
Desde sempre, Briggs reina absoluto naquele lugar, sendo um dos mais importantes profissionais do estabelecimento. Mas o que acaba se revelando seu maior defeito é sua inflexibilidade em relação ao novo, o que gera conflitos hilários entre ele e a senhora Betty Ann Fitzgerald (Helen Hunt), que chega ali disposta a fazer uma revolução, modernizando tudo o que considera ultrapassado no ambiente.
Conservador ao extremo, Briggs parece o último remanescente de uma era que não existe mais. Enquanto os outros colegas aceitam prontamente as alterações promovidas por ela, Briggs demonstra gostar mesmo de trabalhar à moda antiga. Essa diferença de pensamentos causa discussões veementes entre os dois, sempre num tom bastante cômico. Allen já provou que domina a comédia como poucos, e coloca na boca dos personagens afirmações divertidíssimas sobre os mais variados assuntos. Está declarada a guerra entre ambos, que transforma o escritório onde trabalham em um campo de batalha em que cada um quer fazer valer sua opinião.
Para piorar, Betty é amante de Chris Magruder(Dan Aykroyd), o chefe do local, o que é mais uma deixa para que Briggs implique com sua nova adversária. Ele tem certeza de que todo o poder que ela tem nas mãos vem do fato de estar tendo um caso com o manda-chuva dali. O que acaba unindo os dois, sem que eles queiram ou se deem conta disso, é um mágico picareta que lhes aplica uma espécie de hipnose na noite em que todos do escritório vão assistir à sua apresentação. Voltan, o mágico, faz com que eles se tornem marionetes em suas mãos quando começa a usá-los para praticar roubos de joias, inclusive a valiosa peça que dá nome ao filme. Por telefone, ele dá ordens a Briggs e Betty, para que executem crimes que jamais despertarão suspeitas sobre ele, a verdadeira mente por trás dos delitos. A criatividade do diretor aparece mais uma vez aqui, pois, é ao ouvir palavras pouco usuais como Constantinopla que os dois inimigos de ocasião praticam os tais roubos. As investigações para descobrir quem está cometendo aqueles crimes logo se iniciam, e uma série de situações muito engraçadas estão por vir.

Basicamente, "O escorpião de jade" se apoia nesse enredo simples e não tão original. Afinal, ver um homem e uma mulher às turras, sendo que, na verdade, eles estão profundamente atraídos um pelo outro está longe de ser novidade. Esse é um manancial perene para o cinema desde muito tempo. E Allen também se utiliza dessa premissa aqui. No caso desse filme, o resultado é para além do razoável, trazendo um riso descompromissado no espectador que acompanha as desventuras vividas por esse casal em potencial. Allen volta a assumir o papel de protagonista com sua maneira inconfundível de gesticular que seus fãs sabem reconhecer de longe. E o discurso aparentemente superficial criado pelo diretor esconde algumas boas considerações sobre o amor, as relações que pode haver entre homens e mulheres e as contradições do ser humano. Aí está um grande achado do filme, que escapa da banalidade por apresentar insights de humor inteligente e arguto.
Por meio de "O escorpião de jade", Allen faz um filme à moda antiga, que se traduz, também, na ambientação da história na década de 40. Essa época é notória em Hollywood, como um tempo em que vários cineastas produziam seus filmes noir. Como Alfred Hithcock, que desde sua fase inglesa era responsável por clássicos indiscutíveis como "Rebecca - A mulher inesquecível" (1940) e "Festim diabólico" (1948). No subtexto de seu filme, Allen faz uma bela homenagem a essa era áurea de que muitos se gabam ainda hoje. O filme não está entre as obras-primas allenianas, mas traz boas piadas e um texto interessante e cheio de senso de humor sobre o ser humano. E, como já virou quase um provérbio, um Woody Allen pouco inspirado ainda é muito melhor que a maioria das comédias medíocres que assolam o circuito e se alastram rapidamente, como ervas daninhas.
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