da mãe. Sua personalidade solar se delineia, entre outras coisas, por seus cabelos louros e sedosos. Jérémie (Jérémie Renier), o caçula, por sua vez, é um empresário jovem que foi morar na China, e que está perfeitamente estabelecido e satisfeito com a fase da vida em que se encontra. Apesar de ter pouca idade, ele exibe convicção e maturidade para lidar com suas escolhas.
O grande acontecimento da vida dos irmãos, porém, dá-se logo depois da festa de aniversário da mãe. Eles passam dois dias na casa de campo da família para celebrar o aniversário de Hélène, e vão embora de volta para suas rotinas. Mas, subitamente, a matriarca morre, obrigando Adrienne e Jérémie a viajarem de novo para Paris, com a finalidade de enterrar a mãe e cuidar de questões de ordem burocrática, como a partilha dos bens deixados por ela. Hélène era uma grande colecionadora da obra de Paul Berthier, um pintor pouco conhecido fora do contexto de especialistas em arte. A questão que justifica a presença dos irmãos ali é: o que fazer com tantos quadros e pequenas esculturas que foram deixadas pela mãe deles? Nenhum dos três parece muito interessados em se apropriar da obra.Horas de verão (L’heure d’étè, no original) transcorre, então, num ritmo semelhante ao do trabalho de um artista paciente. O filme está debruçado exatamente sobre a dúvida dos três irmãos em lidar com o que, para eles, parece um amontoado de quinquilharias. A lavagem de roupa suja, de que se falou anteriormente, tinha sido muito suave no reencontro deles no aniversário de Hélène, mas agora passa a ser mais feroz, pois cada um empurra para o outro a tarefa de cuidar dos bens da família. Frédéric, pelo fato de morar em Paris, é o mais cotado pelos outros dois irmãos para tomar conta do patrimônio da família, mas ele não se mostra disposto a assumir essa responsabilidade. Adrienne e Jérémie alegam a distância do lugar onde vivem para se eximir da atribuição de dar continuidade à preservação dos bens do clã.
No fundo, a grande preocupação de Assayas é flagrar a importância da memória, que nem sempre é vista positivamente pelo senso comum. Não deveria ser assim. Afinal, a memória é o receptáculo de fatos, pessoas, cores, texturas e sensações, que tornam a visão da realidade de cada indivíduo absolutamente singular. A atmosfera de recordação é assinalada por uma fotografia apaixonante, assinada pelo francês Eric Gautier. Ele é o responsável pelo ótimo trabalho em filmes como Irmãos (Son frère, 2004), Reis e rainha (Rois et reine, 2005), no cenário francês, e também é requisitado para cuidar do visual de filmes de Hollywood, como Santos e demônios (A guide to recognizing your saints, 2006) e Na natureza selvagem (Into the wild, 2007). Gautier também já havia trabalhado antes com Assayas, quando assumiu a fotografia de Clean (idem, 2003). A repetição da perceria permite que o entrosamento entre o diretor e o fotógrafo seja ainda mais produtiva, já que um está familiarizado com o estilo do outro. E a grande qualidade de Horas de verão é exatamente a fotografia criteriosa de Gautier, que confere naturalidade às interpretações dos atores, bem como transmite a sensação de que os espaços frequentados pelos personagens ao longo da história.
Em seus 103 minutos de duração, esse é um filme simples, sobre coisas banais e, ao mesmo tempo, fundamentais. Assayas analisa com certa despretensão o peso que as recordações têm na vida de cada um, e como é possível edulcorar acontecimentos unicamente com o dispositivo da memória. A câmera atenta do diretor percorre ambientes com um olhar perscrutador, como quem procura com afinco vestígios de tempos transcorridos, na esperança de notar aquilo que foi um dia e que, pelo passar dos anos, deixou de ser. Aliada a essa notória disposição para flagrar traços, o realizador conta com um elenco bastante coeso, que colabora para retratar uma relação de irmandade bastante próxima do real. Adrienne, Frédéric e Jérémie são perfeitamente palpáveis, passíveis de serem conhecidos em um mundo verdadeiro. A atriz mais uma vez entrega um desempenho espetacular, uma característica de seu trabalho no cinema. Na pele de Adrienne, sua atuação é minimalista, centrada nas nuances de personalidade da artista plástica que não abre mão de seguir levando sua vida hedonista. Binoche transita muito bem entre o francês e o inglês, o que só reforça sua habilidade em se superar e criar tipos bem distintos entre si. Recentemente, Gérard Dépardieu comentou que não sabe o que as pessoas veem nela para considerarem-na uma ótima atriz. Talvez tenha sido certa dor de cotovelo do ator, que não tem tido a sorte de obter bons papéis no cinema ultimamente. É fato que Dépardieu não sabia o que estava dizendo sobre a atriz.
Jérémie Rénier é outro que se sai muito bem vivendo um personagem que é seu homônimo. O ator é seguro em sua interpretação, e atrai a atenção do público como um jovem adulto para quem toda a parafernália conservada pela mãe ao longo de décadas não tem grande relevância. A ele interessa muito mais seguir galgando degraus em sua carreira como empresário que viver preocupado com a manutenção de peças de arte. Como o mais novo dos irmãos, ele é a evidência mais clara do conflito de gerações que se instaura na família. Renier tem uma carreira com ótimos títulos, e já trabalhou com nomes importantes do cinema francês. Por três vezes, atuou em um filme de Jean-Pierre e Luc Dardenne: A promessa (La promesse, 1996), A criança (L’enfant, 2005) e O silêncio de Lorna (Le silence de Lorna, 2008), além de ter estado em Amantes criminais (Les amants criminels, 1999), de François Ozon e de ter trabalhado com Joachim Lafosse em Propriedade privada (Nue proprieté, 2006).
Em nome de uma observação cautelosa do universo particular de uma família, Assayas acaba por estender suas impressões para um macrocosmos, já que a situação vivida por aqueles membros se estende para a França em geral, funcionando como metáfora para o flagrante cuidado que a sociedade francesa tem com relação ao antigo. O país, como berço de uma série de manifestações artísticas que é, faz frente a um desapego às representações concretas da memória. Como foram morar em outros países, Adrienne e Jérémie se “desnacionalizaram”, e perderam o gosto por salvaguardar o que há de mais precioso na obra do tio-bisavô. Em seus minutos finais, Horas de verão oferece uma bela visão panorâmica da casa onde a família passou vários finais de semana, depois de ser mostrada uma sequência em um museu que evoca Arca russa (Russkiy Kovcheg, 2002), e clarifica ainda mais qual é a sua vocação: apresentar a passagem do tempo comprovada em objetos, pessoas e lugares. O tempo que não retrocede, só avança. O tempo sorrateiro.
7 de dez. de 2010
O baú de mil aventuras de “Ponyo – Uma amizade que veio do mar”
O realizador japonês Hayao Miyazaki tem um apreço bastante notável pelo público infantil. Isso se nota pela sua constante dedicação em fazer obras voltadas para as crianças, que compõem uma filmografia numerosa, da qual constam títulos como O castelo de Cagliostro (Rupan sansei: Kariosutoro no shiro, 1979), Meu amigo Totoro (Tonari no Totoro, 1988) e A viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no kamikakushi, 2001), sendo este último o mais conhecido das plateias ocidentais, que chegou a levar o Oscar de melhor animação em 2002. Um aspecto que aproxima as suas obras, e lhes dá continuidade, é a resistência do diretor em empregar a animação de filmes como os da Disney. Ele prefere desenhar cada cena à mão, o que resulta em filmes altamente deslumbrantes, em que o visual conta tanto quanto a narrativa apresentada.
Em Ponyo – Uma amizade que veio do mar (Gake no ue no Ponyo, 2008), seu filme mais recente, essas peculiaridades logo ficam evidentes. O desenho nos conta a história de Sosuke, um garotinho de 5 anos que mora muito próximo de um penhasco, na companhia de sua mãe, a quem ora chama pelo nome, ora chama pelo grau de parentesco, deixando uma certa dúvida inicial sobre qual seja a relação entre eles. Sosuke também tem um pai, que quase nunca está presente por sua condição de marinheiro. De vez em quando, ele passa pelo mar próximo à casa da família, e deixa o filho eufórico com a possilidade de comunicação com ele. Sosuke é uam criança normal, nem mais nem menos inteligente do que outras da sua idade, o que torna o pequeno protagonista do filme um personagem totalmente plausível, diferente dos meninos prodígios retratados em animações estadunidenses, que parecem capazes até de resolver cálculos estequiométricos.
A vida do menino ganha contornos de aventura pela primeira vez quando ele encontra um peixinho dourado na praia perto de sua casa. Ele gosta tanto do animalzinho que decide levá-lo para casa, dentro de um balde com o qual estava brincando por ali. Sua mãe não vê problema algum na atitude do filho, e a afeição de Sosuke pelo peixinho só faz crescer. O garoto acaba descobrindo que aquela simpática fêmea de peixe dourado gosta muito de presunto, e passa a alimentá-la com o embutido. Passa também a chamá-la de Ponyo, e está formada a grande amizade entre os personagens, que confere um tom de fábula muito agradável à história.
Porém, o que Sosuke não sabe é que Ponyo é filha de um feiticeiro que vive nas profundezas das águas, e que não suporta a ideia de que ela tenha contato com seres humanos, a quem considera vis e ardilosos. Inicialmente, o personagem aparece retratado como um vilão, mas, no fundo, ele é a representação de pais excessiavemente zelosos e austeros, que sufocam seus filhos com as tentativas de obliteração de suas escolhas e de desenvolvimento de suas naturezas. É exatamente essa característica que se acentua na personalidade do pai de Ponyo. A amizade dela com Sosuke faz nascer no peixinho um desejo de se tornar humana também, e, graças aos poderes mágicos que possui, ela faz nascer braços e pernas em seu corpo, e acaba conseguindo o que quer : ser uma menina.
O interessante no filme é que sua história é contada através de uma abordagem muito inocente, isenta da malícia subscrita que permeia boa parte dos filmes infantis hollywoodianos. Claro que esse aspecto não é um defeito que fere de morte as boas intenções dos estúdios dos EUA : é ótimo acompanhar tramas que favorecem a agilidade dos diálogos e que contêm um punhado de referências ao universo adulto. Mas também é prazeroso assistir a uma trama que se despoja de todos os artefatos da sagacidade em favor de uma pureza que aparenta estar circunscrita a tempos perdidos.
E Ponyo – Uma amizade que veio do mar faz exatamente isso. Não há como não acreditar na ingenuidade dos protagonistas, que conquistam a plateia infantil, mas que também podem agradar os adultos.Um outro aspecto que salta aos olhos no filme é a qualidade das imagens. Elas são resultado do trabalho quase artesanal de Miyazaki, que pintou as telas uma a uma para depois transformá-las em imagens em movimento. Com isso, as cenas são um verdadeiro primor para os olhos mais sensíveis, e dá vontade de ter em mãos cada fotograma que aparece. Voltando à narrativa, há outros elementos que chamam a atenção em seu desenrolar. Depois que Ponyo se transforma em uma menina, estranhos fatos começam a suceder. No caminho de volta para casa depois de mais um dia de estudos para Sosuke e de trabalho para sua mãe, que é funcionária de um asilo, eles enfrentam uma forte tempestade. Na verdade, aquele fenômeno meteorológico é fruto de um desequilíbrio ecológico causado pela mudança da natureza de Ponyo. Seu pai tenta reverter a situação de todo jeito, e até consegue, por um tempo, que a menina volte a ser peixe. Mas a rebeldia de Ponyo fala muito mais alto, e ela consegue tornar a ser menina para poder brincar com seu amigo.
No geral, Ponyo – Uma amizade que veio do mar é um desenho animado feito para um público que aprecia história simples, e que falam ao coração justamente por sua simplicidade. Miyazaki abre mão de uma trama mirabolante, preferindo se concentrar na composição dramática dos personagens de forma consistente. Isso faz que a “interpretação” dos “atores” seja o mais real possível, tornando o filme um exemplar naturalista entre as animações, por assim dizer. O cineasta oferece, com seu filme, uma prova do quanto é um herói da resistência no tocante a toda forma de estroboscopia.
2 de dez. de 2010
"Luz silenciosa", uma história de autonegação com delicados contornos
Em Luz silenciosa (Stellet licht, 2007), as lentes de Reygadas estão sobre Johan (Cornelio Wall), um homem simples que habita uma comunidade de imigrantes europeus em pleno México, nos dias atuais. Ele é um menonita, ou seja, um membro de uma religião que preconiza a rejeição total ao
progresso. Tudo aquilo que representa avanço tecnológico é repelido pelos menonitas, que cultivam uma vida que parece estar inserida em uma épca distante. E é exatamente essa a primeira impressão que se tem ao conhecer o lugar onde o protagonista vive : um ambiente bucólico, onde a paz parece inabalável, e em que cada habitante mantém seu semblante resignado em tudo que faz. Mas a comunidade de Johan já se mostra mais flexível, aceitando o uso do telefone e até do carro. A língua falada pelos moradores da região também é um diferencial : eles se comunicam em um dialeto alemão, que é quase ininteligível para quem não tem qualquer conhecimento do idioma
standard. Naquele cenário em que a vida parece demorar muito mais para passar, os conflitos internos de Johan serão o motor da narrativa, na qual a passagem do tempo, em sua liquidez, transformará o cotidiano dos personagens.
A qualidade da fotografia de Luz silenciosa merece um parágrafo parentético. Com um visual arrebatador, o filme começa com a contemplação de um amanhecer praticamente em tempo real. Reygadas posicionou a câmera para um campo aberto, com algumas poucas árvores, mais especificamente para o seu horizonte, e flagrou os efeitos deslumbrantes da luz do céu sobre a paisagem da terra. Apenas com o uso desse recurso, o realizador já encaminha seu público para a percepção de que este é um filme bastante sinestésico, que exige que seja sentido, e não apenas observado. Esse mesmo mecanismo é empregado no final do filme, só que de modo inverso : é o anoitecer, lento e lacerador, que é focalizado pacientemente dessa vez. Entre o surgir e o desaparecer da luz, entretanto, vários pequenos acontecimentos vão se dando diante dos olhos do espectador, e todos eles são atravessados pela luz impactante da fotografia, cuja referência está inclusive nos títulos original e em português do longa-metragem.
Nada de surpreendente acontece na vida de Johan, a não ser a paixão que ele passa a sentir e nutrir por uma mulher de sua comunidade, mesmo sendo casado. Esse sentimento, que se aloja em seu peito inevitavelmente, como parece demonstrar a construção do personagem, trará consequências dramáticas para a sua vida. Como menonita, o desenvolvimento de uma paixão por uma mulher que não seja a sua esposa deixa-o profundamente perturbado, levando-o a tentativas inúteis de execrar qualquer manifestação dessa vontade de sua carne. Aqui, cabe destacar que o interesse de Carlos Reygadas pela questão religiosa volta a ser demonstrado, pelo que ele aborda o aspecto pela segunda vez – já havia feito isso em Batalha no céu, exibido no Festival do Rio de 2005. O impedimento moral e religioso vão refrear o tempo todo o desejo de Johan. Ou quase o tempo todo, já que, em dado momento da trama, toda a volúpia concentrada nele vem à tona. Uma volúpia um tanto contida, todavia, já que a cena de sexo entre o personagem e sua amante é filmada com comedimento e se tranforma em uma sequência quase asséptica, por assim dizer.
Um dado curioso a respeito do filme é que seu ator principal, Cornelio Wall, é um menonita de verdade. Isso decerto ajuda na construção de seu personagem, e dilui, em alguma instância, a fronteira entre realidade e filmagem, tornando-as quase limítrofes. Depois de rodar o filme como Johan, Wall declarou que é estranho se ver retratado em um filme, uma afirmativa que corrobora a defesa do cinema como uma excelente fonte especular, em que a identificação pode ser narcísica ou de baixa autoestima. Como protagonista, o personagem é um homem reservado, que abre mão de muitas palavras para dialogar com as pessoas ao seu redor, preferindo conversas ligeiras e muito resignadas.
A maneira com que Reygadas encaminha sua narrativa de Luz silenciosa torna o filme um parente próximo de uma obra produzida no hemisfério oriental : Amor à flor da pele (2000). Em ambos os filmes é notável o apreço dos realizadores por flagrar a passagem do tempo, demonstrada com um enredo que se prende mais no correr das horas e dos dias do que propriamente nas angústias existenciais do personagem. Os filmes se reclamam por conta de sua porção de retrato de amores sublimados, que sucumbem a impedimentos de ordem superior àquela a qual os amantes estão submetidos. É uma tarefa difícil essa que foi empreendida pelos diretores, pois o tempo, em sua natureza intangível, não se deixa capturar. O que surge na tela são seus efeitos, que podem ser benéficos ou devastadores.
O sofrimento que permeia a caminhada de Johan já está presente desde o início do filme. Em uma das primeiras cenas, que mostra a refeição da família do protagonista, observa-se a agonia discreta do personagem, da qual sua esposa tem pleno conhecimento, levando-a a oferecer toda a sua solidariedade ao marido, que não sabe o que fazer para lidar melhor com aquele sentimento. Depois que as crianças se vão, para mais um dia de estudos, ele desata a chorar copiosamente. Johan contou à esposa o que estava se passando em seu coração desde que a paixão começou a tomar forma, e a sua maior busca é por mantar a racionalidade diante desse sentimento, o que logo se mostra complicado para o personagem.
Reygadas não se esforça para contagiar o seu público com aquele drama, mas o seu caráter universal é a grande contribuição para que ele sirva como um reflexo para a plateia. Não é tão difícil imaginar como se sente uma pessoa que se sente dividida entre a vida de casado, com todos os ônus e bônus que ela traz, e a paixão persistente por uma outra mulher, à qual o protagonista parece estar fadado. Toda a história desse sofrimento contido é narrada em um ritmo lento, como já foi dito, mas nunca claudicante. A trajetória de Johan é permeada por alguns momentos marcadamente carregados de simbolismos, como a cena do banho com os filhos, em que seu pudor em manter a verdade oculta para eles se concretiza no cuidado com que ele lava as costas da filha. Aquele zelo pode ser lido como uma preocupação em manter as crianças “limpas” da verdade “suja” que ele carrega, e a cena ocupa um bom tempo na tela. Quando Luz silenciosa chega ao seu final, com o já comentado anoitecer flagrado quase em sua completude, o sentimento que mais define o estado do espectador é um só: desalento.
30 de nov. de 2010
Detalhes secretos da natureza humana perscrutados em “Edifício Master”
Coutinho passou sete dias colhendo depoimentos de moradores do conjunto de apartamentos de Copacabana, situado a poucas quadras da praia, onde vive gente simples e com histórias fascinantes para contar. Como ele mesmo disse em uma entrevista, Coutinho é um grande fofoqueiro, que está interessado em desarmar seus interlocutores, e ter seus olhos e ouvidos atentos ao que cada um tem a dizer. Esse exercício de curiosidade é praticado exaustivamente em Edifício Master, que perscruta aquilo que há de mais humano nas colocações feitas pelos habitantes daquele prédio.
O cineasta é um espectador paciente, e esse traço de sua personalidade se reflete diretamente em sua maneira de filmar: tranquila, contemplativa, semiestática, mas nunca tediosa. Cada morador entrevistado, e que ficou na montagem final, procura se mostrar por inteiro, mesmo que se saiba que, diante de uma lente de filmagem, defeitos mais desagradáveis
podem ser encobertos. Depois de horas a fio de filmagem, o resultado das entrevistas de Coutinho é um interessante amálgama de episódios notáveis das vidas particulares dos cariocas de nascimento ou por adoção, que geram no espectador a empatia quase imediata. De uma forma ou de outra, os homens e mulheres que abrem suas moradas também abrem suas almas, e desnudam seus interiores de modo bastante naturalista. O mérito vai para Coutinho, que sabe o limite entre o simples entrevistador e o interlocutor que apenas observa, atento, as falas de seus entrevistados. Por isso, em pouco minutos de conversa, os “personagens” do filme se sentem à vontade para se mostrar por inteiro.
O edifício Master é um prédio residencial composto de 12 andares, com 23 apartamentos por andar, totalizando 276 apartamentos onde moram 500 pessoas. Ali, diferentemente do que muitos podem pensar, não existe aquele grande glamour que envolve os habitantes da Zona Sul carioca. Reunidos em pouco mais de duas horas de imagens, eles são essencialmente humildes, gente ordinária, no sentido primeiro da palavra, que é comum. As pequenas vivências de seus cotidianos, entretanto, rendem histórias extraordinárias, e os tornam claramente heróis e heroínas de suas vidas. No total, Coutinho entrevistou 37 moradores, que expressam a revitalização do interesse do diretor pelo discurso alheio, espargida em uma série de confissões, que não são, necessariamente, a inteireza dos caracteres daqueles que falam.
Para quem é pouco afeito aos documentários, confundindo-os como videoaulas, Edifício Master é uma ótima chance de adentrar esse universo particular de filmes que se propõem a estar mais vinculados ao real que as ditas produções ficcionais. É claro que, como já foi comentado, o documentário não é a realidade em estado puro. Cada fotograma apresentado no filme é uma construção, e não uma chegada a uma verdade objetiva, o que clarifica para o público que um dos aspectos importantes que serve de diretriz para a obra de Coutinho é esse: ele não está interessado em capturar a realidade tal como ela é formada. Até porque, no fundo, é praticamente impossível ter acesso total à realidade, já que somos o tempo todo filtrados pelos nossos sentidos no contato com o real.
Como as inúmeras portas e janelas de que o edifício é formado, o cineasta também atenta para a multiplicidade de discursos que aparece em seu filme, tornando a polifonia de vozes e depoimentos totalmente metaforizada. Coutinho aprecia a mescla de cores e formas infinitas, que acentuam a enorme discrepância – que é saudável, diga-se de passagem – que marca a raça humana. E os discursos que se vão sucedendo transparecem essa disparidade de olhares, como no caso de uma garota de programa que expõe sua rotina, sendo precedente à entrevista de uma espanhola extremamente pudica.
A verve iconoclasta, por assim dizer, do realizador, mostra-se afiada, portanto. Como em obras posteriores, entre as quais estão O fim e o princípio (2005)e Jogo de cena (2007), não há qualquer julgamento moral sobre o que está sendo retratado na tela. Coutinho se limita a ouvir, e quase não faz perguntas, conduzindo muito levemente os depoimentos de seus entrevistados.
O documentário tem um tratamento da imagem bastante delicado e suave, que colabora para criar (sim, criar!), uma atmosfera de intimidade com aquelas pessoas que estão falando de suas vidas. Por mais que não vivam reviravoltas mirabolantes em suas trajetórias, elas têm sempre muito a declarar. Em Edifício Master, o interesse maior de Coutinho é pelo prosaico, pela maneira com que cada entrevistado conduz sua vida. Os relatos não passaram por nenhum tratatamento, além da edição que recorta alguns trechos que tornariam os depoimentos longos demais. Mais do que tudo, é um filme em que a palavra triunfa, como uma espécie de tentativa de conhecimento do outro a partir daquilo que dizem. Nas entrelinhas das entrevistas, cabe uma multiplicidade de discursos, que abarcam as mais diferentes esferas da vida humana, e são um polo gerador de identificação.
29 de nov. de 2010
Discussões sobre o juízo particular de cada coisa ou “Polícia, adjetivo”
Possivelmente, essa safra de filmes romenos ainda oferecerá outros exemplares, mas esses são os que tiveram uma chance nas salas de exibição, por enquanto. Especificamente, essa crítica é sobre Polícia, adjetivo, a mais recente produção de Corneliu Porumboiu, que também é o diretor de A leste de Bucareste. Em seu filme mais recente, o propósito claro da trama é desvendar qual seja a grande função de um homem da lei, que é encarnado pelo competente Dragos Bucur, cujo personagem atende pelo nome de Cristi. Como policial que é, ele tem de lidar cotidianamente com casos que desafiam a noção de justiça, e que o levam a ponderar qual a verdadeira fronteira entre um ato criminoso e um simples desvio de menor relevância.
No começo do filme, o espectador é apresentado à rotina pacata de Cristi, que vive uma vida sem grandes emoções, apenas saindo de casa para trabalhar e voltando do trabalho para casa. Seu dia sem grandes emoções, diferentemente do que um espectador mais imediatista pode supor, não vai sofrer nenhuma grande reviravolta. Fica logo patente aos olhos de quem assiste ao filme que Porumboiu abdica de qualquer traço de ação para a sua abordagem de um tema que exige concentração do público. O protagonista terá apenas uma função na qual se ocupar, que lhe é designada por seu superior: ele deve ficar à espreita de um jovem que é suspeito de traficar haxixe para seus amigos de escola. Uma vez tendo recebido essa missão, Cristi terá de ser somente olhos e ouvidos para o rapaz.
Não demora para que ele descubra que o garoto, na verdade, é apenas usuário da droga, o que o leva a acreditar que não haja necessidade de denunciá-lo. Em sua concepção, ser usuário não é algo grave, e ele acredita que, com a entrada da Romênia na União Europeia, as leis do país serão modificadas, para estar em consonância com a dos outros países-membros. Com isso, não quer fazer o que seu trabalho preconiza, que é prender o rapaz. É essa a grande discussão do filme, e que vai permear, de uma maneira ou de outra, todas as sequências que serão apresentadas dali em diante.
A câmera de Porumboiu, com seus longos planos estáticos, é um grande exercício de contemplação proposto ao espectador, que, aqui, tem a sua condição de quem apenas assiste potencializada ao máximo. O filme também é bastante econômico no que concerne aos diálogos, a começar pelo seu protagonista, que poucas vezes abre a boca para exteriorizar suas opiniões e valores às outras pessoas. Por isso, o filme não deixa de ser também uma obra intimista, que não está preocupada em transmitir ao público uma verdade absoluta sobre determinado assunto. O roteiro de Polícia, adjetivo é simples e eficiente em sua abordagem algo despojada do tema. Acima de tudo, é um filme sobre o juízo de valor particular das pessoas sobre as palavras, que expressam conceitos e veiculam perspectivas.
A grande sacada do diretor é levar para a tela de cinema uma discussão que qualquer um de nós pode se permitir fazer, e que permeou a obra de outros diretores : as palavras verdadeiramente correspondem às coisas? Será que tudo o que dizemos é a verbalização real do que pensamos e sentimos? Mais do que isso, o longa trata da possibilidade de uma mesma palavra significar uma coisa para uma pessoa, e ter um significado diferente para outra, o que comprova as incongruências que permeiam as relações humanas desde há muito, quiçá desde que o homem começou a fazer uso da palavra. Porumboiu segue um caminho distinto de outros realizadores, que se baseiam mormente na palavra, e trilha um caminho de observância. Somos guiados na narrativa pelo olhar de Cristi, que, certas vezes, mostra-se entediado com a vigilância que precisa exercer sobre o jovem de quem a Polícia suspeita, bem como sobre aqueles que rodeiam o rapaz. Essa escolha do diretor exige que o espectador se concentre o tempo todo naquilo que os olhos do protagonista filtram, um aspecto que aproxima o filme de um contemporâneo brasileiro, o belo Viajo porque preciso, volto porque te amo, com a diferença de que o personagem principal do filme de Marcelo Gomes e Karim Ainoüz fala sem parar, como forma de expurgar a solidão em que se encontra. Polícia, adjetivo, é um filme de questionamentos, em que a questão moral é trabalhada com minúcia, o que inclui uma consulta ao dicionário para verificar qual é o seu significado. Quando demonstra ao seu superior que não vai levar o caso do rapaz à frente, pelo fato de não achar necessário punir um usuário, Cristi aciona instâncias de reflexão sobre o papel de um policial, e instaura uma procura pelo que realmente uma palavra como "moral" ou "policial" quer dizer.
A conjugação desses fatores serviu de motivação para que o filme fosse premiado em Cannes, onde recebeu o prêmio do júri dentro da mostra Un certain regard (Um certo olhar), que privilegia longas-metragens de ficção que tenham uma visão contributiva sobre um determinado assunto, e que comumente são de fora do território francês.
O título do filme pode causar estranhamento em quem o descobre na prateleira de uma locadora ou entres os filmes disponíveis para download de um site qualquer, pois dá a uma palavra tradicionalmente classificada como substantivo a classificação de adjetivo. Conforme as gramáticas normativas apregoam, o adjetivo serve para modificar um substantivo, vindo, normalmente, posposto a ele. Aqui, o diretor romeno parece levar essa definição para um outro ângulo, mostrando que uma mesma palavra pode ser classificada de maneiras diferentes, a depender do contexto em que estiver inserida. Além disso, o filme não tem uma trama policialesca prototípica, em que tiros e perseguições contribuem para o desenvolvimento de uma ação desenfreada. Pelo contrário. Quase nada acontece durante toda a projeção. Por isso é importante assistir ao filme sem a pressa de que ele termine, pois o mais importante em Polícia, adjetivo não é a conclusão de uma teoria, apenas a abertura de uma discussão que pode ser aprofundada em diversas medidas.
De forma resumida, o filme é um tratado simples e conciso sobre os dilemas morais e éticos de um "homem da lei" diante das circunstâncias de seu próprio trabalho, e as ressonâncias que a sua atitude (ou a falta dela) podem gerar naquele que é o alvo de sua investigação. A narrativa do filme se encaminha para um final inconcluso, e deixa no ar todas as questões que levanta. Essencialmente um painel de contemplação, o filme funciona como alavanca para o debate de um assunto que sobrevive de nossas memórias para além de seus 115 minutos de duraão. E a encenação límpida dos conflitos internos de uma pessoa comum responde pelo tônus dramático do longa : são o trunfo mais inquietante que Porumboiu poderia apresentar.
23 de nov. de 2010
“O sonho de Cassandra” e os desdobramentos de uma jogada irreversível
O sonho de Cassandra, objeto de análise dessa crítica, lança mão de um argumento pesado para ser debatido sob o verniz dramático: a culpa diante de uma atitude que não pode ser revertida. Nesse filme, o mal, uma vez cometido, jamais pode voltar ao bem que fora antes. Como protagonistas, foram escalados Ewan McGregor e Colin Farrell, que personificam, respectivamente, Ian e Terry, dois irmãos de comportamentos e perspectivas opostas que, apesar disso, são amigos e cúmplices incondicionais. Cada um deles vive um problema que está lhe tirando o sono. Ian é um espécime de aspirante a milionário que vive da ostentação daquilo que não tem de verdade. Terry é viciado em jogo, o que o faz desperdiçar seus rendimentos do trabalho em horas de diversão arriscada.
A conjuntura em que os irmãos se encontrem é decisiva para que uma atitude drástica seja tomada por eles. Por conta das dificuldades financeiras, eles recebem uma oferta tão interessante quanto temível de seu tio Howard (Tom Wilkinson): assassinar um desafeto seu que está decidido a denunciar as suas falcatruas. Em troca do crime, terão uma grande quantia de dinheiro, que solucionará as suas pendências monetárias. À proposta do tio, surgem reações distintas nos dois irmãos: enquanto Ian compra a ideia quase automaticamente, interessado no que vai receber se cumprir a “tarefa” que lhe está sendo confiada, Terry fica extremamente receoso, preferindo pensar mil vezes antes de dizer “sim” a Howard. Para convencer os sobrinhos, Howard lança mão de um argumento que, para ele, é inquestionável: os laços de sangue que os unem. O tio sempre os ajudou financeiramente, e agora é a hora de retribuir realizando uma “missão especial”.
Não por acaso, o slogan com o qual o filme foi vendido quando esteve em cartaz nos cinemas diz “Família é família, sangue é sangue”. Aliás, O sonho de Cassandra foi apresentado aos espectadores com um daqueles longas-metragens de ação prototípicos, com tiros e mortes a cada minuto. É um erro grosseiros que pode vitimar os mais incautos. Allen não está preocupado em revelar uma faceta sanguinolenta com o filme. Por mais que, dessa vez, sua câmera espie as neuroses humanas sob uma perspectiva mais densa, seus conflitos tradicionalmente abordados continuam ali, ainda que em estado de latência. Diante da oferta do tio, o dilema dos irmãos passa a ser mais importante do que a concretização do crime em questão. Por isso, quem assiste ao filme com a expectativa de testemunhar uma morte daquelas bem aterrorizantes certamente ficará desapontado.
Um dado importante do filme, além dos que já foram comentados, é a sua fotografia deslumbrante da cidade de Londres. O céu nublado típico daquele lugar é sublinhado por uma ambientação intimista, criando um clima opressor adequado à narrativa. Nesse sentido, o filme se assemelha a outra produção alleniana: Crimes e pecados (Crimes and misdemeanors, 1989). Como no filme da década de 80, o cenário em que transitam os personagens é lúgubre e, ao mesmo tempo, instigante. O responsável pelo tratamento precioso da imagem é Vilmos Zsigmond, diretor de fotografia húngaro que já havia trabalhado pouco tempo antes com Allen, em Melinda e Melinda (Melinda and Melinda, 2004), e é um veterano naquilo que faz. É possível citar uma série de longas nos quais ele assinou seu nome, e entre eles estão Amargo pesadelo (Deliverance, 1972), Louca escapada (The Sugarland express, 1974), O franco atirador (The deer hunter, 1978), A fogueira das vaidades (The bonfire of the vanities, 1990), Corações apaixonados (Playing by heart, 1998) e Menina dos olhos (Jersey girl, 2004). Esses são exemplares de uma carreira longa e profícua que, por mais díspares que sejam, têm em comum o seu nome nos créditos.
Allen também acertou na escalação de elenco mais uma vez. Como de hábito, em O sonho de Cassandra seus intérpretes oferecem desempenhos memoráveis, dignos de nota. Allen demonstra novamente uma direção de atores irrepreensível, extraindo performances hipnóticos de McGregor e Farrell. Os dois, aliás, são nomes um tanto improváveis para constar do elenco de um filme do diretor, mas conseguem penetrar no universo do novaiorquino septuagenário com brilhantismo. O roteiro bem escrito assinala o tempo todo as diferenças de personalidade entre os irmãos. Ambos se complementam por aquilo que têm de distinto do outro. Enquanto Ian é altivo em seu desejo de riqueza e poder, Terry é um tanto canhestro nas suas escolhas, refletindo o medo e o desespero ao tentar lidar com os rumos que sua vida vai tomando. Há muito tempo Colin Farrell não aparecia tão espetacular em um papel, funcionando como o contraponto perfeito para seu companheiro de cena.
Aos mais arredios a descobrir qualquer coisa a respeito de um filme antes de assistir a ele, uma recomendação: NÃO LEIAM ESSE PARÁGRAFO! O tal assassinato do qual Ian e Terry são encarregados, de fato acontece. Mas de uma forma bastante desengonçada, como cabe a um filme de Allen. Quando os irmãos finalmente conseguem a ocasião perfeita para cometer o crime, mal sabem como abordar a vítima, um colega de trabalho da empresa de Howard. Eles são reconhecidos pelo homem como sendo sobrinhos de quem são, e ficam extremamente desconcertados com a memória daquele que vão matar. É quando, sem mais nem menos, atiram. E a cena do assassinato acontece fora de quadro, decepcionando mais uma vez que decidiu ver o filme à espera de cenas de ação eletrizantes. Também aqui Allen frustra as expectativas desse tipo de plateia, deixando no ar apenas o som dos tiros disparados por Ian e Terry. Quando a consumação do ato criminoso dos irmãos ocorre, o que se vê na tela é somente um pequeno arbusto, encobrindo os personagens e as suas reações. Daí para a frente, seguem-se as tentativas deles de suplantar a consciência pesada pelo que fizeram.
A bem da verdade, as reações dos irmãos àquilo que fizeram são distintas, como suas personalidades. Enquanto Ian consegue levar a vida na mais absoluta serenidade, sem se importar com qualquer possibilidade de ser descoberto, Terry passa a conviver com um grave desconforto com sua nova condição, que o atormenta e lhe impede de prosseguir. O ato cometido é absolutamente devastador para sua consciência, e ele tenta convencer Ian de que serão pegos a qualquer momento. É a essa altura que fica claro que O sonho de Cassandra é, antes de tudo, um filme que trata da culpa. Como certa vez afirmou um crítico, o impedimento moral é uma das questões centrais da obra do diretor, exatamente como aparece retratado aqui. Nada surge com uma solução imediata, e a hesitação dos irmãos diante da oferta do tio comprova que, nem sempre, podemos fazer nossas escolhas fundamentados em um impulso. A lei da ação e reação, inicialmente um princípio regente dos fenômenos da física, alarga-se aqui para demonstrar que tudo que fazemos apresentará sua devida repercussão.
Quando foi lançado, o filme logo recebeu comentários que davam conta de compará-lo a Crimes e pecados e a Ponto final, no que tange ao assunto central da abordagem do diretor. De fato, O sonho de Cassandra guarda semelhanças com as obras supracitadas, o que levou alguns críticos a dizer que o filme é a terceira parte de uma “trilogia Crime e castigo”. Diferentemente dos outros dois, porém, o filme de 2007 apresenta, de fato, um castigo para o crime em questão. Ao decidir dirigir uma obra que versa sobre as ressonâncias de um ato definitivo, Allen poderia ter escolhido a opção redentora ou a punitiva, e acabou preferindo a segunda. Daí a subclassificação do filme como parte dessa “trilogia”. Outras semelhanças entre os três filmes podem ser apontadas, como a atmosfera de desalento que toma conta das rotinas dos personagens, e os envolve de tal forma que eles são compungidos a atos um tanto extremado, cada um deles à sua maneira. Judah (Martin Landau) cogita o assassinato de sua amante em Crimes e pecados, assim como o faz Chris (Jonathan Rhys-Meyers), em Ponto final, e Ian e Terry são igualmente levados a cometer um ato de consequências irreversíveis.
Como se pode perceber, O sonho de Cassandra é a revisita de temas que atravessam a obra de Woody Allen há tempos, como o existencialismo - sintetizado na concepção de que a vida é tudo o que temos, e é preciso viver com o que está por aí - , a relação conturbada do ser humano com a morte, que parece tirar o sentido de se construir qualquer coisa, as referências eruditas e o já comentado impedimento moral, que aparece em um ângulo intimista por aqui, diferentemente do que o diretor faria em seu filme seguinte, Vicky Cristina Barcelona (idem, 2008), em que a comicidade no tratamento do mesmo tema resultou em uma lufada de inovação em sua longa seara pelos caminhos da cinematografia. Um dado curioso a respeito do título é sua intertextualidade com o mito grego de Cassandra. Ela era uma figura condenada a ter sonhos premonitórios para os quais ninguém dava crédito algum. Pela segunda vez, Allen intitula um filme seu com o nome de uma personagem mitológica – o anterior havia sido Poderosa Afrodite (Mighty Aphrodite, 1995) – e, neste filme a expressão é o nome do barco em que os irmãos velejam em alguma sequências do filme, inclusive na final, que ajuda a compor o quadro de um desfecho antológico.
18 de nov. de 2010
A discussão e a desconstrução de um relacionamento para além das aparências em “A noite”
No caso específico de A noite, objeto de análise dessa crítica, o que se verifica, assim como no primeiro filme da série, é a ciência de que o silêncio pode ser extremamente perturbador, mas que a palavra também pode ferir, tal qual um instrumento pontiagudo arremessado em direção a um desafeto. Com a trilogia, de uma maneira geral, Antonioni espiona o descontentamento da alta sociedade italiana de sua época, gente frívola e desprovida de apego ao que verdadeiramente tem importância e não pode ser adquirido via intercâmbio pecuniário. Os protagonistas de A noite são Giovanni Pontano (Marcello Mastroianni) e Lidia (Jeanne Moreau), um casal que já vive junto há um certo tempo. Eles são ricos, interessantes e charmosos, mas parece que isso não lhes dá a completude de que têm necessidade.
A união de ambos já dura 10 anos, e a sensação de ausência de algo que eles não sabem exatamente o que é permeia seus diálogos e suas ações. Logo no início do filme, o público é apresentado a uma inebriante fotografia em preto e branco, fruto do trabalho exímio de Gianni di Venanzo, que o introduz em uma atmosfera soturna, mostrando que a história que virá em seguida não caminhará do modo mais simplório. Os silêncios são uma constante ao longo de toda a narrativa, e podem ser incômodos àqueles mais afeitos aos diálogos mesclados com muita ação. Quase não há ação no filme, e mesmo os diálogos contrariam aquele princípio básico do início do cinema, de que devem servir para impulsionar a narrativa. Por mais paradoxal que isso possa parecer, A noite é um filme em que a palavra e o silêncio têm o mesmo peso e brilham com a mesma intensidade. Giovanni e Lidia, tendo já vivido 10 anos juntos, têm muito o que questionar, e o fazem com certa debilidade.
Na verdade, o longa também é um eficiente estudo sobre como os seres humanos preferem o escapismo ao confronto com a verdade. O casal protagonista é um exemplo concreto disso, pois opta por empurrar a crise em que vivem para debaixo do tapete. Apesar de atravessados por uma profunda frustração, eles escolhem emitir sorrisos artificiais para o círculo social em que se encontram, mascarando seus interiores para que ninguém os veja como são de fato. No fundo, são como sepulcros caiados, que demonstram uma bela aparência, mas que guardam uma enorme e terrível lacuna consigo. Uma possível válvula de escape que surge em suas vidas é o convite para uma festa em uma mansão milanesa, onde estarão presentes vários amigos de longa data dos dois. É ali que eles exercerão com mais intensidade o mimetismo de suas angústias, tentativa que não é bem sucedida, pois, a todo momento se vêem acuados pelas verdades encobertas.
Em A noite, Antonioni prossegue com a sua proposta de filmes anteriores, que aparece inclusive em um de seus primeiros longas, Crimes da alma (Cronaca di un amore, 1950), e também em O grito (Il grido, 1957), em que aparecem personagens masculinos em busca de respostas para os questionamentos de suas almas cansadas. Aqui, o papel de homem desesperançado cabe a Mastroianni, que o defende com especial apreço. Giovanni é um belo homem, mas nada do que tem é suficiente para lhe dar a alegria que tanto deseja e não encontra. Ele sente, tanto quanto Lidia, que seu casamento já não é o mesmo do início, mas não sabe exatamente o que fazer para contornar a situação. Ao longo de toda a duração do filme, o espectador verá que essa é apenas uma das várias perguntas que vão sendo levantadas, sem que haja uma preocupação com as suas respectivas respostas. Antonioni não é um diretor de muitas concessões, e A noite é o tipo de filme que pode ser melhor absorvido se visto pela segunda vez, pois muito de sua intensidade pode passar despercebida aos olhos de espectadores menos habituados à linguagem (ou à falta dela) empregada pelo diretor italiano. Propositalmente, existe uma série de vácuos na narrativa, como espaços em branco a serem preenchidos pelo próprio espectador. Como em A aventura, a trama principal não é necessariamente o fio condutor da narrativa. No primeiro filme da trilogia, o mistério do desaparecimento de uma mulher é abandonado sem que seja solucionado. Aqui, a crise no casamento de Lidia e Giovanni também não obtém todas as respostas de que eles necessitam.
Um dos fatores que serve como catalisador para a desestruturação da “história de amor” dos protagonistas é a visita que eles fazem, logo no início da história, a um velho amigo de Giovanni, que está hospitalizado. A situação daquele homem inspira muitos cuidados, o que os leva a se verem diante de um cenário desalentador. Ao saírem dali, o casal é tomado por uma sensação de urgência de viver, e se questiona sobre como podem aproveitar mais de suas vidas, sendo que estão casados um com o outro. A pergunta inevitável – como estaria a minha vida se eu não tivesse me casado com ele(a)? – surge com toda a intensidade na mente de cada um. Outro fator desestabilizador da já frágil harmonia entre Lidia e Giovanni é o encontro deles com uma exuberante mulher na festa a que vão, vivida com talento por Monica Vitti, esposa de Antonioni na vida real. Com suas verdades perturbadoras, ela encanta e desestrutura Giovanni com a mesma facilidade.
A trama de A noite também é restrita no que concerne ao arco de tempo em que está compreendida. Os acontecimentos que modificam as vidas dos protagonistas sucedem entre uma tarde de sábado e a madrugada de um domingo, o que faz seu título possuir alguma coerência. Com isso, fica evidente que Antonioni se utiliza do tempo psicológico, que impede a narrativa de avançar temporalmente, mas que confere grande riqueza de detalhes, se se considerar o prisma da multiplicidade de acontecimentos. Como em um conto machadiano, do qual Missa do Galo pode ser um exemplo prototípico, o filme do realizador italiano perscruta através de pequenas gretas as incongruências de uma vida em comum em apenas poucas horas, como se fossem uma eternidade. Nesse sentido, há uma certa aproximação entre a obra literária e a obra cinematográfica apresentadas. Cada instante de A noite parece contribuir para assinalar a sensação de angústia pela impotência diante de um sentimento que se esvai sem que, conscientemente, algo possa ser feito para impedir.
O longa é contemporâneo de uma série de filmes proposta por Ingmar Bergman, que recebeu o título de Trilogia do Silêncio: Através de um espelho (Såsom i en spegel, 1961), Luz de inverno (Nattvardsgästerna, 1962) e O silêncio (Tystnaden, 1963). É bastante interessante perceber que, em países e culturas distintas, ainda que sob o signo do continente europeu, dois diretores tenham pensado em conceber obras tão similares no que diz respeito à captura dos vazios verbais da convivência entre seres humanos. Ambos os cineastas se propuseram a exumar as chagas da vontade que vão se tornando aterradoras para os homens, que tentam encontrar maneiras de expurgá-las ou sublimá-las sem que isso lhes deixe sequelas na alma. Essa convergência para o viés da observação contumaz é o que caracteriza a obra de ambos como a investigação do que há de mais suplantador da felicidade: a negação ou o incoformismo consigo mesmo.
“O talentoso Ripley” e as várias faces da mentira
Ripley é solicitado por esse homem para viajar até a costa italiana, com o intuito de convencer o filho do milionário a retornar para casa. Esse filho se chama Dickie Greenleaf (Jude Law), e é um grande farrista que gasta seu tempo e seu dinheiro naquilo que mais aprecia: as noites na esbórnia. Certo de que que essa pode ser a sua chance de entrar para alta sociedade pela porta da frente, Tom aceita o pedido, e embarca para o local onde está Dickie. Não demora para que ele consiga travar amizade com o bom vivant, tornando-se bastante próximo de seu convívio diário. Também é logo que Tom fica fascinado pela riqueza daquele homem, e não só pelo que Dickie tem, mas também pelo que ele é.
Ocorre que Tom desenvolve um sentimento um tanto tortuoso por Dickie, que fica sempre entre o implícito e o explícito, a depender da circunstância. A cada olhar de Tom para Dickie, isso fica mais notório. Mas Dickie demonstra não compartilhar da mesma admiração intensa que Tom nutre por ele, o que acabará enervando o rapaz.
Além disso, Dickie está noivo de Marge (Gwyneth Paltrow), uma mulher meiga, mas que nem por isso deixa de ser perceptiva. É ela quem começa a desconfiar de que Tom não seja exatamente uma boa companhia para Dick e, com isso, torna-se um grande desafeto do rapaz. Uma das justificativas para o fato de Marge ter essa opinião é a sua observação de que Tom parece querer mais do que simplesmente uma amizade com Dickie. Transformando-se em uma espécie de obstáculo para ele, Marge vai acabar vendo acontecer aquilo que mais teme.
O título do filme é explicável por uma característica notável de Tom: ele tem incrível habilidade para imitar vozes e assinaturas de pessoas, sem que, à primeira vista, perceba-se que se trata de uma imitação. Nas vezes em que está com raiva de Marge, ele consegue reproduzir sua voz com perfeição, extravasando o sentimento. Inicialmente, a trama dirigida por Anthony Minghella (O paciente inglês) se constitui um eficiente drama psicológico, o que vai mudando com o avançar da narrativa. Lá pela frente, quando o filme ultrapassa a sua primeira hora de duração, o rumo é outro, fazendo que a história ganhe contornos de uma trama policial. Isso ocorre quando Tom percebe que não será simples para ele prosseguir em sua ascensão social se tiver Dickie por perto. É melhor não revelar o que acontece daqui para a frente, pois estragaria o ápice da trama de Minghella. O diretor foi feliz em conduzir sua trama com o suspense que o enredo exige, e escalou um elenco muito interessante para o seu filme. A começar pelo ator principal, que dá nome ao longa: Matt Damon. Ele encarna com propriedade o papel de um rapaz um tanto aparvalhado, que consegue alcançar boa parte dos seus objetivos com uma dose de dissimulação. Damon vinha do sucesso recente de Gênio indomável (Good Will Hunting, 1997), ocorrido apenas dois anos antes. Aqui, ele exibe um físico dândi, completado pelos óculos de aros grossos que lhe conferem a aparência de um loser, conceito tipicamente estadunidense.
Seu companheiro de cena, Jude Law, também entrega um desempenho incrível na pele de Dickie, e é o extremo oposto de Tom. Ele constrói um homem alegre, charmoso e solar, dotado de uma personalidade ambígua, que confunde e encanta Tom de várias maneiras. Pelo seu papel, Law recebeu uma indicação ao Oscar de melhor ator coadjvante em 2000, quando concorreu com nomes como Tom Cruise (por Magnólia) e Michael Caine (por Regras da vida), para quem perdeu a estatueta dourada. Em várias cenas, o personagem parece demonstras estar cônscio da forte atração que exerce sobre Tom Ripley, aproveitando para brincar bastante com isso. Em uma sequência na qual eles estão jogando xadrez, e Dickie está numa banheira, Tom lhe diz que gostaria de entrar ali também, mas não necessariamente com ele dentro. Segue-se a esse comentário um sorriso provocador e malicioso de Dickie para Tom, e o ricaço se levanta da banheira completamente nu, atraindo o olhar de Tom. Nessa cena fica evidente o tipo de sentimento que Tom dedica ao amigo.
O talentoso Ripley (The talented Mr. Ripley, no original) é o resultado da primeira parceria entre Law e Minghella, que renderia dois outros filmes na carreira de ambos: Cold mountain (2003), pelo qual Law também foi indicado ao Oscar, dessa vez como melhor ator, o que comprova que junção de um com o outro é proveitosa, e Invasão de domicílio (Breaking and entering, 2006), em que contracena com Juliette Binoche, formando um dupla maravilhosamente entrosada. O filme acabou sendo pouco visto, e bastante subestimado, mas merece alguma atenção por seu roteiro bem escrito, o primeiro a cargo do próprio diretor.
Outra que cumpre com louvor a missão de dar conta do papel que lhe foi confiado é Gwyneth Paltrow. A atriz geralmente é encarada com preconceito por boa parte dos críticos, mas é uma profissional gabaritada no que faz, e sabe utilizar muito bem sua aparência cândida em favor da caracterização de sua Marge. Ela é a pedra no sapato de Tom, que tenta ganhá-la com sua conversa, mas não o consegue. Perto da meia hora final da história, sua personagem ganha mais força, erguendo-se como uma inimiga feroz de Ripley, a quem oferece grande resistência.
No geral, O talentoso Ripley se mostra como um filme empolgante sobre os (des)caminhos da ambição trilhados por um protagonista que vai abandonando seus escrúpulos paulatinamente em prol de um reconhecimento perante a sociedade e uma sensação de pertencimento a ela. Inicialmente designado para trazer Dickie de volta para casa, ele acaba abrindo mão de convencer o novo amigo, que mantém uma relação tumultuada com o pai desde há muito tempo. Mas o que começou de forma errada termina de forma errada, como se verifica mais adiante. O filme é a segunda adaptação do romance de Patricia Highsmith para o cinema, tendo a sido a primeira O sol por testemunha (Plein soleil, 1960), uma coprodução franco-italiana dirigida por René Clément. A diferença está no nome do bom vivant, que aqui se chama Phillipe. O protagonista que troca de identidade, por sua vez, é interpretado pelo lendário Alain Delon. A autora tem uma obra conhecida principalmente pelo engendramento de tramas policialescas, com certas pitadas de humor negro e, por vezes, macabras, como é o caso de suas histórias curtas. Alfred Hitchcock também já adaptou uma obra sua, Strangers on a train, que, no Brasil, ganhou o título de Pacto sinistro (1951), e que se tornoum uma de suas produções mais famosas.
Voltando ao filme, é um prazer acompanhar os desdobramentos de uma história construída com base em aspectos verossímeis da natureza humana, expostos de maneira clara e, por vezes, isenta de edulcorantes. Ripley é a própria representação do caráter multifacetado do homem, e isso é, ao mesmo tempo, fascinante e repudiável. Ao ter sua trajetórias delineada pelas lentes de Minghella, esse misto de sensações acaba atravessando o espectador, que pode se ver inconscientemente ou não torcendo para o personagem. Com o fim das mais de duas horas de projeção, uma das conclusões a que se pode chegar é a de que, independentemente da situação em que se encontra, o ser humano não perde jamais o desejo de lograr vantagem com o que está à sua volta, sempre no intuito de, adejando mordazmente, alçar voos mais altos.
7 de nov. de 2010
Flagrantes de uma intimidade a dois com doses de hiperrealismo em “9 canções”
A cada novo fotograma, o espectador vê Matt (Kieran O’Brien) e Lisa (Margot Stilley) prontos para se entregar ao prazer sexual sem qualquer reserva. No início do filme, que dura somente 70 minutos, somos brevemente apresentados ao protagonista, que assume a posição de narrador da história, revelando que os fatos contidos naquela narrativa se encontram no passado. Matt é um geólogo que começa a história sobrevoando a superfície da Antártida, para a realização de pesquisas com o solo da região. Em um breve momento de elocubração, ele é tomado pelas lembranças relativas a Lisa, sua ex-namorada. Começa, então, a falar para o público sobre aquilo que mais o marcou nesse relacionamento.
A partir desse momento, o diretor encaminha seu enredo simples para uma estrutura de alternância: entre uma e outra sequência de rememoração do romance que houve entre Matt e Lisa, é inserida uma cena de um show de uma banda importante do cenário musical londrino, principalmente. A ocasião em que eles se conheceram, a propósito, foi um concerto de rock, o que, de alguma maneira, explica as memórias de Matt sendo sempre entrecortadas por imagens de apresentações de grupos musicais. O cineasta acaba por construir um filme híbrido de cinema com videoclipe, por conta da mais notável característica dessa forma de comunicação: a estrutura fragmentária. Nada nos é apresentado em sua integridade, mas de forma despedaçada, como se a sua junção formasse, ao final, um quebra-cabeças que responde pela “verdade” das lembranças de Matt.
Pouco a pouco, somos transportados para as noites intensas que o casal viveu, sempre marcadas por muito sexo. O casal tem sua intimidade totalmente devassada pela câmera de Winterbottom, que faz corar os mais tímidos diante de tanto realismo nas cenas apresentadas. A maior parta das sequências não fica muito longe daquilo que se pode observar em filmes declaradamente pornográficos. O cineasta acaba “dialogando” com as produções desse gênero, deixando de lado a possibilidade de incluir 9 canções no rol dos filmes românticos. Não que não haja romantismo em 9 canções. Mas, aqui, o romantismo é diluído pelas fartas doses de luxúria que toma conta dos amantes. E as tais 9 canções do título são entoadas por nomes bastante heterogêneos, para agradar a gostos variados. Estão lá, em algum momento da narrativa: Bob Hardy, Alex Kapranos, Nick McCarthy, Michael Nyman, Huw Bunford, entre outros. A trilha sonora do longa é composta pelas músicas que esses artistas apresentam, e que funcionam como elemento de concatenação entre as várias fases que o relacionamento de Matt e Lisa percorreu. A certa altura do filme, descobrimos que o namoro entre eles terminou, tendo durado um ano apenas. Não ficam muito explícitas as razões que levaram ao fim da relação, mas é evidente que Matt ainda não foi capaz de esquecê-la.
Voltando à questão da crueza com que o sexo do casal é mostrado, Winterbottom não poupa detalhes, dando closes generosos nos corpos de seus personagens. Os intérpretes foram obrigados a deixar todo o pudor de lado, e se entregar a cenas que revelam detalhes íntimos de suas anatomias. Há, inclusive, cenas de nu frontal, tanto de Stilley quanto de O’Brien, que demonstram a profunda sintonia que lhes foi necessária para dar conta de expressar todo o furor sexual que dominava o namoro de seus personagens. No que diz respeito a essa maneira objetiva de capturar a nudez de atores, 9 canções possui um aparentamento com outros filmes. Principalmente com Na cama (2006), longa chileno dirigido por Matías Bize, e que também era caracterizado pela concentração da ação em dois personagens, mas cuja relação se construía e se destruía em uma única noite, e se mantinha circunscrita a um único espaço físico: um quarto de motel.
Mas o filme de Winterbottom se diferencia daquele por não investir tanto em diálogos. Em Na cama, a palavra reina absoluta, sendo o motor para que o casal possa exteriorizar seus sentimentos e anseios com mais adequação, o que não acontece em 9 canções. As vozes mais ouvidas são a dos cantores das bandas que se apresentam nos shows relembrados por Matt, aos quais ele foi acompanhado de Lisa. Outro filme, posterior como Na cama, que se assemelha a 9 canções no tocante à exposição de corpos desnudos, é Shortbus (2007), de John Cameron Mitchell, que apresenta uma série de homens e mulheres movidos pelo sexo, de uma maneira ou de outra. No cotejo entre 9 canções e Shortbus, o segundo sai vitorioso nesse aspecto. Mitchell investe muito mais na composição dramática de seus personagens, trazendo à tona vários conflitos internos que não são verbalizados a contento, e que, por isso, parecem ser mitigados pelo sexo, descompromissado ou não. Em 9 canções não há muito espaço para a fruição das angústias que perpassam as vidas de Lisa e Matt. Tudo o que sabemos sobre eles é o que Matt vai revelando, o que não é muita coisa.
Ainda assim, 9 canções é um filme que vale ser visto e debatido, pois a ideia de Winterbottom foi bastante corajosa. Desnudar, literalmente, os corpos de seus protagonistas como forma de lhes apresentar por inteiro, é uma premissa muito interessante. Seu porém, como já se comentou, é não se aprofundar nas razões que levaram ao fim do romance de seus personagens, o que poderia garantir alguns minutos a mais na duração do filme. Para quem não conhece, Michael Winterbottom dirigiu vários outros longas antes desse, entre os quais estão Desejo você (1995), Neste mundo (2002) e Código 46 (2004). Em comum, todos têm o elenco formado por rostos desconhecidos. Rachel Weisz é o único nome badalado entre eles, mas, ainda assim, à época de lançamento do filme, ainda era uma ilustre desconhecida. Seu cinema é marcado pelo experimentalismo, tal qual se verifica em 9 canções. Resumindo, o filme é para quem deseja mergulhar pelos interstícios de uma relação a dois sem o exercício de reflexão tradicional, o que não significar estar diante de um desfile de baboseiras prototípico de certos filmes sobre relacionamentos.
2 de nov. de 2010
“A garota ideal” e a eterna procura de alguém para amar
Esse caráter arredio de Lars é evidenciado logo no início do longa de Craig Gillespie, quando Karin e Gus apostam entre si para ver se ele irá ou não ao jantar organizado para os três em sua casa. Karin aposta que, dessa vez, depois de numerosos convites, o cunhado irá à reunião, mas Gus não acredita na realização dessa possibilidade. De fato, ele acaba estando certo, pois Lars inventa uma desculpa qualquer para não aparecer na casa da cunhada. Ao mesmo tempo, o protagonista é construído por Gosling como alguém cheio de manias e tiques, que parece encontrar na solidão voluntária um refúgio seguro contra o envolvimento com as pessoas ao seu redor. Seu comportamento preocupa a família e os poucos amigos mas, até então, é apenas um traço marcante de sua personalidade.
A situação começa a ganhar contornos mais graves quando Lars surge com “alguém” muito particular para apresentar à família. Ela atende pelo nome de Bianca, mas não se trata de uma pessoa comum. Há um detalhe fundamental que serve de alarme para todos à sua volta: Bianca é uma boneca inflável, um dado que Lars ignora, mostrado através da maneira que ele trata a nova companhia. Para o rapaz, ela é absolutamente real, e a mulher de sua vida. É por esse detalhe que A garota ideal (Lars and the real girl, no original) se torna, ao mesmo tempo, atípico e próximo do seu público. A atitude de Lars pode ser lida como uma tentativa extrema de encontrar um ser para dividir sua vida e suas angústias sem a possibilidade de sofrer qualquer tipo de rejeição. O personagem é o retrato da insegurança, e tentar dialogar com ele é como pisar em ovos.Por conta dessa novidade apresentada por Lars, entra em cena Dagmar (Patricia Clarkson, correta), uma psicóloga que aconselha Karin e Gus a participar da fantasia do protagonista, agindo como se Bianca fosse real. Inicialmente relutantes, eles acabam convencidos de que esse pode ser o primeiro passo para a recuperação de Lars, que passa a levar a vida com a boneca na mais completa normalidade. Ele a leva a festas, e fala por ela como se ela pudesse se comunicar com ele, causando espanto em todos na cidade. Mas, assim como Karin e Gus, logo todos os habitantes do lugar estarão participando da grande farsa de agir conforme Lars. Contada a sua sinopse, A garota ideal se apresenta como uma comédia. Porém, por trás do verniz cômico, esconde-se uma história comovente sobre a procura de um homem por alguém que o complete. O filme se constrói sob o prisma da melancolia, e os sorrisos que consegue arrancar de seus espectadores são muito mais contidos do que os que se verificam normalmente em películas do gênero. Em linhas gerais, ele pode ser definido como um conto moderno sobre a necessidade de uma companhia, da qual ninguém pode se furtar. Lars, em sua procura pela completude, enfia os pés pelas mãos, mas deixa uma lição importante: nunca devemos recorrer a subterfúgios não-ortodoxos para encontrar nossa felicidade.
A garota ideal também se beneficia de uma trilha sonora envolvente, perfeitamente adequada à atmosfera de desalento do personagem que, no seu íntimo, parece saber que sua namorada não é aquilo que deveria procurar. Como já foi dito anteriormente, a boneca é uma espécie de plano de fuga de Lars, uma fuga de uma realidade com a qual ele se sente incapaz de lidar, fazendo-o recorrer a esse tipo de expediente estranho. O elenco do filme está bastante afiado, e Emily Mortimer se mostra mais uma vez como uma atriz eficiente e tarimbada, na pele de uma mulher que se esforça para entender o drama do cunhado e auxiliá-lo a vencer seus medos. Mortimer tem um currículo precedente respeitável, no qual se destacam Querido Frankie (2004), Ponto final (2005) e Paris, te amo (2006), filme que primam pelo bom gosto e por roteiros bem escritos. Em Paris, te amo, ela atuou no segmento “Père Lachaise”, dirigido por Wes Craven, em que fazia uma mulher discutindo com o marido no cemitério homônimo. Na briga, intervinha o fantasma do escritor Oscar Wilde, o que dava ao curta um teor de suspense cômico.
Paul Schneider, por sua vez, trabalhou anteriormente em Tudo acontece em Elizabethtown (2005) e O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford (2007), em que passou quase despercebido. Também é um ator talentoso, e vale conferir seu desempenho na pele de Gus, o irmão mais velho de Lars que parece bastante conformado com a situação do personagem, não fazendo grande coisa para que ele mude. Sua química com Emily Mortimer é notável, e eles entregam juntos ótimas performances.Já Ryan Gosling é um feliz exemplo de jovem talento. O ator consegue “entrar” profundamente em seu personagem, fazendo-o ser totalmente crível e carismático e, por isso, passível de gerar identificação. Seu Lars matiza com discretas sombras tristes a agonia de um rapaz em não conseguir um lugar na sociedade em que está inserido e, principalmente, um lugar no coração de uma namorada de carne e osso. Na verdade, existe uma pretendente para ele, mas Lars não é capaz de enxergar a bela jovem que está diante de seus olhos perscrutadores. Gosling tem uma carreira composta por bons título, entre os quais estão O mundo de Leland (2003), Um crime de mestre (2007) e Half Nelson (2006), que jamais viu surgir uma vaga para ser exibido em circuito comercial. No mais, A garota ideal chega ao seu fim sem se preocupar em ser objetivo, causando uma sensação de pertencimento àquela história que, com a chegada de seu fim, traz a nítida e incômoda sensação de orfandade. Na simplicidade de seu bom roteiro, escrito por Nancy Olivier, está o bom desenvolvimento de uma ideia interessante, que causa impacto justamente pelo que traz de insólito. Aceitar o convite de assistir ao longa é embarcar em uma experiência de comoção (cuja etimologia é “mover junto”) diante de um personagem que, de tão real, parece estar prestes a saltar da tela a qualquer momento, e a fazer parte de nossos cotidianos de maneira perfeitamente mimética.
28 de out. de 2010
“Conto de inverno”, um filme sobre as complicações do amor e o desencanto
Rohmer se tornou bastante conhecido por conta de certas particularidades como cineasta. Em seus filmes, a palavra tem lugar de honra, reinando absoluta sobre qualquer possibilidade de ação contínua dos personagens ou de reviravoltas do roteiro. O realizador francês se debruça sobre os diálogos, acima de tudo, e essa marca o fez ganhar alguns detratores, e outros tantos entusiastas. Suas tramas são geralmente simples, e fáceis de se acompanhar, mas costumam fugir de uma previsibilidade que levaria a assistir a um filme seu como “pacote pronto para se despachado”. São filmes curtos, que raramente ultrapassam os 100 minutos de duração, mas que podem ser apreciados como o lento derreter de uma geleira: absorventemente, dando a impressão de que levam muito mais tempo para chegar ao fim. Ele também compôs o time de diretores que construiu a chamada Nouvelle Vague, de que também foram expoentes François Truffaut, Jean-Luc Godard e Claude Chabrol, que também tiveram um passado de críticos.
Essas peculiaridades apontadas anteriormente se somam a outra que torna sua obra singular: ao longo de sua carreira, Rohmer (nascido Jean-Marie Maurice Schérer, em 1920) construiu séries de filmes que formam um conjunto de reflexões sobre a instabilidade da natureza humana. Os principais deles são a série “Comédias e Provérbios”, de que fazem parte A mulher do aviador (La femme de l’aviateur, 1980), Um casamento perfeito (Le beau mariage, 1982), Pauline na praia (Pauline à la plage, 1983), Noites de lua cheia (Les nuits de la pleine lune, 1984), O raio verde (Le rayon vert, 1986) e O amigo da minha amiga (L’ami de ma amie, 1987). Em comum, os filmes tem a característica de versar sobre a volubilidade dos sentimentos, especialmente o amor, que faz com que as pessoas se mostrem frequentemente entediadas com suas rotinas, e pensem em alternativas para modificá-las. No caso de Pauline na protagonista é insegura e indecisa, mas se mostra firme quanto a saber como quer viver o amor. E, desde o seu início, o filme é marcado por muitos dálogos. Já no início da década de 90, Rohmer decidiu investir em uma outra série de filmes, intitulada “Contos das quatro estações”. Trata-se de um quarteto de longas cujos títulos apontam, cada um, para uma das estações do ano, filmados, aparentemente, em ordem aleatória, tanto se considerarmos a ordem natural das estações no Hemisfério Norte quanto no Hemisfério Sul. Ei-la: Conto da primavera (Conte de printemps, 1990), Conto de inverno (Conte d’hiver, 1992), Conto de verão (Conte d’èté, 1996) e Conto de outono (Conte de automne, 1998). Em cada um dos filmes, uma estação do ano é o pano de fundo para uma história de encontro de um protagonista consigo mesmo, tentando rever passos de sua trajetória. Em Conto de inverno, essa protagonista é Félicie (Charlotte Véry), uma mulher linda e romântica que vive uma história de amor tão intensa quanto fugaz com Charles (Frédéric van den Driessche), um homem charmoso que mexe com sua cabeça. Mas a relação entre eles é suplantada pelo fim das férias de verão, fazendo cada um ir para o seu lado. O principal motivo dessa separação é uma confusão no momento em que eles trocam seus endereços. É a partir daí que começa o inverno de Félicie, que se vê em um período de desolação, à procura de novas companhias que a façam esquecer aquele homem que tanto a encantou. Não tarda para que ela tenha um caso com um homem mais velho, o que nos é mostrado depois de uma passagem de tempo de cinco anos. Ao mesmo tempo, ela mantém uma relação amorosa com um intelectual chamdo Löic. A incompletude que sente, porém, é perene, o que a deixa sempre com a cabeça em Charles. Além disso, há um fruto do amor entre os dois, que é o filho que Félicie carrega consigo.
A grande questão que atravessa a trajetória da personagem é: o que poderia ter acontecido caso ela não tivesse se perdido de Charles? É essa dúvida mortal que a consome, e a faz buscar alternativas que a levem ao esquecimento de seu passado idílico. O espectador que já passou por uma fase de dor de cotovelo certamente será capaz de compreender o inverno atravessado por Félicie, em maior ou menos grau. Ao longo desse período por que a personagem passa, Rohmer destila fartas doses de verborragia, bem ao gosto francês. Essa particularidade desse país é exponenciada para muito além do que se vê em outros filmes, e faz com que grande parte do público se afaste do seu cinema. Trata-se de uma tremenda injustiça, pois o diretor sabe nos envolver com suas palavras, levando à reflexão sobre as relações humanas, seja o amor, seja a amizade.
Como curiosidade, vale ressaltar que Rohmer foi professor de Letras, e chegou a escrever um livro chamado Elizabeth. Esse detalhe de sua biografia corrobora seu amor pelas palavras, que nos é tão visível a cada filme seu. O realizador faz com seus longas o que, na concepção clássica de cinema, é inconcebível: seus diálogos quase nunca são colocados com a função de dar prosseguimento à narrativa, mas funcionam como um eixo de exposição de ideias sobre temas universais. A serviço de Conto de inverno também está uma fotografia excelente, que embevece os olhos. O filme se passa na época do Natal, quando o espírito de hipocrisia brota nas pessoas. Rohmer também examina esse detalhe, e o conjunto da obra faz com que Conto de inverno seja mais de um de seus filme memoráveis.