Certos diretores, ao ecoar de seus nomes, logo são associados ao termo cult, o que pode ser tanto pejorativo quanto elogioso, a depender do gosto de quem está classificando. Jim Jarmusch, representante do cinema independente, com muita facilidade se enquadra em tal definição, a qual também pode ser limitadora.
Entretanto, em "Sobre café e cigarros" o adjetivo é a melhor escolha para comentar a proposta que Jarmusch apresenta. O filme é uma compilação de onze curtas-metragens rodados durante vários anos que, juntos, compõem um mosaico interessantíssimo da diversidade de assuntos que pode pairar entre amigos, e que exala um forte aura cult. Para todos eles, Jarmusch abriu mão das cores, como já fizera antes em "Estranhos no paraíso", exercitando seu estilo e fazendo um recorte da realidade ao optar pelo preto e branco.
À sua frente, um elenco primoroso se encarrega de interpretar a si mesmo, em sua maioria, ou de dar vida a personagens no mínimo curiosos e dignos de uma galeria de achados imperdíveis. A lista de atores, ou de colaboradores, por assim dizer, é extensa e eclética. Estão lá Cate Blachett, genial como primas que mais parecem gêmaeas univitelinas, Bill Murray, em mais uma composição impecável, além de Iggy Pop, Isach de Bankolé, Roberto Benigni, Steve Coogan e Alfred Molina. Os dois últimos, aliás, estão no pirmeiro de todos os curtas, ou seja, o mais antigo, filmado ainda nos anos 80.
O que une os onze curtas é um detalhe simples: entre um gole de café e uma tragada num cigarro, pessoas comuns conversam sobre fatos corriqueiros da vida, e alguns outros nem tanto. Entre os assuntos abordados nos vários segmentos do filme, estão: Paris nos anos 20, o modo correto de se preparar um chá inglês, o uso de nicotina como inseticida, picolés de cafeína, Elvis e Costello, as invenções de Nikola Tesla, e vários outros. Tudo envolto em um clima de agradável camaradagem, de conversa jogada fora entre amigos que se conhecem há tempos.
Basicamente, "Sobre café e cigarros" está alicerçado nessa combinação simples e eficaz. O uso de preto e branco também funciona metaforicamente, já que remete ao preto do café e ao branco do cigarro, coadjuvantes em todos os curtas, invariavelmente. Nos diálogos inspirados dos personagens, Jarmusch faz um apanhado instigante de elementos do cotidiano, lançando um olhar acurado sobre coisas que se fazem e se dizem quase automaticamente, sem que se perceba. O espectador que espera algo de extraordinário ao assistir ao filme pode se desapontar. Não há grande inventividade no que o diretor apresenta. Na verdade, a inovação não está na forma, e sim no conteúdo.
A atmosfera de intimidade entre velhos conhecidos é reforçada o tempo todo, e alguns trechos de longas acabam alcançando mais brilho que outros. Não deixa de ser um filme com estrutura episódica, em que o maio clichê é a irregularidade. Porém, em "Sobre café..." essa desagradável característica é quase incipiente. Há que se destacar o curta com Bill Muray, cômico na medida exata na pele de um atendente, e no trecho protagonizado por Vinny Vella e Vinny Vella Jr., ótimos como pai e filho em comentários agridoces sobre assuntos do dia a dia. É nesse caminhar paciente que surgem a graça, o inesperado, o triste, o bizarro e o divertido.
No geral, tudo o que se vê na tela é uma grande celebração da vida e de acontecimentos simples, que movem a existência de cada um. Ao retratar personagens com uma forte tendência a verborragia, e não se preocupar tanto com ação, Jarmusch acaba distanciando seu filme do público comum, deixando-o como um prazer do qual usufruem pequenas plateias. Seja como for, observar o lento desenvolver das linhas da vida, sem a pressa que alucina, também pode valer muito a pena. E "Sobre café e cigarros" entra nessa proposta, sevindo para refletir e também como um ótimo exercício de contemplação.
23 de jan. de 2010
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