2 de jun. de 2011

Angústias e alegrias de crescer em As melhores coisas do mundo


De tempos em tempos, o cinema traz uma história contada sob a ótica de uma criança ou de alguém que está entre o fim da infância e o começo da adolescência. O caso de As melhores coisas do mundo (idem, 2009) é o segundo. A diretora chega ao seu terceiro filme mostrando que sabe conduzir uma trama com leveza e presença de espírito, tal qual havia demonstrado no predecessor Chega de saudade (idem, 2007). Se no trabalho antecedente ela narrou o cruzamento de vidas que tinham em comum o arrasta-pé em um salão de baile e o utilizou como uma metáfora para os (des)caminhos da vida, no seu trabalho mais recente ela tematiza a respeito das dificuldades que se apresentam a um adolescente que está em busca de autoentendimento e de compreensão do mundo. Trata-se de Laís Bodansky, que estreou no celuloide com Bicho de sete cabeças (idem, 2000) onze anos atrás. Se entre seus dois primeiros filmes o hiato foi considerável, dessa vez ela não se demorou demais para entrar um novo retrato afetivo de uma geração. A cineasta retrocedeu da velhice e seus desdobramentos para se dedicar aos recém-ingressos à puberdade.
Como protagonista, ela elegeu Francisco Miguez, que dá vida a Mano, um garoto de apenas 15 anos que está tentando entender a bagunça generalizada que virou sua vida com a profusão de hormônios que estão agindo sobre ele. O filme acompanha seu cotidiano de maneira despojada e descontraída, com uma câmera atenta a cada acontecimento. Mano é um adolescente típico, algo que o roteiro escrito por Luiz Bolognesi com base em uma série de livros faz questão de salientar ao longo da narrativa. Aliás, o filme é contado sob o viés de Mano, um narrador onisciente que compartilha com o público as suas descobertas. Estão lá as agonias básicas de quem atravessa esse período da vida, como a incerteza sobre os sentimentos por outrem, a vontade quase insana de testar limites e experimentar novos conceitos e a dificuldade em dialogar com as gerações anteriores, representados pelas figuras dos pais, Camila (Denise Fraga) e Horácio (Zé Carlos Machado), ambos corretos em suas atuações.
Uma rápida análise de As melhores coisas do mundo dá conta de perceber que ele é complementar e contemporâneo de outro longa-metragem brasileiro: À deriva (idem, 2009), de Heitor Dhalia. Se neste último as dores de crescimento são vistas pelo olhar de uma menina, no filme de Bodansky predomina a visão masculina. Com isso, os diretores oferecem um contraponto interessante entre os ângulos de um e outro sexo, bem como se aproximam ao mostrar aquilo que é comum a eles e a elas. Vale a pena assistir a um e a outro para enxergar esses paralelos e esses traços distintivos, capturados com maturidade e naturalismo pelos cineastas. Além disso, ambos são seus respectivos terceiros filmes, o que indica um movimento convergente de aproximação da adolescência como objeto de observação. Há sempre o que comentar a respeito dessa fase da vida, e tanto Bodansky quanto Dhalia dialogam, cada qual ao seu modo, com o cinema praticado por Gus Van Sant, sendo embaixadores brasileiros de uma estética simples e eficiente no trato com a juventude. Como Van Sant, a abordagem de Bodansky é mormente expositiva, despreocupada em fazer julgamentos ou de criar associações deterministas. Mano é um garoto de classe média, com certos privilégios que uma boa parcela de meninos da sua idade não possuem, mas cuja história de vida até ali é permeada pela verossimilhança. É fácil para qualquer adolescente se ver na tela, e o filme ganha pontos com isso, afinal é feito para e pelo público juvenil, ávido de se reconhecer em veículos de comunicação e entretenimento. O efeito catártico, por mais que não seja conhecido por parte do público com esse termo, ou sequer nomeado, é requerido e desejado por todos, inclusive os jovens.


O elenco de coadjuvantes é outro detalhe que chama a atenção em As melhores coisas do mundo. Pela tela, desfilam os já citados Fraga e Machado, além do tarimbado Caio Blat, que já se especializou em personagens joviais, e que aqui se reveste de uma aura de maturidade para interpretar um dos professores do colégio de Mano, que se envolve num dos problemas de seu aluno. Com a contenção que seu papel exige, ele oferece nuances de personalidade como Artur, provando que é um dos bons atores de sua faixa etária. O mesmo se pode dizer de Paulo Vilhena, muito mais associado a teledramaturgia, mas que demonstra no filme uma capacidade notável como um eventual conselheiro sentimental de Mano, e professor de violão de algumas tardes na semana. Sua participação é discreta, mas suficientemente marcante para intervir na narrativa e, especificamente, na trajetória do protagonista. Tais atuações destacadas aqui só reafirmam o quanto a direção de atores de Bodansky é boa, fato que já havia sido comprovado com o elenco afiadíssimo de Chega de saudade. A diretora extrai desempenhos poderosos dos nomes envolvidos em sua produção, como se, em muitos momentos, diluísse a fronteira entre o ator e o personagem, tamanha a entrega ao papel que cada um defende. Cabem elogios inclusive a Filipe Galvão, mas conhecido pelo codinome Fiuk, que dá vida ao irmão mais velho e deprimido do protagonista e contribui para acentuar o peso dramático que repousa sobre o dia a dia de Mano.
O filme foi muito bem recebido no Cine PE, um festival audiovisual, no qual recebeu inúmeras indicações, tendo sido vencedor nas categorias de filme, ator, diretora e roteiro, entre outras. São vitórias merecidas, que coroam o esforço de bons profissionais em contar uma história simples e tocante.Como em seu filme anterior, a cineasta encantou a plateia, e deu um motivo a menos de reclamação para aqueles que insistem em declarar que o cinema brasileiro só oferece retratos de violência e miséria. As melhores coisas do mundo vai na contramão dessa temática, e seu título solar e otimista ajuda a evidenciar sua proposta de ser aproximante do universo juvenil sem ser chato. É um filme escrito e dirigido por adultos, mas com uma pegada que torna possível pensar que tenha sido uma obra de jovens. De alguma forma, é como se o longa fosse um precursor de Desenrola (idem, 2010), trabalho que Rosane Svartman dirigiu e que recebeu muito elogios, ganhando os cinemas no início de 2011. Mano é um rapaz comum, longe do arquétipo de adolescente louro de olhos azuis com pinta de galã. Essa sublimação da inverossmilhança também ajuda a chamar a atenção para o filme, e a declarar que histórias sobre pessoas com as quais se pode esbarrar na próxima esquina também têm o seu valor.

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