7 de dez. de 2010

O baú de mil aventuras de “Ponyo – Uma amizade que veio do mar”


O realizador japonês Hayao Miyazaki tem um apreço bastante notável pelo público infantil. Isso se nota pela sua constante dedicação em fazer obras voltadas para as crianças, que compõem uma filmografia numerosa, da qual constam títulos como O castelo de Cagliostro (Rupan sansei: Kariosutoro no shiro, 1979), Meu amigo Totoro (Tonari no Totoro, 1988) e A viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no kamikakushi, 2001), sendo este último o mais conhecido das plateias ocidentais, que chegou a levar o Oscar de melhor animação em 2002. Um aspecto que aproxima as suas obras, e lhes dá continuidade, é a resistência do diretor em empregar a animação de filmes como os da Disney. Ele prefere desenhar cada cena à mão, o que resulta em filmes altamente deslumbrantes, em que o visual conta tanto quanto a narrativa apresentada.
Em Ponyo – Uma amizade que veio do mar (Gake no ue no Ponyo, 2008), seu filme mais recente, essas peculiaridades logo ficam evidentes. O desenho nos conta a história de Sosuke, um garotinho de 5 anos que mora muito próximo de um penhasco, na companhia de sua mãe, a quem ora chama pelo nome, ora chama pelo grau de parentesco, deixando uma certa dúvida inicial sobre qual seja a relação entre eles. Sosuke também tem um pai, que quase nunca está presente por sua condição de marinheiro. De vez em quando, ele passa pelo mar próximo à casa da família, e deixa o filho eufórico com a possilidade de comunicação com ele. Sosuke é uam criança normal, nem mais nem menos inteligente do que outras da sua idade, o que torna o pequeno protagonista do filme um personagem totalmente plausível, diferente dos meninos prodígios retratados em animações estadunidenses, que parecem capazes até de resolver cálculos estequiométricos.

A vida do menino ganha contornos de aventura pela primeira vez quando ele encontra um peixinho dourado na praia perto de sua casa. Ele gosta tanto do animalzinho que decide levá-lo para casa, dentro de um balde com o qual estava brincando por ali. Sua mãe não vê problema algum na atitude do filho, e a afeição de Sosuke pelo peixinho só faz crescer. O garoto acaba descobrindo que aquela simpática fêmea de peixe dourado gosta muito de presunto, e passa a alimentá-la com o embutido. Passa também a chamá-la de Ponyo, e está formada a grande amizade entre os personagens, que confere um tom de fábula muito agradável à história.
Porém, o que Sosuke não sabe é que Ponyo é filha de um feiticeiro que vive nas profundezas das águas, e que não suporta a ideia de que ela tenha contato com seres humanos, a quem considera vis e ardilosos. Inicialmente, o personagem aparece retratado como um vilão, mas, no fundo, ele é a representação de pais excessiavemente zelosos e austeros, que sufocam seus filhos com as tentativas de obliteração de suas escolhas e de desenvolvimento de suas naturezas. É exatamente essa característica que se acentua na personalidade do pai de Ponyo. A amizade dela com Sosuke faz nascer no peixinho um desejo de se tornar humana também, e, graças aos poderes mágicos que possui, ela faz nascer braços e pernas em seu corpo, e acaba conseguindo o que quer : ser uma menina.

O interessante no filme é que sua história é contada através de uma abordagem muito inocente, isenta da malícia subscrita que permeia boa parte dos filmes infantis hollywoodianos. Claro que esse aspecto não é um defeito que fere de morte as boas intenções dos estúdios dos EUA : é ótimo acompanhar tramas que favorecem a agilidade dos diálogos e que contêm um punhado de referências ao universo adulto. Mas também é prazeroso assistir a uma trama que se despoja de todos os artefatos da sagacidade em favor de uma pureza que aparenta estar circunscrita a tempos perdidos.
E Ponyo – Uma amizade que veio do mar faz exatamente isso. Não há como não acreditar na ingenuidade dos protagonistas, que conquistam a plateia infantil, mas que também podem agradar os adultos.Um outro aspecto que salta aos olhos no filme é a qualidade das imagens. Elas são resultado do trabalho quase artesanal de Miyazaki, que pintou as telas uma a uma para depois transformá-las em imagens em movimento. Com isso, as cenas são um verdadeiro primor para os olhos mais sensíveis, e dá vontade de ter em mãos cada fotograma que aparece. Voltando à narrativa, há outros elementos que chamam a atenção em seu desenrolar. Depois que Ponyo se transforma em uma menina, estranhos fatos começam a suceder. No caminho de volta para casa depois de mais um dia de estudos para Sosuke e de trabalho para sua mãe, que é funcionária de um asilo, eles enfrentam uma forte tempestade. Na verdade, aquele fenômeno meteorológico é fruto de um desequilíbrio ecológico causado pela mudança da natureza de Ponyo. Seu pai tenta reverter a situação de todo jeito, e até consegue, por um tempo, que a menina volte a ser peixe. Mas a rebeldia de Ponyo fala muito mais alto, e ela consegue tornar a ser menina para poder brincar com seu amigo.
No geral, Ponyo – Uma amizade que veio do mar é um desenho animado feito para um público que aprecia história simples, e que falam ao coração justamente por sua simplicidade. Miyazaki abre mão de uma trama mirabolante, preferindo se concentrar na composição dramática dos personagens de forma consistente. Isso faz que a “interpretação” dos “atores” seja o mais real possível, tornando o filme um exemplar naturalista entre as animações, por assim dizer. O cineasta oferece, com seu filme, uma prova do quanto é um herói da resistência no tocante a toda forma de estroboscopia.

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