24 de mai. de 2011

Separações: buscando definir o indefinível


Independentemente de época ou espaço geográfico, o tema das relações amorosas sempre se configura como um terreno fértil para reflexões e análises que podem ser muito interessantes e relevantes. São inúmeros os realizadores que decalcam desse assunto suas visões, ora bem-humoradas, ora trágicas. Separações (idem, 2002), de Domingos Oliveira, engrossa uma lista já bastante longa de filmes que abordam os relacionamentos, e triunfa sobre uma grande quantidade de títulos por sua aposta na sinceridade. O trabalho do diretor brasileiro é o de se agarrar a uma proposta que, em si mesma, está longe de ser inédita: percorrer as fases do amor. Estruturado em episódios, o filme focaliza a vida amorosa de Glorinha (Priscila Rozenbaum) e Cabral (o próprio Domingos), um casal como qualquer outro, que vivencia seus altos e baixos, absolutamente naturais depois de tantos anos juntos.
Um dos aspectos que logo salta aos olhos no casal é o fato de Cabral ser bem mais velho que Glorinha. Eles estão nitidamente insatisfeitos com o casamento, e tomam a decisão de “dar um tempo”, expressão que causa aos nervos de certos indivíduos um efeito similar ao de um trem fantasma. Aquele tempo reivindicado por Glorinha logo transformar-se-á em um suplício para Cabral, que não pode admitir e muito menos conviver com a distância daquela que ele considera a mulher da sua vida. O que começa com um afastamento premeditado e temporário torna-se, na verdade, uma separação. Mas, como o próprio título plurálico indica, haverá mais de uma separação na trajetória do casal, e Domingos tem um grande senso de verdade para analisá-las sob um filtro afetivo interessantíssimo. Glorinha acaba conhecendo e se envolvendo com Diogo (Fábio Junqueira), um arquiteto que tem a sua idade. Com isso, está armada a teia de idas e vindas que o casal protagonista passará a viver, e o espectador poderá, em diversos momentos, encontrar índices de identificação, encarando o relacionamento dos dois como um espelho de sua vida amorosa.
Como dito anteriormente, a estrutura de Separações é episódica, sendo cada um desses episódios uma fase distinta do relacionamento de Glorinha e Cabral. Entretanto, um aspecto interessante é o fato de as fases começarem a partir do intervalo proposto por ele. Dali em diante, surgem cinco episódios que buscam dar conta da complexidade de sentimentos que podem se instaurar na pessoa que, depois de se dar conta de uma decisão precipitada, tenta a todo custo revogar sua própria decisão. É Cabral que traz a ideia de dar um tempo e, depois, é ele mesmo quem demonstra arrependimento pela sua atitude. E, a cada novo momento dessa separação do casal, outras pessoas vão entrando em questão, como Ricardo (Ricardo Kosovski), um ex-namorado de Glorinha, Maribel (Nanda Rocha), namorada de Ricardo, e até a filha de Cabral, Júlia (Maria Ribeiro), que, curiosamente, passa por uma crise em seu casamento. Com todas essas pessoas envolvidas no processo longo do casal principal, Domingos traça, muitas vezes, um retrato afetuoso e engraçado dos relacionamentos, mostrando o óbvio e o bizarro de uma convivência a dois. Separações exala sinceridade, e seu conteúdo sublima a maior parte do tempo o aspecto encenatório que é necessário ao desenvolvimento do filme. Os personagens dialogam com o espectador na medida em que compartilham suas angústias com uma câmera paciente, que perscruta o mais íntimo dos seus sentimentos.

A estética adotada por Domingos Oliveira aqui é claramente teatral. O diretor não renega sua paixão pelos palcos, onde ele sempre está, seja como ator, seja com um texto seu sendo encenado. Ele é responsável por filmes que se inscreveram na história do cinema brasileiro, como Edu Coração de Ouro (idem, 1967) e Todas as mulheres do mundo (idem, 1966), sendo este último estrelado por Leila Diniz. No caso da montagem de Separações, é nítida a forma como os atores se posicionam em cena e diante da câmera, sempre fazendo menção de um movimento cênico que permite um diálogo e uma ponte com o gestual mais aparentado ao teatro. Além disso, a edição é ágil, com cortes precisos a maior parte do tempo, embora também haja alguns planos-sequência de duração extensa, como quando Cabral está sobre a poltrona de seu apartamento e não consegue se desvencilhar da lembrança de Glorinha, que surge aterradora em sua mente. Essa mesma cena também proporciona um paralelo com o humor adotado por Woody Allen, bem como se presta a uma associação com o fato de o diretor novaiorquino ter criado para si uma persona cinematográfica que muitos confundem com o próprio diretor. Como Allen, Domingos é extremamente verborrágico, mas com uma dicção que muitas vezes torna suas falas incompreensíveis, algo que responde também pela graça de suas tiradas. O diretor se propõe a fazer uma análise das frustrações que podem advir da falta de realização no amor, embasando seu percurso na máxima “É melhor se arrepender de ter feito do que de não ter feito.”
Calcado nessa estética da sinceridade, Domingos Oliveira faz de Separações um filme bonito e empolgante em muitas passagens. Seu trabalho de exumador da angústia de amar foi bem recebido pela crítica e também pelo público, garantindo-lhe uma exibição longeva no circuito comercial. Pelos festivais onde esteve, o longa também alcançou reconhecimento, tendo sido premiado no festival de Gramado nas categorias de melhor atriz e melhor atriz coadjuvante, respectivamente Priscila Rosenbaum e Suzana Saldanha, que interpreta Laura, a amiga de longa data e confidente de Cabral. No fundo, a noção de separação apresentada pelo cineasta é muito otimista, apesar de ele revestir seu filme de um aspecto um tanto cômico-trágico. É um movimento inverso ao realizado por Allen no recente Você vai conhecer o homem dos seus sonhos (You will meet a tall dark stranger, 2010), em que ele emprega uma aura pseudofeliz, que encobre um discurso impregnado de desalento. Ao final dos cinco episódios que marcam Separações, o efeito causado ao espectador pode ser muito semelhante ao de uma saída de recente de uma sessão de terapia, ou mesmo a de encerramento de uma conversa com amigos, como as que abrem e fecham o filme, de intenso efeito catártico.

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