O ano de 2008 foi prodigalíssimo para os irmãos Ethan e Joel Coen. Foi quando chegaram ao Brasil, com um intervalo de apenas 9 meses, dois novos filmes de suas carreiras, que merecem ser vistos e comentados. O primeiro deles se tornou um xodó na filmografia dos diretores, e tem inúmeros motivos para tal: "Onde os fracos não têm vez". É a incursão dos Coen pelo universo dos faroestes, na qual criaram uma atmosfera sufocante de tensão e medo crescentes. E, de quebra, brindaram o público com a interpretação antológica de Javier Bardem, assustadoramente competente sob a pele de Anton Chigurh. Não à toa, o longa faturou dezenas de prêmios de vários sindicatos, além de ter papado nada menos que quatro estatuetas do Oscar.
Já em "Queime depois de ler", o caminho percorrido é bem diferente. Os irmãos cineastas repetem a parceria com alguns atores para construir uma trama um tanto mirabolante sobre pessoas que parecem ser o tempo todo guiadas pela idiotice completa. Encabeçando o elenco, estão os über astros George Clooney e Brad Pitt. O primeiro já havia estado antes em um filme dos Coen, o pouco visto "E aí, meu irmão, cadê você?" (2000), e parece bastante à vontade caminhando pelo mundo insólito e extravagante dos diretores. Pitt, por sua vez, debuta sob o comando dos irmãos, mas não faz por menos em matéria de talento. Ambos os atores, aliás, já provaram, há muito, que não são apenas belas embalagens, mas que têm um conteúdo interessante, principalmente no que diz respeito à arte de interpretar.
O filme é uma comédia daquelas que não se vê toda hora entrando em cartaz, porque consegue articular com meticulosidade uma história interessante, um elenco afiado e uma condução bem pensada. Nem tudo que aparece em "Queime depois de ler" é o óbvio ululante, é necessário que o espectador também coloque o cérebro para funcionar. Durante toda a narrativa, veremos ums série de situações estúpidas, e de imbróglios que beiram sempre o absurdo. Para que o leitor desta crítica tenha uma noção do que é a trama, se os quando Osborne Cox(John Malkovich), um agente da CIA, é demitido por seu comportamento inadequado (ele é um beberrão). Ressentido pelo fato, ele decide publicar um livro em que denuncia toda a sujeira de que sabe, a quale ele vinha testemunhando durante todos os anos em que foi funcionário do órgão. Mas a complicação começa mesmo quando sua mulher, Katie (Tilda Swinton, uma atriz que merece ser melhor descoberta), quer se separar dele, à sua revelia, e rouba os escritos para chantageá-lo no processo de divórcio. Ela quer apressar a separação, pois já tem um caso com Harry Pfarrer (Clooney), um perfeito imbecil que comete uma série de enganos ao longo do filme.
Só com esse trio em cena, "Queime depois de ler" já rende momentos hilariantes, mas o roteiro dos Coen ainda apresenta outros focos de ação. Trata-se da aparição de Chad Feldheimer (Pitt) e Linda Litzke (Frances McDormand, esposa de um dos diretores, e habituée de seus filmes), dois funcionários malucos de uma academia, que se interessam pelo poder de fogo das verdades contidas no projeto de livro de Cox, e decidem roubar os arquivos do projeto para extorquir um bom dinheiro dele. Com isso, Linda pretende custear suas cinco cirurgias plásticas, algo de suma importância para alguém tão fútil como ela. Está montada a teia que entrelaçará todos os personagens, que, de inteligentes, têm bem pouco ou nada, como o desenrolar do enredo permite concluir.
spoilers não forem um problema, tudo começa
Um dos grandes achados do filme é a maneira como o roteiro vai delineando a série de (des)encontros dos personagens. Os Coen sabem muito bem como manipular a história a um modo bem colocado. Para além disso, têm o mérito de colocar dois grandes astros do cinema contemporâneo em papéis inusuais em suas carreiras. Tanto Chad quando Harry são um poço de estupidez, cada um ao seu modo. Pitt acertou ao investir numa composição cheia de cacoetes, que levam ao cômico mesmo quando seu personagem está calado. Nas poucas vezes em que se encontram, revelam a boa química que existe entre seus intérpretes, talhada ao longo dos filmes da série "Onze homens e um segredo", de Steven Soderbergh. Em "Queime depois de ler", as situações são sempre bizarras, e fogem do óbvio com destreza admirável. O longa dialoga o tempo todo com o bestial, por conta do comportamento caricatural dos seus personagens. Com isso, os Coen aliam mordazes diálogos e reflexões a cenas divertidas, que irão surpreender o público em vários momentos e em várias instâncias.
A trama sofre algumas reviravoltas interessantes. Harry também acaba tendo uma caso com Linda, depois de começar a se corresponder com ela em um chat na internet. Ao partirem para uma possível relação no mundo real, a paranoia de Harry atrapalha seriamente o romance que eles estavam ensaiando. Não sem antes Linda revelar um pouco de suas fantasias não muito ortodoxas, por assim dizer. Por isso, vibra quando Harry lhe apresenta uma certa cadeira, que leverá os mais pudicos a reagirem ruborizados do outro lado da tela, e os mais despudorados a gargalharem (ou não) diante da cena. Contar mais seria estragar as surpresas que o filme reserva. Certamente, está entre os melhores da produção recente dos cineastas, por sua pegada divertida e inusitada. E vale destacar que nem tudo que surge no filme precisa ser entendido. Aliás, o cinema de Ethan e Joel Coen também é formado por alguns pontos de suspensão. E "Queime depois de ler" é mais um deles, como não poderia deixar de ser.
9 de jul. de 2010
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