24 de jul. de 2011

A família Savage, um pequeno tratado sobre flagrantes da vida humana


Com várias qualidades apresentadas ao longo de sua duração, A família Savage (The Savages, 2007), é a estreia de Tamara Jenkins na cadeira da direção. Para seu début cinematográfico, ela escolheu observar uma temática que é constantemente comentada pela sétima arte: as relações familiares. A análise da diretora se dá por meio das figuras de Wendy (Laura Linney) e Jon (Philip Seymour Hoffman), que têm um relacionamento tumultuado há tempos. A reaproximação entre eles acontece por ocasião da doença do pai, Lenny (Philip Bosco), um homem de personalidade dominadora que agora precisa da ajuda de ambos. Da troca de acusações inicial, movida pelos ressentimentos particulares de um e de outro, surge a necessidade de entendimento mútuo, para que um bem maior, nesse caso, a restituição da saúde de Lenny, seja alcançado. E assim começa a interessante discussão proposta pela diretora sobre os laços que, invariavelmente, unem pessoas que não escolheram previamente estar vinculadas umas às outras.
A força de A família Savage está em seus diálogos bem escritos, resultado do roteiro original escrito pela própria Jenkins. O texto acentua as nuances dramáticas que perpassam a convivência algo forçada que passa a existir para o trio, e é belamente interpretado pela dupla de atores principais, que fez muito bem em aceitar o convite da cineasta para atuarem juntos. Linney e Seymour Hoffman são dois dos melhores atores de sua geração, e apresentam grande sintonia em cena, sendo responsáveis pelos instantes de reflexão e também de sorrisos de canto de boca, provocados pela naturalidade com que encaram os contextos propostos pelo roteiro. Fica a impressão de que os dois já tinham uma parceria de longa data, mas toda a empatia entre ambos foi talhada ao longo das filmagens do longa-metragem. Cumpre ressaltar também o talento de Philip Bosco, que faz de seu Lenny uma figura multilateral, a quem se pode amar ou detestar com as mesmas facilidade e intensidade. O veterano não tem surgido na tela com tanta frequência, o que reafirma a validade de tê-lo no elenco do filme, na pele de um pai que serve de catalisador para o transbordar das mágoas e feridas ainda não cicatrizadas que cada irmão carrega.
À parte do drama de ter o pai necessitado de sua atenção, os irmãos vivem suas vidas particulares. Wendy é dramaturga no East Village, e está em busca de doações para a montagem de sua peça, além de ter um namorado casado que não se cansa de enganá-la, e ela também rouba materiais de escritório. Jon, por sua vez, é professor universitário em Boston, e já publicou alguns livros sobre assuntos obscuros, fato que é comentado com pitadas de sarcasmo pela sua irmã em algum momento da narrativa. Com a doença do pai, Wendy e Jon têm de aprender a equilibrar suas desventuras pessoais com a premência da proximidade do genitor, que também tem suas verdades para lançar nos seus rostos. A família Savage é essencialmente um drama, mas essa sua característica não impede que as sequências também sejam atravessadas por um quê de comicidade, como acontece nas situações triviais da vida real. A depender do ângulo sob o qual se vislumbra determinado fato, ele pode ganhar dimensões engraçadas, e Jenkins se vale dessa afirmativa em várias passagens de seu filme. Não há nada de novo ou extraordinário aqui, apenas a trama de um pai e seus dois filhos e, ao mesmo tempo, de dois irmãos, que evidencia o peso que as relações familiares têm sobre cada indivíduo.



As excentricidades de Jon e de Wendy são as grandes fontes de conflitos entre eles, que vão acompanhando, em paralelo, o avançar do processo de demência de Lenny. Há momentos de desconforto para ambos, que têm de lidar com a cada vez mais completa dependência que o pai passa a ter. As manias e singularidades de cada um também são os fatores que os tornam mais humanos e palpáveis, longe de uma aparência e um aspecto psicológico idealizantes. O filme não se furta da aura de comédia dramática (ou drama cômico) indie, e não desperdiça sua narrativa em cacoetes visuais e interpretativos, fluindo como água límpida que escorre pela nascente de um rio, até que chegue ao seu leito. Como trabalho prioritariamente dialogal, A família Savage exibe virtudes e marcas autorais, algo fundamental em uma arte que ganha tristes contornos industriais quando focaliza a arrecadação de divisas em detrimento de se apresentar como espaço de reflexão e catarse. Existe um pouco de Wendy e de Jon em cada espectador, o que comprova a possibilidade de identificação que eles podem gerar.
Conclui-se, a partir dessa breve exposição, que a estreia de Tamara Jenkins na direção habita a esfera do minimalismo: nada além do realmente necessário e imprescindível. A ação está totalmente concentrada nos dramas e dilemas morais que cada um vai enfrentando à medida que o tempo passa, e a necessidade de lidar com os problemas vai crescendo. O público não é subestimado em sua inteligência através do enredo, e pode ter sua posição de mero espectador sacudida ao longo do seu desenvolvimento. Não se trata de uma questão de escolha por um lado ou por outro. Não há um mocinho ou um vilão na história, cada um é muito humano, e pode apresentar razoabilidade e intransigência. A irregularidade da condução é discreta, incapaz de comprometer o resultado final de uma obra que se pode proclamar simples mas eficiente, algo cruel mas capaz de despertar algum calor. Aqui, por mais que haja uma quase ausência de trama, há anti-dramaticidade, como uma concepção angular em que se prefere espiar o lado convexo de um estado de coisas.

Nenhum comentário: