29 de ago. de 2011

Old boy: a fidelidade a uma gramática de virulência



O cinema oriental prova, de tempos em tempos, que não é apenas um espaço de contemplação. Old boy (idem, 2003) faz parte da estirpe de filmes que se encaixam em uma descrição que inclui muita violência e reviravoltas verdadeiramente surpreendentes, e comprova as múltiplas possibilidades de uma área do globo que costumeiramente se associa à tranquilidade e à parcimônia. Dirigido por Park Chan-wook, o longa-metragem não economizana intensidade das imagens e no uso de referências a outros filmes para contar a trajetória de Oh Dae-su (Choi Min-sik), um homem totalmente comum que é sequestrado misteriosamente e vai parar em quarto minúsculo, onde fica preso por 15 anos sem qualquer razão aparente. Nesse longo ínterim, ele só conta com uma televisão para manter algum tipo de contato com o mundo exterior, e recebe suas refeições diárias por uma mão desconhecida. Também todos os dias, um gás potente invade o quarto e o faz dormir. De tempos em tempos, alguém entra ali e lhe corta o cabelo e a barba. Até que, um dia, ele é solto e se vê jogado na rua e sem qualquer perspectiva.

As grandes questões que passam a intrigar esse homem são: por que ele ficou tanto tempo preso? Quem teria algo contra ele para lhe fazer tão mal? Por que ele foi solto de repente? Sedento pelas respostas, ele empreende uma caçada quase animalesca em busca de quem possa ter sido seu algoz, se é que, de fato, foi apenas uma pessoa. Está formado o enredo de um filme que compõe uma trilogia sobre a vingança. Este é o segundo tomo da trilogia idealizada por Chan-wook , que se abre com Mr. Vingança (Boksunen Naui Got, 2002) e se encerra com Lady Vingança (Chinjeolhan Geumjasshi, 2005), e que apresenta tramas independentes entre si, mas que guardam como ponto de contato as histórias de pessoas que se viram passadas para trás e que querem cobrar da vida aquilo que lhes foi tirado. No caso da história de Oh Dae-su, ainda há outros elementos que lhe dão contornos bastante dramáticos: ele descobre, enquanto está preso, que sua mulher foi assassinada, e que ele é o principal suspeito. Portanto, o personagem tem motivações mais do que suficientes para se rebelar contra o mundo e contra tudo o que seus inimigos lhe trouxeram de pior. Elas são a deixa para que o diretor exponha sua gramática visceral e virulenta ao longo de pouco mais de duas horas de narrativa.

Old boy é um filme que exige concentração e certa resistência para encarar certas sequências pesadas ou indigestas, como a que mostra o protagonista destrinchando um polvo vivo e o comendo, ou outra que o traz cortando a sua própria língua, uma automutilação que está totalmente encaixada a uma das circunstâncias que se constroem ao longo do enredo. Aqui, tem-se novamente a exploração da história de um herói solitário e justiceiro que se vale de seus próprios méritos físicos e psicológicos para alcançar a desforra que lhe pode trazer uma suposta tranquilidade. Há pouco espaço para respirar na produção, que abusa de certos movimentos frenéticos de câmera e de espasmos narrativos que deixam o espectador em estado de tensão, e com muita curiosidade pela descoberta do responsável pelos anos de tortura impostos a Oh Dae-su, interpretado com talento e impacto por Choi Min-sik, que teve de treinar por 6 semanas e emagrecer 12 quilos para o papel, duas demonstrações de empenho e entrega ao personagem que, em certos momentos, se vale da força do pensamento e de seus sentidos aguçados ao longo dos anos para chegar aonde deseja com as pistas que vai encontrando em seu percurso.



A mescla de referências a outros filmes é um dos aspectos notáveis de Old boy, que dialoga com elementos de títulos como O conde de monte Cristo (The count of mont Christ, 2002) e Muito além de jardim (Being there, 1979), por conta de aspectos que aparecem em sua sinopse. De alguma maneira, são uma amostra dos filmes que compõem o currículo de espectador do cineasta, que flerta com alguns tiques facilmente encontradiços em produções estadunidenses que se baseiam no tema da vingança, protagonizados por nomes como Jean-Claude Van Damme e Sylvester Stallone, arquétipos do herói sozinho contra tudo e contra todos. O filme ganhou um grande entusiasta, ninguém menos que Quentin Tarantino, que compunha o júri do festival de Cannes no ano em que o filme foi exibido por lá. É notório que Old boy também dialogue com produções de cunho trash, ou com os chamados filmes B, ambos subtipos de produções de baixo orçamento que congregam em si uma série de elementos aberrantes e desenrolares mirabolantes. A trama do filme de Chan-wook é exatamente assim e, mesmo dessa forma, consegue convencer e arrastar o público à posição de cumplicidade com aquela trajetória tortuosa de um homem que anseia pela restituição daquilo que lhe foi roubado.

Ainda com relação ao trabalho de Min-sik, cabe comentar que ele abriu mão de um dublê, e executou todas a cenas de seu personagem, que é praticamente onipresente na trama, e vivencia experiências extremas, como as que já foram mencionadas anteriormente. Sua inclinação para fazer o melhor por si mesmo engrandecem ainda mais o seu trabalho como ator e reforçam seu grande talento. A tal cena do polvo gerou grande controvérsia por onde foi exibida, e exigiu o uso de quatro indivíduos da espécie para que se chegasse ao resultado desejado. Ao vê-la no filme, pode-se ter uma série de reações, e classificá-la como asquerosa, repulsiva ou até risível, mas não como indiferente. Por meio desses elementos, o diretor conjuga uma premissa que é cara ao Tarantino de Kill Bill – Volume 1 (Kill Bill: Vol. 1, 2003), Kill Bill – Volume 2 (Kill Bill: Vol., 2004) e Bastardos inglórios (Inglorious basterds, 2009), filmes que trazem protagonistas obstinados por uma revanche, e também um tempero hitchcockiano, pelo grande mistério a ser desvendado no decorrer da trama. A fusão é bem-sucedida e responde pela capacidade de despertamento do interesse pelo filme. O sadismo e as doses cavalares de humor negro também contribuem para uma certa concentração de originalidade no filme, que passa longe do politicamente correto que suplanta certas experiências narrativas e de construção de personagens. É alarmante o fato de que a indústria hollywoodiana esteja interessada em refilmá-lo pelas mãos de Spike Lee. Totalmente desnecessária, a atitude pode representar um verdadeiro estupro ao trabalho de um ex-estudante de filosofia.

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