1 de set. de 2011

O prevalecimento da comédia física em Bananas


Depois de conhecer a sinopse de Bananas (idem, 1971), fica muito mais fácil entender a motivação que levou ao seu título. O segundo longa-metragem de Woody Allen como realizador é uma grande galhofa, ao propor uma reflexão algo crítica sobre a situação de submissão de certos países da América Central a regimes ditatoriais simbolizados por figuras de contornos bizarros. Logo na primeira sequência do filme, o espectador entra em contato com a verve altamente sarcástica que o diretor então iniciante imprimiu ao seu trabalho. Um repórter de televisão cobre uma manifestação popular, durante a qual ocorre o assassinato de um ditador. Agindo com total frieza, o repórter faz de tudo para passar pela multidão de revoltosos e conseguir uma declaração daquele homem em estado agonizante. Os ares surreais que circundam a cena são o primeiro indício do que virá dali em diante, e consumirá 81 minutos do tempo de quem estiver do outro lado da tela acompanhando o filme, que tem seus momentos de altos e alguns poucos baixos. O saldo final, portanto, está muito mais perto de ser positivo.

Em seguida a essa abertura hilária pelo que tem de inacreditável, somos apresentados a Fielding Mellish (Allen), um homem com uma profissão também aberrante. Ele é testador de produtos que estão em estudos para serem lançados no mercado, e sua rotina de trabalho inclui ser cobaia das invenções mais estapafúrdias que se possa imaginar. Esse dado de composição do personagem abra a possibilidade do exercício da comédia física, um detalhe que atravessa o filme como um todo. Então com 36 anos e com muito mais fios de cabelo do que atualmente, Allen tinha mais disposição para escrever e interpretar cenas que exigiam de seu comprometimento corporal, como a que mostra seu personagem testando um produto que oferece a possibilidade de atividade física em pleno expediente, seja nas gavetas da mesa, seja no momento de atender o telefone. As traquitanas que Fielding auxilia a comercializar são uma espécie de correspondente distante dos tipos inacreditáveis que Danny Rose (também Allen) apadrinha em Broadway Danny Rose (idem, 1984), como se o segundo pudesse ser considerado uma citação indireta do primeiro. Ademais, há uma forte presença do humor pantomímico, que consiste no largo emprego de expressões faciais e gestuais que causam o riso, algo que Charles Chaplin consagrou a ponto de seu sobrenome ter se derivado sufixalmente e se tornado adjetivo para esse tipo de humor.

Bananas se demonstra um bom filme por sua conjugação eficiente de comédia romântica com sátira política, temperadas com o genuíno humor do cineasta, que ainda galgava os primeiros degraus de sua extensa e profícua carreira, que já contabiliza mais de quarenta filmes. O lado cômico-romântico do filme fica por conta da paixão de Fielding por Nancy (Louise Lasser), uma ativista política que bate à sua porta colhendo assinaturas para um abaixo-assinado contra os abusos que vem sendo cometidos na pequena República de San Marcos, o país que aparece logo no começo do filme, na comentada cena da reportagem. A aparição da moça em seu apartamento é a deixa para que o personagem a convide para entrar, e ali nasce um romance fugaz e desastrado entre eles, como tantos outros que Allen nos apresentaria posteriormente, em títulos cujos protagonistas também são vividos por ele e os pares românticos são vividos por Diane Keaton ou Mia Farrow, principalmente. Lasser empresta sua beleza adorável para Nancy e surge na tela como um rascunho bem feito de Farrow ou, em outras palavras, como uma precursora da então futura parceira de Allen em tantos trabalhos subsequentes. Nancy se sente atraída por Fielding por sua simpatia e desprendimento, mas sente que necessita de algo mais, que há uma ausência nele que precisa ser suprida. É por causa dessa paixonite que o protagonista vai parar na republiqueta centro-americana, onde acabará assumindo a presidência e conquistando um sucesso involuntário, em mais uma das ironias bem articuladas do diretor. A associação com as chamadas “repúblicas das bananas”, que, muitas vezes, incluem o Brasil, são quase imediatas, assim como com o governo cubano, que também está sintetizado na figura de Fielding, que vai se juntar ao revolucionários da ilha para impressionar a garota que lhe trouxe interesse.



O roteiro de Bananas foi escrito em parceria com Mickey Rose, algo que o diretor deixaria de fazer posteriormente, concebendo seus textos sem qualquer outra pessoa para dividir o trabalho. Rose também roteirizou o primeiro filme de Allen, Um assaltante bem trapalhão (Take the money and run, 1969), bem como elaborou as falas da redublagem de O que há, tigresa? (What’s up, tiger Lily, 1966), também “dirigida” pelo cineasta – se é que esse é o termo mais adequado para o que ele fez. Já faz alguns anos que Rose não escreve, e a maior parte de seus trabalhos foi pensada para a televisão, onde ele se demonstrou bastante produtivo. Sua junção com Allen em Bananas permite observar o quanto o diretor já poderia revelar de suas próprias características nesse filme, e que viria a expandir e refinar com o passar dos anos em uma obra que pode ser classficada, com toda a razão, como monumental. Ao longo de tantas décadas, seu nome se tornou grife, uma espécie de selo de garantia de filmes criativos e pensantes, e vários atores já puderam experimentar participar de seus trabalhos. No filme em questão, sobre espaço para um ainda jovem e semidesconhecido Sylvester Stallone, que faz ponta como um arruaceiro que, acompanhado de um amigo, intimidando Fielding.

Outros elementos recorrentes da carreira do diretor também aparecem em Bananas, como a figura do sujeito inseguro e inábil, que mete os pés pelas mãos em conquistas malfadadas e tem um olhar algo obtuso sobre o mundo. O longa-metragem não é um de seus mais inspirados, por soar um pouco redundante em algumas sequências, mas também já apresenta ao público o excelente timing cômico do diretor, que extrai graça e risadas de situações que beiram o absurdo, gerando comentários pertinentes que encaixam esse trabalho na esfera do nonsense. Há também um certo componente de ingenuidade no filme que lhe confere o passaporte para figurar entre os mais despretensiosos do diretor, que ele foi deixando de lado posteriormente, e retomou poucas vezes, como em O escorpião de jade (The cursion of jade scorpion, 2001) e Scoop – O grande furo (Scoop, 2006), que também são seus filmes recentes mais subestimados. Allen é um diretor que demonstra, a cada nova produção, que está longe de se poder circunscrever a um arco de tempo restrito. Bananas comprova sua capacidade de ser atemporal, já que criticar os desmandos de ditadores que se consideram embaixadores de Deus na Terra, infelizmente, não ficou datado. E se, depois, ele enveredaria pelos caminhos das constatações ácidas ou agridoces da natureza humana, intimista ou tragicômica, aqui ele já trazia ao público fartas doses de humor associado a bom conteúdo, saudando seus entusiastas em potencial.

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