1 de jul. de 2010

O cruzamento de trajetórias sob a égide dos sentimentos em "Manual do amor"

De que maneira é possível encontrar uma lógica no amor? Até hoje, e desde tempos imemoriais, existem tentativas infinitas de rotular, classificar e analisar o mais universal de todos os sentimentos. A ânsia de amar, e toda a agonia derivada do começo de um enlace amoroso são a tônica de "Manual do amor", longa de Giovanni Veronesi que, como o próprio título denuncia, calca-se na busca por um retrato pontual do que representa o amor para um indivíduo, e das fases que ele percorre.

A narrativa do filme é estrutura em episódios, num total de quatro. Cada um deles compreende uma das fases do amor, segundo o roteiro escrito por Ugo Chiti e pelo próprio Veronesi: a paixão, a crise, a traição e o abandono. Trata-se de um estruturação convencional, quase didática, o que reforça a ideia apresentada no título, uma tradução literal do original italiano (Manuale d'amore). A conclusão a que se chega, logo de imediato, é a de que existe uma lógica para os mistérios do coração. E, apesar dos títulos de cada episódio serem tristes, tudo se encaminha para a comédia, evidência notada desde o primeiro fotograma.
O primeiro episódio traz um casal em fase de encantamento. Mas, antes disso, revela as constantes tentativas do rapaz, vivido por Silvio Muccino, conquistar a mulher que o tirou de seu estado normal, a bela Giulia (Jasmine Trinca, de "O quarto do filho"). Inicialmente difícil, o que atiça o desejo de Tommaso (Muccino), ela acaba sucumbindo ao sentimento, e eles se deixam levar por uma paixão avassaladora. Nesse
primeiro momento, "Manual do amor" serva aosc casais que se conhecem há pouco tempo, que estão namorando há poucos meses, e que ainda tem, portanto, extrema tolerância a tudo o que o parceiro diz ou faz. A essa altura, qualquer pretexto serve para enaltecer as qualidades do outro, e muitos chegam a se comportar como verdadeiros obsessivos, respirando permanentemente a pessoa amada. É exatamente como Tommaso e Giulia se comportam, depois que estão completamente enlaçados um pelo outro. O casal navega pelas águas doces do idílio amoroso. Qualquer acusação de que o diretor apresente uma visão edulcorada da paixão é absolutamente legítima. Mas porque seria ela negativa?

O segundo fragmento do filme trata sobre a crise, um momento da relação da qual todos fogem. Protagonizado por Barbara (Margherita Buy) e Marco (Sergio Rubini), esse trecho do longa trafega pelo terreno arenoso das incongruências entre o casal, que vão deflagrando os desentendimentos, e também os silêncios. O roteiro é eficaz ao captar as angústias de cada um dos parceiros, mostrando que o caminho que leva á harmonia é bastante acidentado, difícil de percorrer. Entretanto, a atmosfera do filme é sempre de humor, o que acaba gerando ainda mais empatia no público do que se se tratasse de um drama pesado. Apostar no riso, como fez o diretor, e tocar em feridas abertas de modo que se desmontem as convicções que o senso comum tem sobre determinado assunto. As comédias são pródigas nessa arte, e o texto sagaz da dupla de roteiristas consegue dar conta dessa tessitura marcada pelas sutilezas. A crise atravessada por Barbara e Marco não dá avisos de que vai chegar, apenas se instala e obriga os dois a contorná-la, ou a deixarem-se vencer por ela.
O episódio que retrata a traição é um dos mais divertidos de todo o filme. Ele conta a história de Ornella (Luciana Littizzetto), uma guarda de trânsito que acabou de ser traída, o que despertou nela um forte desejo de ir à forra contra os homens que passam por sua vida. A partir da entrada dessa personagemem cena, Veronesi já começa a delinear o entrecruzamento das tramas que, a princípio, pareciam isoladas. Ornella acaba sendo um dos elementos de união entre os casais e os solteiros da história, como quando ela multa um dos personagens masculinos por puro exercício de vingança. Seu ódio aos homens é tão intenso que chega a ser risível.
Por fim aparece Goffredo (Carlo Verdone), um homem de meia-idade que foi abandonado há pouco tempo, e que procura desesperadamente por uma forma de encontrar uma nova companhia. Ele é um pediatra solitário, que reccore a um livo de auto-ajuda intitulado, justamente, manual do amor. Suas cenas também são bastante divertidas, uma forma que o cineasta encontrou de explorar a verver cômica desse ator e diretor, conhecido por filmes que, em sua maioria, não entraram em circuito comercial no Brasil, como "Ma che colpa abbiamo noi", "L'amore è eterno finché dura" e "Il mio miglior nemico". Como na hora em que ele tem de se esconder depois de ir ao quarto de sua secretária, ficando pendurado na janela, prestes a ser descoberto.
Até o fim da projeção, o espectador presencia um apanhado de clichês relativos ao amor, do qual a maioria dos filmes não consegue escapar, mas que aqui aparecem atrelados a um certo teor crítico que consegue elevar a obra para além do descartável. De inúmeras formas, "Manual do amor" parafraseia uma série de frases célebres ditas ou cantadas por quem buscou entender os meandros desse sentimento que move as ações de homens e mulheres. Como aquela famosa constatação de Tom Jobim, presente na letra da canção "Wave": "É impossível ser feliz sozinho", para solitários como Ornella e Gofreddo, ou um trecho do "Soneto de fidelidade" de Vinicius de Moraes: "Mas que seja infinito enquanto dure", para dizer a Barbara e Marco.

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