Na atual década, o ritmo de produção de Woody Allen continua sendo de um filme por ano, o que rende sempre novos exercícios de observação do diretor, regados com muita graça e perspicácia. O ano de 2001 foi de "O escorpião de jade", uma comédia totalmente despretensiosa que narra as peripécias de um investigador de uma companhia de seguros tão exímio quanto retrógrado, que atende pelo nome de C.W. Briggs (o próprio Allen). Ele trabalha há anos em um escritório onde há vários outros investigadores, especialistas em áreas diversas.
Desde sempre, Briggs reina absoluto naquele lugar, sendo um dos mais importantes profissionais do estabelecimento. Mas o que acaba se revelando seu maior defeito é sua inflexibilidade em relação ao novo, o que gera conflitos hilários entre ele e a senhora Betty Ann Fitzgerald (Helen Hunt), que chega ali disposta a fazer uma revolução, modernizando tudo o que considera ultrapassado no ambiente.
Conservador ao extremo, Briggs parece o último remanescente de uma era que não existe mais. Enquanto os outros colegas aceitam prontamente as alterações promovidas por ela, Briggs demonstra gostar mesmo de trabalhar à moda antiga. Essa diferença de pensamentos causa discussões veementes entre os dois, sempre num tom bastante cômico. Allen já provou que domina a comédia como poucos, e coloca na boca dos personagens afirmações divertidíssimas sobre os mais variados assuntos. Está declarada a guerra entre ambos, que transforma o escritório onde trabalham em um campo de batalha em que cada um quer fazer valer sua opinião.
Para piorar, Betty é amante de Chris Magruder(Dan Aykroyd), o chefe do local, o que é mais uma deixa para que Briggs implique com sua nova adversária. Ele tem certeza de que todo o poder que ela tem nas mãos vem do fato de estar tendo um caso com o manda-chuva dali. O que acaba unindo os dois, sem que eles queiram ou se deem conta disso, é um mágico picareta que lhes aplica uma espécie de hipnose na noite em que todos do escritório vão assistir à sua apresentação. Voltan, o mágico, faz com que eles se tornem marionetes em suas mãos quando começa a usá-los para praticar roubos de joias, inclusive a valiosa peça que dá nome ao filme. Por telefone, ele dá ordens a Briggs e Betty, para que executem crimes que jamais despertarão suspeitas sobre ele, a verdadeira mente por trás dos delitos. A criatividade do diretor aparece mais uma vez aqui, pois, é ao ouvir palavras pouco usuais como Constantinopla que os dois inimigos de ocasião praticam os tais roubos. As investigações para descobrir quem está cometendo aqueles crimes logo se iniciam, e uma série de situações muito engraçadas estão por vir.
Basicamente, "O escorpião de jade" se apoia nesse enredo simples e não tão original. Afinal, ver um homem e uma mulher às turras, sendo que, na verdade, eles estão profundamente atraídos um pelo outro está longe de ser novidade. Esse é um manancial perene para o cinema desde muito tempo. E Allen também se utiliza dessa premissa aqui. No caso desse filme, o resultado é para além do razoável, trazendo um riso descompromissado no espectador que acompanha as desventuras vividas por esse casal em potencial. Allen volta a assumir o papel de protagonista com sua maneira inconfundível de gesticular que seus fãs sabem reconhecer de longe. E o discurso aparentemente superficial criado pelo diretor esconde algumas boas considerações sobre o amor, as relações que pode haver entre homens e mulheres e as contradições do ser humano. Aí está um grande achado do filme, que escapa da banalidade por apresentar insights de humor inteligente e arguto.
Por meio de "O escorpião de jade", Allen faz um filme à moda antiga, que se traduz, também, na ambientação da história na década de 40. Essa época é notória em Hollywood, como um tempo em que vários cineastas produziam seus filmes noir. Como Alfred Hithcock, que desde sua fase inglesa era responsável por clássicos indiscutíveis como "Rebecca - A mulher inesquecível" (1940) e "Festim diabólico" (1948). No subtexto de seu filme, Allen faz uma bela homenagem a essa era áurea de que muitos se gabam ainda hoje. O filme não está entre as obras-primas allenianas, mas traz boas piadas e um texto interessante e cheio de senso de humor sobre o ser humano. E, como já virou quase um provérbio, um Woody Allen pouco inspirado ainda é muito melhor que a maioria das comédias medíocres que assolam o circuito e se alastram rapidamente, como ervas daninhas.
18 de fev. de 2010
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