5 de jul. de 2010

"Conto da primavera" ou infinitas conjecturas de pessoas em busca de respostas

Na longa filmografia de Eric Rohmer, merece ser posto em relevo um aspecto crucial que atravessa a quase totalidade de sua obra. É praticamente impossível comentar a respeito de seus filmes ser assinalar o profundo apreço que o diretor tinha pela palavra. Um apreço que se traduz em longos e aparentemente intermináveis diálogos entre personagens que expõe suas fragilidades, expressam seus temores, verbalizam suas agonias e incertezas e explicitam o que se passa em seus interiores. Para espectadores mais afeitos a ação correndo em cada fotograma, um primeiro contato, ou até um segundo, com a obra rohmeriana pode ser extremamente tedioso.

Rohmer nunca se demonstrou interessado em agradar o espectador conduzindo suas tramas para um caminho mais fácil. Mesmo as sequências dotadas de certa ingenuidade encobriam um discurso muito mais aprofundado e sofisticado, de que inúmeros filmes são exemplo fiel. Veja-se o caso de "Conto da primavera". Filmado em 1990, ele é a abertura de mais uma das séries propostas pelo cineasta: os contos das quatro estações. Por questões subjetivas, ele não seguiu a ordem natural das estações do ano, preferindo filmar, em 1992, "Conto de inverno", em 1996, "Conto de verão", e em 1998, "Conto de outono". Em todos os longas, os aspectos clássicos que caracterizam cada estação são pano de fundo, ou pretexto, para se tratar de seres humanos em suas eternas buscas por respostas que, muitas vezes, podem estar dentro de si mesmos, sem que eles se deem conta, ou sem que percebam imediatamente.
A história que movimenta, por assim dizer, "Conto da primavera", é comuníssima: uma professora de filosofia chamada Jeanne (Anne Teyssèdre), jovem e atraente, não quer passar a noite sozinha. Por isso, aceita o convite de uma estudante para dormir em sua casa. Jeanne está sozinha porque seu noivo está viajando, e o apartamento foi alugado por ela para um primo enquanto o noivo não retorna. Ela e a estudante se conheceram em uma festa a que Jeanne foi. Uma vez tendo aceito o convite da menina, que se chama Natasha (Florence Darel) ela se instala no quarto de Igor (Hugues Quester), o pai da jovem. É então que a professora fica sabendo do sumiço do colar da menina, e das suspeita que ela tem de que a atual namorada de seu pai o tenha roubado.

Por meio dessa trama simples, Rohmer constrói mais um denso estudo de personagens e, em pouco tempo, o interesse do diretor em desvendar o "mistério" inicialmente apresentado vai sendo abandonado. Porque o foco realmente desejado é capturar as nuances de caráter de cada um que está sendo retratado na tela. Jeanne, por exemplo, é temperamental, e se inflama no discurso que apresenta para defender seu ponto de vista. Natasha é de uma firvolidade diáfana, que permite entrever um senso de justiça e decisão que não é comum à maioria das jovens de sua idade, seja há exatos vinte anos (tempo de vida do filme até aqui), seja em nossos dias. O cineasta emprega cada minuto da projeção para propor um mergulho intenso nos diálogos de pessoas que podem ser qualquer um de nós. A verborragia é, de um modo geral, cara aos franceses, e Rohmer, como bom francês, não poderia fugir à "regra".
"Conto da primavera", como os demais filmes da tetralogia, são impregnados de discussões filosóficas, que evocam autores que são reconhecidamente pilares do pensamento ocidental contemporâneo. Jeanne não abre mão deles em suas conversas com Natasha, quando a menina começa a tecer seus comentários nocivos à namorada do pai, que logo aparece em cena, e se revela como um homem interessante aos olhos da professora. Eles desenvolvem um delicado jogo de sedução, que não avança para muito além de olhares cruzados e diálogos sobre trivialidades. Assim como o enredo, que tem seu ápice no encontro entre os quatro personagens, momento no qual se espera pela resolução da dúvida que paira sobre Natasha. Um clímax aquém do desejado para quem costuma assistir às tramas mirabolantes de diretores experimentados na construção de atalhos para o pote de ouro das bilheterias.
Com um cinema livre das amarras de uma necessidade gritante de faturar altas cifras, Rohmer pode se debruçar com toda a calma sobre gestos feitos pelos personagens, sobre a repercussão daquilo que dizem em seus interlocutores, sobre as munúcias de argumentação em que cada um fundamenta suas observações sobre cada assunto abordado. O diretor consegue virar seus intérpretes pelo avesso, a fim de extrair preciosas elocubrações de cunho filosófico e existencialista. São razões que parecem bastante suficientes para encorajar ao menos uma parcela de espectadores a assistir ao filme, e concordar ou não com o olhar acima exposto.

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