31 de mai. de 2011
Lemon tree e a necessidade de pontes comunicativas
Associado aos conflitos permanentes por conta de divergências históricas que seguem se arrastando, o Oriente Médio é muitas vezes relegado a décimo plano no circuito comercial. Esse é um dos principais motivos para que se atente para Lemon tree (Etz limon, 2007), filme de Eran Riklis que trata de modo indireto das dificuldades de comunicação e entendimento entre palestinos e israelenses. O longa-metragem é uma das raras produções daquela região do globo a alcançar o solo brasileiro, a despeito da produção relativamente profusa dali. E sua abordagem para uma temática notadamente recorrente é pelo viés parabólico, uma vez que o diretor se vale da figura de uma mulher e seu pomar de limoeiros. Ela atende pelo nome de Salma Zidane (Hiam Abbass), e cuida daquela plantação com extrema dedicação, colocando sua alma no que faz.
O impasse da narrativa se dá quando o ministro da Defesa de Israel se muda para a casa contígua à de Salma, e seus homens de confiança passam a acreditar que os limoeiros oferecem um grande perigo à sua segurança, levando-os a cogitar a possibilidade de derrubá-los. Uma vez instaurado esse conflito, o diretor vai expandindo seu domínio narrativo para falar, nesse microcosmos, do quanto é necessário o diálogo ao ser humano, independentemente das circunstâncias em que ele se encontra. O grande entrave que permeia a trama é a decisão de derrubada da plantação e a resistência da proprietária em permiti-lo, por aqueles limoeiros representarem seu sustento e concentrarem uma importante memória afetiva. Some-se a isso o agravante de ela ser palestina, um dado que acentua a hostilidade que lhe é imposta. Por conta de sua situação de ameaça, Salma recorre a um advogado que se sensibiliza com a sua causa, mas que não a ilude e afirma peremptoriamente que sua vitória tem probabilidades remotas.
Lemon tree é um filme extremamente simples e que permite reflexões profundas acerca do trato com o ser humano e de como se pode relativizar uma verdade em prol da defesa de um interesse. Pouco importa aos assessores do ministro se a fonte de sustento de Salma são aqueles limões. Mais vale a segurança incondicional dele, a despeito dos prejuízos que a mulher pode ter. Por meio desse conflito particular, Riklis delineia um painel mais amplo, de alcance global, da falta de diálogo e da inclinação em entender o outro. O conceito antropológico de alteridade é bastante cabível nesse contexto, e consiste na capacidade de se colocar no lugar do outro, vendo-se como ele, enxergando suas peculiaridades, limitações, necessidades, anseios e qualidades. Salma é tolhida desse direito, e empreende uma cruzada desesperada pela sua concretização. Nesse aspecto, a abordagem do realizador é bastante humanista, e examina com uma lente de aumento a milenar “defeito” que perpassa a relação entre judeus e árabes, impassíveis um ante ao outro.
A concisão do filme é outro de seus aspectos favoráveis. Lemon tree é um filme enxuto em sua duração, não se estendendo ou se reduzindo no tema que se propõe a tratar. E as questões levantadas pelo diretor são tão corriqueiras quanto urgentes, das quais não se deveria fugir. Trata-se de uma obra que proporciona um debate salutar a respeito da real dimensão do humano em um mundo em que a dignidade do outro é cada vez mais pisoteada e lacerada. Justamente em um tempo no qual se mencionam tanto os direitos humanos, ainda muito distantes de uma aplicação efetiva. Salma não é levada em consideração quando se pensa na ideia de derrubar seus limoeiros, apenas se analisa a segurança de um homem que é visado por vários inimigos. A luta da protagonista é inglória, já que ela está se opondo a uma importante autoridade. Em meio à busca da personagem por justiça, ainda há espaço para que ela e seu advogado ensaiem um romance, o qual, todavia, nunca se mostra totalmente desenvolvido, concentrando-se muito mais nos olhares e nos pequenos gestos. Através do personagem do advogado, Riklis faz uma bela homenagem ao futebol brasileiro, na cena em que ele veste um casaco da Seleção quando vai ao encontro de sua cliente.
O filme teve uma carreira curtíssima nas salas de exibição cariocas, depois de uma passagem pela edição de 2008 do festival de Berlim, ano em que títulos como Rebobine, por favor (Be kind rewind, 2007) e Tropa de elite (idem, 2007) desfilavam para o público de uma das mostras mais tradicionais da Europa. Como já foi mencionado, Lemon tree se vale da simplicidade e da objetividade para narrar uma saga pessoal que serve como metáfora para uma análise da intolerância que reina entre os homens nos dias atuais, e de como se faz necessário o estabelecimento de pontes comunicativas para o encaminhamento de resoluções proveitosas para ambas as partes envolvidas em um conflito. Riklis não faz cinema panfletário, embebido em juízos de valor particulares, mas assinala a urgência de revisão de certas posturas, como as que envolvem a questão Israel-Palestina. O longa-metragem se insere em uma safra de títulos interessantes vindo daquela parte do mundo, entre os quais estão A banda (Bikur Ha-Tizmoret, 2007), de seu homônimo Eran Kolirin, e Valsa com Bashir (Vals im Bashir, 2008), de Ari Folman. Os três se oferecem como poderosas ferramentas de reflexão sobre a condição do homem palestino atual, mas não se circunscrevem em fronteiras geográficas. Para além delas, ensaiam sobre vícios e virtudes da natureza humana e do quanto ainda podemos ser inábeis no contato com o outro e na sua aceitação.
Vale ressaltar também o talento de Hiam Abass, que confere veracidade e intensidade à sua personagem, cuja história de vida é inspirada em um caso real. Cada gesto e cada olhar lançado por ela evidenciam uma mulher que aprendeu a ser forte a e lutar ferozmente contra qualquer um que a ameace. E Riklis expõe seu drama e conduz a sua história ao final sem necessariamente optar pela resolução mais fácil, mas pela mais crível e possível de se concretizar em uma realidade cotidiana. A atriz já havia trabalhado com o diretor em A noiva síria (The syrian bride, 2004), que foi seu primeiro trabalho atrás das câmeras. A seu favor, também está uma beleza madura e desconcentrante, que ela empresta à personagem, e que justifica plenamente o encanto despertado em seu advogado. Ela também desenvolve uma relação de afeto silencioso e velado com a mulher do ministro, que se opõe ao que estão fazendo com sua plantação, mas não se posiciona firmemente para impedir tamanha crueldade. O ministro, por sua vez, deixa que pensem por ele, e se resigna da decisão tomada por seus assessores, como se fosse a única possível de ser posta em prática. Nessa luta de Davi contra Golias, como alguém no próprio filme dá conta de definir apropriadamente, emergem as questões mais urgentes de um Estado que se autoimpõe com audácia a um povo de liderança governamental ainda obscura, em particular a uma mulher que tateia seu próprio espaço e se apega a um instrumento concreto que é, em última instância, um signo de sua sanidade.
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