A cada novo filme em que coloca seu rosto, George Clooney mostra mais uma de suas várias facetas. Esse aspecto camaleônico é, obviamente, indispensável ao bom ator, mas nem por isso prescinde de ser omitido. Seus personagens sempre carregam, seja qual for a abordagem do diretor em questão, uma aura de humanidade que permite a empatia quase imediata do espectador. O mesmo pode ser verificado em "Amor sem escalas", terceiro filme do talentoso Jason Reitman.
Não há como não comentar a título brasileiro infeliz dado ao filme, que o deixa com ares de comediazinha-romântica-digna-da-sessão-da-tarde. Seu título original, por mais difícil de traduzir que seja - "Up in the air", algo como "Para as alturas" -, merecia ser mais cautelosamente escolhido. Caso idêntico é o de "Eu, meu irmão e nossa namorada", uma tradução boboca para "Dan in real life". A despeito dessas nomenclaturas equivocadas, acompanhar a história de um homem que está mais nos ares do que em terra firme é uma delícia.
Para Ryan Bingham (Clooney), a vida só parece ter sentido se for para acumular milhagens aéreas. Enquanto todo mundo quer estar perto daqueles a quem ama, ele deseja chegar à marca de 10 milhões de milhas, por pura exibição. 0 destino do protagonista só muda quando ele conhece uma mulher de senso igualmente prático, que o tira do sério em dois tempos: ela é Alex Goran (Vera Farmiga). O trabalho de Ryan consiste em demitir funcionários de empresas, evitando que os chefes desses funcionários tenham de executar essa desagradável função. É por conta desse emprego que está em constante viagem, o que parece levá-lo a encarar a vida como um momento efêmero, mais do que qualquer um. Tudo no comportamento de Ryan parece exteriorizar uma visão de que está apenas a passeio na vida.
Além de ser o "algoz" dos empregados que recebem a demissão, ele dá palestras de autoajuda, nas quais afirma que as pessoas devem se liberar dos pesos que carregam na vida, das bagagens que só as atrapalham. Nas entrelinhas, Ryan prega uma filosofia de vida idêntica à sua, já que ele não demonstra qualquer preocupação com família ou amigos íntimos. O que sacode a vida desse homem é, como já se disse, conhecer Alex, mas também ver passar em sua vida a decidida Natalie (Anna Kendryck), uma jovem que acaba de ser contratada pela empresa em que ele trabalha, e qeu traz uma ideia revolucionária para seus patrões. Em vez de demitir pessoalmente os funcionários de que as companhias não mais necessitam, ela apresenta a possibilidade de fazê-lo por meio de uma videoconferência, na qual o funcionário é informado dos motivo de sua demissão.
Com isso, as constantes viagens de que Ryan tanto gostava para estar sempre longe da terra firme (e, por conseguinte, de uma vida dita normal) perderiam a razão de ser. Uma facada no peito de um homem com o orgulho ferido. Mas, antes que essa ideia seja, de fato, implementada, Ryan e Natalie deverão empreender as últimas viagens agendadas para as demissões. Uma vez juntos nessa, eles terão de se entender, mesmo que, a princípio, a contragosto. Ao leitor dessa crítica, não custa nada salientar que, em qualquer momento da história esses dois personagens vão cair de amores um pelo outro, no que se configuraria a clássica trama dos opostos que discutem, e depois se veem diante de uma atração irresistível um pelo outro. Isso tampouco acontece com Ryan e Alex, que, como dois adultos vacinados, encontram-se ocasionalmente em algumas de suas numerosas escalas e conexões.
"Amor sem escalas" é um filme que seduz por sua abordagem sutil de um tema bastante caro ao cinema e ao público, em geral. O diretor Jason Reitman trata de pessoas perdidas em um mundo cada vez mais isomorfista, em que, juntamente com os avançoes tecnológicos, as distâncias emocionais entre os indivíduos cresce progressivamente. A novidade trazida por Natalie confirma essa tese. Torna uma tarefa por si só já ingrata, em algo ainda mais frio e distante. Outro aspecto que chama a atenção no longa são suas paisagens, áridas como os corações de seus protagonistas, que parecem cansados de sonhar com pessoas, e preferem estar apegados a coisas. Nas viagens de Ryan e Natalie, eles passam por cidades e estados pouco badalados dos EUA, e evidenciam nelas a crise que já vinha assolando o país. Também por esse sentido, "Amor sem escalas" é um filme totalmente de seu tempo, já que inclui em seu roteiro a situação caótica da contemporaneidade, que repercute na economia, na cultura e até no âmbito esportivo, mais do que nunca, um paliativo para as mazelas a que somos submetidos dia a dia.
O filme também tem uam trilha sonora envolvente e leve que casa perfeitamente com a atmosfera de desalente impressa pelo cineasta. Reitman, aliás, vem contruindo uma carreira louvável no cinema. Depois de "Obrigado por fumar" (2006) e "Juno" (2007), ele chega ao seu terceiro filme mostrando maturidade e eficiência na condução de uma história que precisa realmente de cada um dos seus minutos de duração para se desenvolver. O cinema praticado pelo diretor não é feito de excessos, mas de uma fluidez e de uma direção de atores eficaz, que muito contribuem para tornar cada um dos filmes irresistíveis.
De alguma maneira, é possível aproximar os três protagonistas apresentados por Reitman até agora. Tanto Nick Naylor (Aaron Eckhart) quanto Juno McGuff (Ellen Page) e Ryan Binghan (Clooney) são pessoas em busca de um lugar no mundo e no coração de alguém, mesmo que mascarem esse desejo, a tal ponto de sequer se dar conta deles. Os três também acabam se atrapalhando na forma como levam suas vidas, sendo, como muitos indivíduos, movidos pelas circunstâncias que se lhes apresentam cotidianamente. Com isso, o subtexto da filmografia de Reitman assinala traços importantes da condição humana. E esses traços podem ser expressos do ponto de vista de um representante cínico da indústria tabagista, que precisa do cinismo para sutentar sua carreira, de uma adolescente que não hesita em abrir mão do próprio filho por estar convicta de que ele veio na hora errada, ou de um homem que quer tanto se livrar de suas "bagagens" emocionais que, em algum momento, se vê confrontado com a necessidade de criar laços com alguém e mantê-los. Retrocessos ou sutis variações de pensamento?
15 de jul. de 2010
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