Para quem gosta de acompanhar bons filmes vindos do território alemão, uma grande indicação é o ótimo "Contra a parede" (Gegen die Wand, no original), dirigido com competência e traquejo por Fatih Akin. Ele é habilidoso ao se propor - e conseguir, por inúmeras justificativas -, pincelar um retrato dos conflitos enigmáticos entre coração e razão por meio de seus protagonistas e a teia de incertezas na qual ambos se envolvem, à medida em que a trama se desenrola.
Os personagens principais são Cahit (Birol Ünel) e Sibel (Sibel Kekilli), que se conhecem e se aproximam numa situação um tanto atípica. Ele é um alemão com raízes turcas, e ela tem uma família conservadora demais para seu espírito libertário, o que a leva a ter uma ideia quando o encontra. Sibel propõe casamento a Cahit, unicamente como forma de escapar com legitimidade das regras sufocantes de seu clã.
O que, para ela, representa desde o começo a saída perfeita, para ele surge como um absurdo. Cahit está deprimido por não estar mais com sua namorada, o que já o levou a uma atitude de desespero, que dá significado literal ao título do filme. Contudo, aos poucos, ele se dobra e compra o plano de Sibel. Para tanto, forja inclusive uma família turca, ajudado por alguns amigos, companheiros de libações. Em pouco tempo, eles estarão casados, selando um pacto de conveniência que não os impede de seguir com suas vidas de antes. Portanto, Sibel permanece como uma devoradora de homens, indo a noitadas e colacionando parceiros. Sua relação com Cahit é de uma ternura contida, própria dos que se conheceram em circunstâncias inusitadas. Em uma passagem do filme, ela quase chega a fazer sexo com ele, mas recua, pois acredita que a consumação do casamento indicaria que um passaria a ser, de fato, do outro, definitivamente. A visão da personagem sobre o amor e o prazer é dissecada a partir desse ponto, mostrando uma perspectiva parecida com a de muitas jovens mulheres contemporâneas e, mais ainda, com a de muitos homens, tidos como práticos por natureza.
Até então, a narrativa de "Contra a parede" segue num rumo aparentemente previsível. Mas tudo muda à medida em que Cahit começa a desenvolver uma paixão por Sibel, que não corresponde. Esse sentimento o leva a cometer uma loucura, quando ele decide se vingar de um dos parceiros da esposa. Desse ato impulsivo, virão consequências altamente prejudiciais para eles, ainda mais para Cahit. Com a separação, inevitável, virão novos rumos em suas vidas, que pegarão o espectador de surpresa. O jogo engendrado por Akin começa a ganhar contornos mais instigantes após esse momento do filme, já que quem esperava pelo florescimento de uma história de amor tem suas expectativas lançadas por terra sem piedade. Akin não é um diretor de muitas concessões, e aqui não há espaço para casalzinho apaixonado. Muito pelo contrário. Por isso, quem quer ver mais um romance surgido de adversidades em comum pode ficar um tanto decepcionado, pois esse não é o interesse do cineasta.
Muito do encanto do filme está nessa quebra de expectativas, na mudança de rumo tomada pelos protagonistas, que caminham cada vez mais para lado opostos. Contar mais do que acontece é tirar a graça de um conto moderno sobre os descaminhos da vida, que prega peças o tempo todo. A câmera de Akin flagra a dissolução de certezas, evidenciando que nada é perene, e que cada lado envolvido numa relação amorosa ou de conveniência pode estar numa sintonia bastante diversa do outro lado.
Alguns detalhes da história são dados da vida pessoal do diretor. Assim como Cahit, Akin tem ascendência turca, e a intenção de filmar o enredo de "Contra a parede" nasceu de uma experiência vivida por ele de verdade. Uma jovem, certa vez, lhe propôs um casamento de fachada para que pudesse se ver livre das "amarras" que a prendiam à sua família. Acreditou que esse imbróglio daria um bom filme, e tinha toda a razão. Seu roteiro engenhoso e centrifugador de lugares-comuns endossa a tese de que o longa não é perda de tempo.
Vale destacar, ainda, a trilha sonora excepcional, e perfeitamente encaixada aos passos dados por Cahit e Sibel em sua trajetória tortuosa. Elas são cantadas de forma meio à parte, por uma cantora sensacional, acompanhada de uma banda que executa em seus insrumentos exmplares preciosos da música turca. Por toda essa conjunção de fatores, "Contra a parede" merece um lugar na ribalta de filmes de diretores de talento e com uma boa históri para contar.
27 de jan. de 2010
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