2 de fev. de 2010

Neuroses e egocentrismo em "Celebridades"

Há quem diga que o ápice da carreira de Woody Allen esteja localizado na década de 70, época em que ele lançou "Noivo neurótico, noiva nervosa" e "Manhattan", clássicos indiscutíveis. O que foi produzido pelo diretor nas décadas seguintes, especialmente a de 90, costuma ser tratado como parte marginal de sua obra.
Mas o fato é que os filmes dirigidos por Allen nesse período também têm, sim, o seu valor. É o que se pode afirmar de "Celebridades", longa com o qual ele prossegue em sua inteligente abordagem do comportamento humano e das inseguranças de cada um de nós debaixo de muito senso de humor. Humor não apreciado por todos, é verdade. Mas não é de maiorias que o cinema de Woody Allen sobrevive.

Aqui, ele flagra os percalços enfrentados por um protagonista que, surpreendentemente (!), não é interpretado por sua porção ator. Trata-se de Kenneth Branagh, que vive Lee Simon, um repórter que se separa da mulher, vivida por Judy Davis, e busca trilhar novos caminhos para desvencilhar sua trajetória da dela. Logo, ele se empolga com as mil possibilidades que se lhe abrem nessa nova caminhada. É fato notório que Brannagh assume para si a persona alleniana, incorporando trejeitos típicos do diretor, como se fosse ele próprio em cena. Aqui reside um dos argumentos dos detratores de Allen para classificá-lo como egocêntrico. Seja como for, não interessa encontrar as razões que o levam a isso, mas apreciar mas esse apaixonante exercício de estilo do cineasta, que volta a usar fotografia em preto e branco, e também um elenco estelar. Essa era a tendência que ele vinha demonstrando desde "Todos dizem eu te amo" (1996), e que se encerraria por ali.
Quem conhece um pouco do universo do diretor vai encontrar, como de hábito em seus filmes, muita verborragia, traduzida num tipo de humor muito rebuscado, que não se firma em piadas óbvias, e lida o tempo todo com temas ousados ou até polêmicos, mas também universais. O público encontra em "Celebridades" a afetação dos ricos e famosos, com todas as suas neuroses e inseguranças. Os personagens não apresentam um perfil heroico, irrepreensível, mas exteriorizam sua inquietude com o que são e com a maneira como vivem. Alguns tipos são facilmente reconhecidos no mundinho dos astros e aspirantes a tal posto, e que, no filme, são personificados com grande talento por nomes como Melanie Griffith (há tempos longe de um grande papel) e Leonardo DiCaprio. A dobradinha formada por eles, nos papéis de amantes, rende cenas tanto hilárias quanto reflexivas. Griffith dá vida a uma atriz em ascensão que passa por Lee, e está interessada em toda a visibilidade que a fama pode trazer para ela. DiCaprio, por sua vez, se sai muito bem como um sujeito rufião, que impõe sua virilidade à custa de muita violência. Qualquer semelhança como jovens atores cheios de empáfia que pipocam diariamente nas revistas de fofoca não terá sido mera coincidência...
Com um elenco tão numeroso, Allen consegue construir uma ampla galeria de personagens, e há espaço inclusive para modelos cheias de beleza, mas conteúdo, nem tanto. É quando surge Charlize Theron, linda, como uma das "figuras públicas" com as quais o protagonista se envolve. A parceria entre Allen e Theron ainda renderia "O escorpião de jade", três anos depois. O que parece mover o tempo todo esse personagem é a busca por um lugar no mundo, característica sintomática na obra de Allen. Como homem, ele quer estar encaixado em alguma prateleira , e, como artista, entender seu verdadeiro papel. Como é comum com cineastas de grande talento, na filmografia de Allen há uma temática recorrente, conhecida com facilidade. A graça não está em ser sempre original, mas em tratar de um mesmo assunto por meio de diversas abordagens. Nada mais é do que olhar o velho como se fosse novo. A viagem pelo universo mágico que é o cinema, então, torna-se mais importante do que a chegada propriamente dita.

"Celebridades" mantém um ritmo regular, evidenciando novamente o timing perfeito de Allen para fazer suas colocações sarcásticas sobre a guerra de egos que se trava, silenciosamente ou não, nos bastidores daqueles cujas vidas são sinônimo de glamour, e alimentam a curiosidade quase doentia dos "pobres mortais" que os admiram a uma certa distância. A frivolidade desses chiques e vazios é quase aviltante para as ditas celebridades, mas constitui uma excelente argamassa para o filme se tornar nada menos que ótimo. Tem-se o emprego da metalinguagem com bastante eficiência, tal qual o diretor já fizera em "A rosa púrpura do Cairo", gema de sua carreira situada na década de 80. O roteiro bem azeitado, a cargo do diretor, como usualmente, é mais um indício de que há uma boa história a ser contada.
São muitos os destaques do filme, e citar todos requereria, pelo menos, um parágrafo para cada um. A constelação alleniana se completa, além dos nomes supracitados, com Winona Ryder, Hank Azaria, Joe Mantegna, Bebe Neuwirth, e até Sam Rockwell numa pequena aparição. Dá prazer ver tanta gente boa em cena, demonstrando entrega a seus personagens. Realmente, essa não é uma das obras-primas do diretor, mas entusiasma por sua construção acurada e interessante, aliando bons diálogos, ótimas sequências, e uma boa reflexão sobre o que é ser famoso nesses dias de hoje. Com uma mescla de jogo de aparências, atos inconsequentes e a insatisfação que move a todos nós na procura pelo rompimento da monotonia.

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