Esse caráter arredio de Lars é evidenciado logo no início do longa de Craig Gillespie, quando Karin e Gus apostam entre si para ver se ele irá ou não ao jantar organizado para os três em sua casa. Karin aposta que, dessa vez, depois de numerosos convites, o cunhado irá à reunião, mas Gus não acredita na realização dessa possibilidade. De fato, ele acaba estando certo, pois Lars inventa uma desculpa qualquer para não aparecer na casa da cunhada. Ao mesmo tempo, o protagonista é construído por Gosling como alguém cheio de manias e tiques, que parece encontrar na solidão voluntária um refúgio seguro contra o envolvimento com as pessoas ao seu redor. Seu comportamento preocupa a família e os poucos amigos mas, até então, é apenas um traço marcante de sua personalidade.
Por conta dessa novidade apresentada por Lars, entra em cena Dagmar (Patricia Clarkson, correta), uma psicóloga que aconselha Karin e Gus a participar da fantasia do protagonista, agindo como se Bianca fosse real. Inicialmente relutantes, eles acabam convencidos de que esse pode ser o primeiro passo para a recuperação de Lars, que passa a levar a vida com a boneca na mais completa normalidade. Ele a leva a festas, e fala por ela como se ela pudesse se comunicar com ele, causando espanto em todos na cidade. Mas, assim como Karin e Gus, logo todos os habitantes do lugar estarão participando da grande farsa de agir conforme Lars. Contada a sua sinopse, A garota ideal se apresenta como uma comédia. Porém, por trás do verniz cômico, esconde-se uma história comovente sobre a procura de um homem por alguém que o complete. O filme se constrói sob o prisma da melancolia, e os sorrisos que consegue arrancar de seus espectadores são muito mais contidos do que os que se verificam normalmente em películas do gênero. Em linhas gerais, ele pode ser definido como um conto moderno sobre a necessidade de uma companhia, da qual ninguém pode se furtar. Lars, em sua procura pela completude, enfia os pés pelas mãos, mas deixa uma lição importante: nunca devemos recorrer a subterfúgios não-ortodoxos para encontrar nossa felicidade.
A garota ideal também se beneficia de uma trilha sonora envolvente, perfeitamente adequada à atmosfera de desalento do personagem que, no seu íntimo, parece saber que sua namorada não é aquilo que deveria procurar. Como já foi dito anteriormente, a boneca é uma espécie de plano de fuga de Lars, uma fuga de uma realidade com a qual ele se sente incapaz de lidar, fazendo-o recorrer a esse tipo de expediente estranho. O elenco do filme está bastante afiado, e Emily Mortimer se mostra mais uma vez como uma atriz eficiente e tarimbada, na pele de uma mulher que se esforça para entender o drama do cunhado e auxiliá-lo a vencer seus medos. Mortimer tem um currículo precedente respeitável, no qual se destacam Querido Frankie (2004), Ponto final (2005) e Paris, te amo (2006), filme que primam pelo bom gosto e por roteiros bem escritos. Em Paris, te amo, ela atuou no segmento “Père Lachaise”, dirigido por Wes Craven, em que fazia uma mulher discutindo com o marido no cemitério homônimo. Na briga, intervinha o fantasma do escritor Oscar Wilde, o que dava ao curta um teor de suspense cômico.
Já Ryan Gosling é um feliz exemplo de jovem talento. O ator consegue “entrar” profundamente em seu personagem, fazendo-o ser totalmente crível e carismático e, por isso, passível de gerar identificação. Seu Lars matiza com discretas sombras tristes a agonia de um rapaz em não conseguir um lugar na sociedade em que está inserido e, principalmente, um lugar no coração de uma namorada de carne e osso. Na verdade, existe uma pretendente para ele, mas Lars não é capaz de enxergar a bela jovem que está diante de seus olhos perscrutadores. Gosling tem uma carreira composta por bons título, entre os quais estão O mundo de Leland (2003), Um crime de mestre (2007) e Half Nelson (2006), que jamais viu surgir uma vaga para ser exibido em circuito comercial. No mais, A garota ideal chega ao seu fim sem se preocupar em ser objetivo, causando uma sensação de pertencimento àquela história que, com a chegada de seu fim, traz a nítida e incômoda sensação de orfandade. Na simplicidade de seu bom roteiro, escrito por Nancy Olivier, está o bom desenvolvimento de uma ideia interessante, que causa impacto justamente pelo que traz de insólito. Aceitar o convite de assistir ao longa é embarcar em uma experiência de comoção (cuja etimologia é “mover junto”) diante de um personagem que, de tão real, parece estar prestes a saltar da tela a qualquer momento, e a fazer parte de nossos cotidianos de maneira perfeitamente mimética.
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