Ao longo de várias décadas do século XX, o cinema italiano ofereceu a todo o mundo uma série de obras legendárias, criadas por nomes igualmente famosos: Visconti, Pasolini, Fellini, entre outros. Na atualidade, porém, não há mais o brilho de outrora. Afora um ou outro realizador,como Nanni Moretti, a Itália produz filmes inesquecíves e encantadores com pouca frequência.
Entre os nomes que podem ser associados a competência e talento está também Ferzan Özpetek. Esse diretor de ascendência turca é o responsável por "Um dia perfeito", adaptação do romance de Melania Mazzucco para o cinema. Com uma sensibilidade tocante, ele conduz uma obra de muitas ressonâncias, que fica na memória mesmo depois do acender das luzes da sala de exibição ou do fim de uma sessão em casa no DVD.
A câmera de Özpetek espia o cotidiano de um casal que se separou, e todas as consequências terríveis advindas desse fato, que poderia ser mais um, banal entre tantos outros, mas não é. Eles são Antonio e Emma, um dia já foram muito felizes, mas algo os atrapalhou na continuidade dessa caminhada lado a lado. A história já começa com um acontecimento trágico, um incidente que afeta várias pessoas. Para que o espectador entenda as razões que fizeram com que o fato se desencadeasse, a trama recua vinte e quatro horas no tempo, apresentando calmamente os personagens que, de alguma maneira, estarão envolvidos no fatídico dia seguinte.
Ao suceder das cenas, começa a suegir a compreensão dos fatores que geraram a tragédia. Antonio nunca se conformou com o fim de seu casamento com Emma, com quem teve dois filhos, e não a deixa em paz um só dia. As crianças insistem para que ela perdoe o pai deles, mas é em vão. Logo, a personalidade violenta de Antonio se impõe, numa perturbadora sequência de quase estupro entre ele e a ex-mulher. Essa passagem é carregada de tensão, e mexe com os nervos de espectadores mais sensíveis. Tem-se vontade de vê-la conseguindo se desvencilhar da perversidade do ex-marido. Daí para a frente, os filhos do ex-casal logo ganham a empatia do público, sendo vividos com muito talento por dois jovens atores.
O drama de Özpetek é apresentado como uma espécie de quebra-cabeças, em que as pontas, aparentemente soltas, vão se unindo e se entrelaçando, permitindo que se chegue a uma conclusão a respeito de seu final. Sim, o enredo é um tanto previsível, mas não a ponto de tirar o brilho das excelentes atuações nem o impacto das cenas que aparecem. Cada fotograma de "Um dia perfeito" é uma ode à beleza, e o filme, em si, carrega uma certa ironia de mau gosto do destino. Afinal, se o público não soubesse, de antemão, que algo terrível aconteceria, certamente iria pensar que tudo correria sempre às mil maravilhas. Com exceção da canhestra tentativa de reconciliação de Antonio com Emma, aquelas 24 horas haviam sido absolutamente agradáveis. Então, como não é o que verdadeiramente permanecerá, o filme transcorre atravessado pelo prenúncio de algo muito ruim no ar.
Vale a pena assistir a "Um dia perfeito" porque o cineasta conta muito bem a história. Nem sempre é preciso que haja originalidade para prender e conquistar o espectador. O relato de um drama humano, possível, como é o caso do filme, também pode interessar. Além disso, o filme ressalta que o cinema italiano não está agonizante, como se pode pensar. Ainda há muita vida pulsando nos diretores, que levam para as telas obras de grande valor. Cabe citar aqui, além do já citado Nanni Moretti, as mentes talentosas de Gianni Amelio e Kim Rossi Stuart, este último também ator, como responsáveis por uma boa safra de filmes vindos dessa terra. Finalmente, ratificando, acompanhar o desenvolvimento da trama de "Um dia perfeito" é maravilhoso, mesmo que o pesar tome conta depois do fim da sessão.
25 de fev. de 2010
23 de fev. de 2010
"O sétimo selo" e a crise da fé
O cinema de Ingmar Bergman é feito de questionamentos. A principal fonte das histórias filmadas pelo sueco são os interiores dos seres humanos, que geraram pérolas de valor inenarrável ao longo de sua profícua carreira nesse importante veículo artístico de comunicação. "O sétimo selo" não deixa mentir, já que também está fundamentado nessa tentativa de se entender os meandros da natureza do homem, pela via da imagem simbólica.
Na trama do filme de 1957, um cavaleiro volta à sua vila de origem depois de lutar nas Cruzadas com ferocidade. Seu nome é Antonius Block (Max Von Sydow), e o cenário por ele encontrado é de profunda desolação. A época é o século XIV, e parte da devastação é por conta da peste negra, doença mortal que dizimou milhões de vidas em várias partes do mundo conhecido até então. Do contato com essa realidade tão perversa, surge em Antonius um sentimento de enorme dúvida sobre a existência de Deus em meio a tamanho desalento. É essa busca incessante por desvendar o que, para ele, é um mistério, que norteia seus passos e palavras.
Nesse aspecto, o filme se apresenta com um teor realista muito forte. Mas também ganha tintas mais fantásticas quando surge para o protagonista uma estranha figura: a Morte, que lhe diz que sua hora é chegada. A imagem desse ser sinistro é acachapante para Antonius, mas ele desafia aquela entidade com uma proposta ousada. Por meio de um jogo de xadrez, ele pode ganhar uma sobrevida no caso de vencer, e é a partir desse encontro com a mais temida das horas que a trama ganha contornos existencialistas. Como em vários outros filmes de sua carreira, Bergman se utiliza do cinema para mergulhar nos fantasmas que o atormentam desde sua infância, entregando um verdadeiro tratado sobre a inquietude do homem diante do que o destino lhe impõe através de "O sétimo selo". Antonius é uma pessoa que não tem medo de questionar, e vai a fundo para se entender e entender a humanidade e o mundo. Isso o leva a um patamar de reflexão elevado, o que não significa, necessariamente, que ele encontre todas as respostas que procura.
Bergman lança as sementes da dúvida o tempo todo, sem se preocupar em dar explicações para tudo o que se vê na tela. Em certa medida, "O sétimo selo" pode ser entendido como uma parábola sobre a condição humana. Estamos sempre fadados a um destino, mas dificilmente o aceitamos resignados. Na verdade, não sabemos exatamente qual ele é, mas quando nos damos conta do que pode estar se tornando nossa vida, a eterna insatisfação que nos move clama por uma mudança de direção. Trata-se do mesmo sentimento que dilacera as expectativas de Antonius Bolock, e que alimenta sua angústia por não entender a realidade que o cerca, e muito menos o plano abstrato que o acompanha. Qual a razão daquela mortandade toda? Revolta divina? Castigo para os homens? Se Deus não existe, então estamos abandonados à própria sorte? Se Ele é real, somos peças de um tabuleiro de xadrez que ele move a seu gosto? São muitas as incertezas que assomam no coração de Antonius, todas derivadas de sua visão da morte e da desesperança que gritaram aos seus olhos no início do filme, e que perduram pelo resto da narrativa.
Em dado momento, diante de tantas perguntas que Antonius faz, um dos personagens lhe diz: "Você nunca para de questionar?", e ouve a resposta negativa dele. Na sua trajetória errante, Antonius ainda encontra um casal de artistas de circo com um filho pequeno, e é nas aparições quase fugidias desse núcleo que o filme, mesmo continuando em preto e branco, parece ganhar mais cor e luz. É como se Bergman quisesse nos dizer que a salvação do mundo estivesse na arte, em sua expressão mais bela e simples. As mazelas desse mundo já são tantas que é preciso encontrar uma maneira de deixá-lo mais palatável. É através da arte que o ser humano busca entender e compreender o mundo, e o cineasta parece ir ao encontro dessa afirmativa em "O sétimo selo". E faz isso com um talento incontestável, justificando o prêmio que o filme recebeu: o Urso de Ouro em Berlim no ano de 1957. Mesmo tão distante no tempo, afinal, já são mais de cinco décadas, o longa não ficou datado. Pelo contrário: permanece atual e inquietante, como uma autêntica e atemporal obra de arte.
O realizador não faz seu discurso pela via da gradiloquência, mas sim por meio da investigação do íntimo da fragilidade humana, detectando as pequenas agruras que nos consomem internamente, e nos levam muitas vezes a ter a existência por dolorida. Não à toa, o filme conquistou um lugar de honra na ribalta dos melhores do todos os tempos. É praticamente impossível elaborar uma lista de clássicos ou de filmes indispensáveis sem incluir "O sétimo selo". Para sempre, ele será lembrado como um poderoso instrumento de reflexão e de imersão na alma. Sua visão é voltada para a tentativa de entendimento do desconcerto do mundo, tão evidente quanto inquietante.
Na trama do filme de 1957, um cavaleiro volta à sua vila de origem depois de lutar nas Cruzadas com ferocidade. Seu nome é Antonius Block (Max Von Sydow), e o cenário por ele encontrado é de profunda desolação. A época é o século XIV, e parte da devastação é por conta da peste negra, doença mortal que dizimou milhões de vidas em várias partes do mundo conhecido até então. Do contato com essa realidade tão perversa, surge em Antonius um sentimento de enorme dúvida sobre a existência de Deus em meio a tamanho desalento. É essa busca incessante por desvendar o que, para ele, é um mistério, que norteia seus passos e palavras.
Nesse aspecto, o filme se apresenta com um teor realista muito forte. Mas também ganha tintas mais fantásticas quando surge para o protagonista uma estranha figura: a Morte, que lhe diz que sua hora é chegada. A imagem desse ser sinistro é acachapante para Antonius, mas ele desafia aquela entidade com uma proposta ousada. Por meio de um jogo de xadrez, ele pode ganhar uma sobrevida no caso de vencer, e é a partir desse encontro com a mais temida das horas que a trama ganha contornos existencialistas. Como em vários outros filmes de sua carreira, Bergman se utiliza do cinema para mergulhar nos fantasmas que o atormentam desde sua infância, entregando um verdadeiro tratado sobre a inquietude do homem diante do que o destino lhe impõe através de "O sétimo selo". Antonius é uma pessoa que não tem medo de questionar, e vai a fundo para se entender e entender a humanidade e o mundo. Isso o leva a um patamar de reflexão elevado, o que não significa, necessariamente, que ele encontre todas as respostas que procura.
Bergman lança as sementes da dúvida o tempo todo, sem se preocupar em dar explicações para tudo o que se vê na tela. Em certa medida, "O sétimo selo" pode ser entendido como uma parábola sobre a condição humana. Estamos sempre fadados a um destino, mas dificilmente o aceitamos resignados. Na verdade, não sabemos exatamente qual ele é, mas quando nos damos conta do que pode estar se tornando nossa vida, a eterna insatisfação que nos move clama por uma mudança de direção. Trata-se do mesmo sentimento que dilacera as expectativas de Antonius Bolock, e que alimenta sua angústia por não entender a realidade que o cerca, e muito menos o plano abstrato que o acompanha. Qual a razão daquela mortandade toda? Revolta divina? Castigo para os homens? Se Deus não existe, então estamos abandonados à própria sorte? Se Ele é real, somos peças de um tabuleiro de xadrez que ele move a seu gosto? São muitas as incertezas que assomam no coração de Antonius, todas derivadas de sua visão da morte e da desesperança que gritaram aos seus olhos no início do filme, e que perduram pelo resto da narrativa.
Em dado momento, diante de tantas perguntas que Antonius faz, um dos personagens lhe diz: "Você nunca para de questionar?", e ouve a resposta negativa dele. Na sua trajetória errante, Antonius ainda encontra um casal de artistas de circo com um filho pequeno, e é nas aparições quase fugidias desse núcleo que o filme, mesmo continuando em preto e branco, parece ganhar mais cor e luz. É como se Bergman quisesse nos dizer que a salvação do mundo estivesse na arte, em sua expressão mais bela e simples. As mazelas desse mundo já são tantas que é preciso encontrar uma maneira de deixá-lo mais palatável. É através da arte que o ser humano busca entender e compreender o mundo, e o cineasta parece ir ao encontro dessa afirmativa em "O sétimo selo". E faz isso com um talento incontestável, justificando o prêmio que o filme recebeu: o Urso de Ouro em Berlim no ano de 1957. Mesmo tão distante no tempo, afinal, já são mais de cinco décadas, o longa não ficou datado. Pelo contrário: permanece atual e inquietante, como uma autêntica e atemporal obra de arte.
O realizador não faz seu discurso pela via da gradiloquência, mas sim por meio da investigação do íntimo da fragilidade humana, detectando as pequenas agruras que nos consomem internamente, e nos levam muitas vezes a ter a existência por dolorida. Não à toa, o filme conquistou um lugar de honra na ribalta dos melhores do todos os tempos. É praticamente impossível elaborar uma lista de clássicos ou de filmes indispensáveis sem incluir "O sétimo selo". Para sempre, ele será lembrado como um poderoso instrumento de reflexão e de imersão na alma. Sua visão é voltada para a tentativa de entendimento do desconcerto do mundo, tão evidente quanto inquietante.
20 de fev. de 2010
"A lula e a baleia" ou a dissolução de laços familiares
Filmes sobre famílias disfuncionais existem aos montes no cinema, e já constituem, há algum tempo, um subgênero que parece um manancial inesgotável para a mente de diretores que se debruçam sobre análises dos fatores que podem levar à desagregação de um clã.
A matéria-prima de "A lula e a baleia", filme de estreia de Noah Baumbach é exatamente essa. No filme de 2005, o foco do cineasta está em investigar os sentimentos que estão por trás da separação de um casal que já não se entende há tempos. Joan (Laura Linney) e Bernard (Jeff Daniels) estão cada vez mais dessintonizados, o que se reflete no comportamento dos dois filhos do então casal, Walt e Frank. Os meninos são vividos com muita competência por Jesse Eisenberg e Owen Kline, respectivamente. Não é nada fácil para ambos lidar com o término do casamento dos pais, que já vinham entrando numa espiral de acusações mútuas e desentendimentos constantes.
Cada qual à sua maneira, eles encontram meios de protestar contra o rompimento de Joan e Bernard, tomando atitudes reprováveis. Desse fim de relação, surge uma transformação nos quatro, nem sempre com efeitos positivos, é bom que se diga. Os desdobramentos que se seguem são a rebeldia de Frank, o mais novo, que comete ato inacreditáveis na escola, que se vê obrigada a pedir a intervenção dos pais do garoto. Walt, por sua vez, cai de amores e desejo por Lili (Anna Paquin), que também atrai os olhares de seu pai. Começa uma disputa velada entre eles para a conquista da jovem, que tem plena consciência do fascínio que é capaz de exercer.
Joan, por sua vez, se envolve com Ivan (William Baldwin), professor de tênis de um dos filhos. Não deixa de ser uma maneira infantilizada de tentar mostrar ao ex-marido que já deu a volta por cima e está muito bem em nova companhia. O professor é um tipo muito curioso, que ainda pensa ser um garotão, e está certo de seu charme e simpatia. Chega a ser risível o comportamento do personagem, que, em sua pretensão, tem a necessidade de se afirmar o tempo inteiro.
Com esses elementos presentes no enredo, "A lula e a baleia" funciona como um ótimo filme sobre a falência de um casamento e todas as animosidades que isso pode gerar. Na linha de frente acabam ficando os filhos, que podem passar de moeda de troca entre os pais subitamente. Um dos grandes motivos que leva ao divórcio de Bernard e Joan é a inveja que ele sente do talento da ex-esposa. Bernard sonhava em ser um grande romancista, mas o que lhe restou foi o emprego de professor universitário, e um ressentimento que o consome pouco a pouco. Ela, por outro lado, se revela uma ótima escritora, exibindo uma notável habilidade com o universo literário. A cada novo reencontro com a ex-mulher, o recalque de Bernard emerge com força, sem que ele consiga disfarçar.
Baumbach, logo em seu primeiro filme, disseca os meandros da insituição família com destreza, examinando muito mais do que as aparências de cada um possam fazer supor. Os personagens são muoto bem escritos, e o roteiro do longa também cabe ao diretor. Apesar de esta ser sua estreia como cineasta, ele já trabalha em roteiros há algum tempo, trabalhando ao lado de Wes Anderson em filmes como "A vida marinha com Steve Zissou" (2004) e "O fantástico Sr. Raposo" (2009). Pelo roteiro de "A lula e a baleia" ele chegou a ser indicado ao Oscar, mas perdeu para "Crash - No limite".
Aqui, não há grandes viradas na trama e a história é contada de uma forma bastante simples, mas que capta com muita eficiência o misto de sentimentos confusos que acometem filhos de pais separados, sem lampejos de sentimentalismo. E também quais podem ser os passos dados por cada uma das partes que vive após o divórcio. Parte desse talento do diretor vem de seu conhecimento de causa, já que algumas das situações e episódios mostrados no filme foram vividos de verdade por ele em sua infância. Por isso, o filme acaba apresentando um teor confessional bastante forte, típico de quem está em sua primeira obra. Como no mundo literário, no qual dizem que o primeiro livro de um escritor terá ao menos um quê autobiográfico, no primeiro filme de Baumbach há páginas de sua vida inseridas na narrativa.
Esses são alguns dos motivos que fazem de "A lula e a baleia" um filme rico em reflexões sobre a fragilidade das relações e sobre como superar perdas e encerramentos. A vida é cíclica, e isso se traduz em um movimento perpétuo de fim e recomeço. E Baumbach resume esse esquema de altos e baixos, de novo e velho, em enxutos 80 minutos, sendo digno de figurar entre os promissores de sua década.
A matéria-prima de "A lula e a baleia", filme de estreia de Noah Baumbach é exatamente essa. No filme de 2005, o foco do cineasta está em investigar os sentimentos que estão por trás da separação de um casal que já não se entende há tempos. Joan (Laura Linney) e Bernard (Jeff Daniels) estão cada vez mais dessintonizados, o que se reflete no comportamento dos dois filhos do então casal, Walt e Frank. Os meninos são vividos com muita competência por Jesse Eisenberg e Owen Kline, respectivamente. Não é nada fácil para ambos lidar com o término do casamento dos pais, que já vinham entrando numa espiral de acusações mútuas e desentendimentos constantes.
Cada qual à sua maneira, eles encontram meios de protestar contra o rompimento de Joan e Bernard, tomando atitudes reprováveis. Desse fim de relação, surge uma transformação nos quatro, nem sempre com efeitos positivos, é bom que se diga. Os desdobramentos que se seguem são a rebeldia de Frank, o mais novo, que comete ato inacreditáveis na escola, que se vê obrigada a pedir a intervenção dos pais do garoto. Walt, por sua vez, cai de amores e desejo por Lili (Anna Paquin), que também atrai os olhares de seu pai. Começa uma disputa velada entre eles para a conquista da jovem, que tem plena consciência do fascínio que é capaz de exercer.
Joan, por sua vez, se envolve com Ivan (William Baldwin), professor de tênis de um dos filhos. Não deixa de ser uma maneira infantilizada de tentar mostrar ao ex-marido que já deu a volta por cima e está muito bem em nova companhia. O professor é um tipo muito curioso, que ainda pensa ser um garotão, e está certo de seu charme e simpatia. Chega a ser risível o comportamento do personagem, que, em sua pretensão, tem a necessidade de se afirmar o tempo inteiro.
Com esses elementos presentes no enredo, "A lula e a baleia" funciona como um ótimo filme sobre a falência de um casamento e todas as animosidades que isso pode gerar. Na linha de frente acabam ficando os filhos, que podem passar de moeda de troca entre os pais subitamente. Um dos grandes motivos que leva ao divórcio de Bernard e Joan é a inveja que ele sente do talento da ex-esposa. Bernard sonhava em ser um grande romancista, mas o que lhe restou foi o emprego de professor universitário, e um ressentimento que o consome pouco a pouco. Ela, por outro lado, se revela uma ótima escritora, exibindo uma notável habilidade com o universo literário. A cada novo reencontro com a ex-mulher, o recalque de Bernard emerge com força, sem que ele consiga disfarçar.
Baumbach, logo em seu primeiro filme, disseca os meandros da insituição família com destreza, examinando muito mais do que as aparências de cada um possam fazer supor. Os personagens são muoto bem escritos, e o roteiro do longa também cabe ao diretor. Apesar de esta ser sua estreia como cineasta, ele já trabalha em roteiros há algum tempo, trabalhando ao lado de Wes Anderson em filmes como "A vida marinha com Steve Zissou" (2004) e "O fantástico Sr. Raposo" (2009). Pelo roteiro de "A lula e a baleia" ele chegou a ser indicado ao Oscar, mas perdeu para "Crash - No limite".
Aqui, não há grandes viradas na trama e a história é contada de uma forma bastante simples, mas que capta com muita eficiência o misto de sentimentos confusos que acometem filhos de pais separados, sem lampejos de sentimentalismo. E também quais podem ser os passos dados por cada uma das partes que vive após o divórcio. Parte desse talento do diretor vem de seu conhecimento de causa, já que algumas das situações e episódios mostrados no filme foram vividos de verdade por ele em sua infância. Por isso, o filme acaba apresentando um teor confessional bastante forte, típico de quem está em sua primeira obra. Como no mundo literário, no qual dizem que o primeiro livro de um escritor terá ao menos um quê autobiográfico, no primeiro filme de Baumbach há páginas de sua vida inseridas na narrativa.
Esses são alguns dos motivos que fazem de "A lula e a baleia" um filme rico em reflexões sobre a fragilidade das relações e sobre como superar perdas e encerramentos. A vida é cíclica, e isso se traduz em um movimento perpétuo de fim e recomeço. E Baumbach resume esse esquema de altos e baixos, de novo e velho, em enxutos 80 minutos, sendo digno de figurar entre os promissores de sua década.
18 de fev. de 2010
Humor à moda antiga em "O escorpião de jade"
Na atual década, o ritmo de produção de Woody Allen continua sendo de um filme por ano, o que rende sempre novos exercícios de observação do diretor, regados com muita graça e perspicácia. O ano de 2001 foi de "O escorpião de jade", uma comédia totalmente despretensiosa que narra as peripécias de um investigador de uma companhia de seguros tão exímio quanto retrógrado, que atende pelo nome de C.W. Briggs (o próprio Allen). Ele trabalha há anos em um escritório onde há vários outros investigadores, especialistas em áreas diversas.
Desde sempre, Briggs reina absoluto naquele lugar, sendo um dos mais importantes profissionais do estabelecimento. Mas o que acaba se revelando seu maior defeito é sua inflexibilidade em relação ao novo, o que gera conflitos hilários entre ele e a senhora Betty Ann Fitzgerald (Helen Hunt), que chega ali disposta a fazer uma revolução, modernizando tudo o que considera ultrapassado no ambiente.
Conservador ao extremo, Briggs parece o último remanescente de uma era que não existe mais. Enquanto os outros colegas aceitam prontamente as alterações promovidas por ela, Briggs demonstra gostar mesmo de trabalhar à moda antiga. Essa diferença de pensamentos causa discussões veementes entre os dois, sempre num tom bastante cômico. Allen já provou que domina a comédia como poucos, e coloca na boca dos personagens afirmações divertidíssimas sobre os mais variados assuntos. Está declarada a guerra entre ambos, que transforma o escritório onde trabalham em um campo de batalha em que cada um quer fazer valer sua opinião.
Para piorar, Betty é amante de Chris Magruder(Dan Aykroyd), o chefe do local, o que é mais uma deixa para que Briggs implique com sua nova adversária. Ele tem certeza de que todo o poder que ela tem nas mãos vem do fato de estar tendo um caso com o manda-chuva dali. O que acaba unindo os dois, sem que eles queiram ou se deem conta disso, é um mágico picareta que lhes aplica uma espécie de hipnose na noite em que todos do escritório vão assistir à sua apresentação. Voltan, o mágico, faz com que eles se tornem marionetes em suas mãos quando começa a usá-los para praticar roubos de joias, inclusive a valiosa peça que dá nome ao filme. Por telefone, ele dá ordens a Briggs e Betty, para que executem crimes que jamais despertarão suspeitas sobre ele, a verdadeira mente por trás dos delitos. A criatividade do diretor aparece mais uma vez aqui, pois, é ao ouvir palavras pouco usuais como Constantinopla que os dois inimigos de ocasião praticam os tais roubos. As investigações para descobrir quem está cometendo aqueles crimes logo se iniciam, e uma série de situações muito engraçadas estão por vir.
Basicamente, "O escorpião de jade" se apoia nesse enredo simples e não tão original. Afinal, ver um homem e uma mulher às turras, sendo que, na verdade, eles estão profundamente atraídos um pelo outro está longe de ser novidade. Esse é um manancial perene para o cinema desde muito tempo. E Allen também se utiliza dessa premissa aqui. No caso desse filme, o resultado é para além do razoável, trazendo um riso descompromissado no espectador que acompanha as desventuras vividas por esse casal em potencial. Allen volta a assumir o papel de protagonista com sua maneira inconfundível de gesticular que seus fãs sabem reconhecer de longe. E o discurso aparentemente superficial criado pelo diretor esconde algumas boas considerações sobre o amor, as relações que pode haver entre homens e mulheres e as contradições do ser humano. Aí está um grande achado do filme, que escapa da banalidade por apresentar insights de humor inteligente e arguto.
Por meio de "O escorpião de jade", Allen faz um filme à moda antiga, que se traduz, também, na ambientação da história na década de 40. Essa época é notória em Hollywood, como um tempo em que vários cineastas produziam seus filmes noir. Como Alfred Hithcock, que desde sua fase inglesa era responsável por clássicos indiscutíveis como "Rebecca - A mulher inesquecível" (1940) e "Festim diabólico" (1948). No subtexto de seu filme, Allen faz uma bela homenagem a essa era áurea de que muitos se gabam ainda hoje. O filme não está entre as obras-primas allenianas, mas traz boas piadas e um texto interessante e cheio de senso de humor sobre o ser humano. E, como já virou quase um provérbio, um Woody Allen pouco inspirado ainda é muito melhor que a maioria das comédias medíocres que assolam o circuito e se alastram rapidamente, como ervas daninhas.
Desde sempre, Briggs reina absoluto naquele lugar, sendo um dos mais importantes profissionais do estabelecimento. Mas o que acaba se revelando seu maior defeito é sua inflexibilidade em relação ao novo, o que gera conflitos hilários entre ele e a senhora Betty Ann Fitzgerald (Helen Hunt), que chega ali disposta a fazer uma revolução, modernizando tudo o que considera ultrapassado no ambiente.
Conservador ao extremo, Briggs parece o último remanescente de uma era que não existe mais. Enquanto os outros colegas aceitam prontamente as alterações promovidas por ela, Briggs demonstra gostar mesmo de trabalhar à moda antiga. Essa diferença de pensamentos causa discussões veementes entre os dois, sempre num tom bastante cômico. Allen já provou que domina a comédia como poucos, e coloca na boca dos personagens afirmações divertidíssimas sobre os mais variados assuntos. Está declarada a guerra entre ambos, que transforma o escritório onde trabalham em um campo de batalha em que cada um quer fazer valer sua opinião.
Para piorar, Betty é amante de Chris Magruder(Dan Aykroyd), o chefe do local, o que é mais uma deixa para que Briggs implique com sua nova adversária. Ele tem certeza de que todo o poder que ela tem nas mãos vem do fato de estar tendo um caso com o manda-chuva dali. O que acaba unindo os dois, sem que eles queiram ou se deem conta disso, é um mágico picareta que lhes aplica uma espécie de hipnose na noite em que todos do escritório vão assistir à sua apresentação. Voltan, o mágico, faz com que eles se tornem marionetes em suas mãos quando começa a usá-los para praticar roubos de joias, inclusive a valiosa peça que dá nome ao filme. Por telefone, ele dá ordens a Briggs e Betty, para que executem crimes que jamais despertarão suspeitas sobre ele, a verdadeira mente por trás dos delitos. A criatividade do diretor aparece mais uma vez aqui, pois, é ao ouvir palavras pouco usuais como Constantinopla que os dois inimigos de ocasião praticam os tais roubos. As investigações para descobrir quem está cometendo aqueles crimes logo se iniciam, e uma série de situações muito engraçadas estão por vir.
Basicamente, "O escorpião de jade" se apoia nesse enredo simples e não tão original. Afinal, ver um homem e uma mulher às turras, sendo que, na verdade, eles estão profundamente atraídos um pelo outro está longe de ser novidade. Esse é um manancial perene para o cinema desde muito tempo. E Allen também se utiliza dessa premissa aqui. No caso desse filme, o resultado é para além do razoável, trazendo um riso descompromissado no espectador que acompanha as desventuras vividas por esse casal em potencial. Allen volta a assumir o papel de protagonista com sua maneira inconfundível de gesticular que seus fãs sabem reconhecer de longe. E o discurso aparentemente superficial criado pelo diretor esconde algumas boas considerações sobre o amor, as relações que pode haver entre homens e mulheres e as contradições do ser humano. Aí está um grande achado do filme, que escapa da banalidade por apresentar insights de humor inteligente e arguto.
Por meio de "O escorpião de jade", Allen faz um filme à moda antiga, que se traduz, também, na ambientação da história na década de 40. Essa época é notória em Hollywood, como um tempo em que vários cineastas produziam seus filmes noir. Como Alfred Hithcock, que desde sua fase inglesa era responsável por clássicos indiscutíveis como "Rebecca - A mulher inesquecível" (1940) e "Festim diabólico" (1948). No subtexto de seu filme, Allen faz uma bela homenagem a essa era áurea de que muitos se gabam ainda hoje. O filme não está entre as obras-primas allenianas, mas traz boas piadas e um texto interessante e cheio de senso de humor sobre o ser humano. E, como já virou quase um provérbio, um Woody Allen pouco inspirado ainda é muito melhor que a maioria das comédias medíocres que assolam o circuito e se alastram rapidamente, como ervas daninhas.
14 de fev. de 2010
Retratos do real em "Entre os muros da escola"
Capturar a realidade nunca foi uma obrigação do cinema, embora muitos cineastas já tenham se debruçado sobre essa premissa ao longo de mais de cem anos da invenção desse que é um dos mais poderosos instrumentos de comunicação, por muito tempo não tendo sido considerado arte. Mas o outro lado também sempre existiu.
É maravilhoso poder embarcar em histórias surpreendentes em sua inverossimilhança, com carros explodindo, mortes inacreditáveis, romances em que o final feliz é um caminho certo e outras improbabilidades da vida real. Mas acompanhar a tentativa de apreensão das agruras diárias que, por vezes, nos entorpecem, também tem sua validade.
"Entre os muros da escola" navega pelas águas assustadoras do verdadeiro, ainda que na acepção mais cinematográfica da palavra, sem se dar a discussões filosóficas e existencialistas que ela pode e, certamente, suscita. As lentes de Laurent Cantet (Em direção ao sul) estão voltadas para o cotidiano tumultuado de uma escola na periferia parisiense onde se encontram todos os tipos de estudantes. Ali, os professores que têm de lecionar para um público tão heterogêneo matam um leão por dia, lidando com reações inflamadas de estudantes que não encontram motivação para prosseguir com suas atividades discentes. Não raro, perdem a paciência, explodindo nos bastidores com os demais colegas.
O foco do longa, todavia, está em um professor específico: François Bégaudeau. Ele dá aulas de francês, e vive o desafio de colocar na cabeça dos seus alunos a importância de se aprender e do quanto o estudo pode render bons frutos. A turma para a qual ele ensina tem imigrantes de várias etnias misturados aos franceses "legítimos", o que é um polo gerador de constantes conflitos. De certa forma, esse contingente diversificado que se justapõe em um espaço tão reduzido funciona como um microcosmos da sociedade francesa atual: múltipla, polarizante e, ao mesmo tempo, fragmentária em sua essência. Esse cnceito pode ser estendido, ainda, para a sociedade contemporânea, na qual reina o multifacetado. Assim, é de se esperar que a sala de aula seja um barril de pólvora, com pequenas bombas em potencial para explodir.
Vale ressaltar um aspecto que torn "Entre os muros da escola" um filme que se coloca no meio do caminho entre ficção e documentário: os personagens do filme não são atores profissionais, o que lhes confere em cena um naturalidade flagrante. Quando falam, de certa forma expõem o que verdadeiramente sentem e vivem, pois as características que apresentam são também as de seus intérpretes. O próprio François é autor do livro no qual o filme se baseia, e faz o papel dele mesmo, sendo personagem e figura real simultaneamente. Os limites entre o que é ou não verdade ficam por demais fragilizados, a ponto de serem dissolvidos paulatinamente. Nessa linha, há também "Jogo de cena", um espécime exemplar da leva de documentários que confundem a cabeça do espectador.
Mas decifrar se isto ou aquilo é, de fato, real, é perder muito do debate que Cantet levanta, sobre as mais variadas questões. Afinal, qual o o papel de um profissional da educação nos dias de hoje? As escolas devem ter sua parcela de responsabilidade no ensino das regras de conduta de um indivíduo? Como estimular o aluno a aprender, se o próprio sistema educacional empurra para uma forma de lecionar que apresenta falhas graves? São essas e várias outras questões que se sucedem durante o transcorrer do filme, que levou a Palma de Ouro em Cannes no ano de 2008, e foi um dos indicados ao Oscar de Filme Estrangeiro em 2009. Ambos merecidos, embora o segundo prêmio não tenha sido ganho, já que o filme perdeu para "A partida", representante do Japão naquele ano.
Em várias passagens, "Entre os muros da escola" revela sua força, como quando os alunos ganham voz e explicitam o que pensam de forma categórica. Alguns não sabem muito bem o que querem, mas já descobriram o que não querem. A ação do filme é quase toda passada no ambiente escolar, e é naquelas quatro paredes, sejam as da sala, sejam as da quadra de esportes, que os anseios, angústias, ressentimentos, inseguranças, e também as alegrias e vontades de cada um ficarão nítidas. No fim das contas, o longa serve como um eficiente tratado do que é encarar o desafio de transmitir a um grupo de seres tão distintos entre si algo que possa transformar suas vidas, e lhes garantir um futuro alentador.
É maravilhoso poder embarcar em histórias surpreendentes em sua inverossimilhança, com carros explodindo, mortes inacreditáveis, romances em que o final feliz é um caminho certo e outras improbabilidades da vida real. Mas acompanhar a tentativa de apreensão das agruras diárias que, por vezes, nos entorpecem, também tem sua validade.
"Entre os muros da escola" navega pelas águas assustadoras do verdadeiro, ainda que na acepção mais cinematográfica da palavra, sem se dar a discussões filosóficas e existencialistas que ela pode e, certamente, suscita. As lentes de Laurent Cantet (Em direção ao sul) estão voltadas para o cotidiano tumultuado de uma escola na periferia parisiense onde se encontram todos os tipos de estudantes. Ali, os professores que têm de lecionar para um público tão heterogêneo matam um leão por dia, lidando com reações inflamadas de estudantes que não encontram motivação para prosseguir com suas atividades discentes. Não raro, perdem a paciência, explodindo nos bastidores com os demais colegas.
O foco do longa, todavia, está em um professor específico: François Bégaudeau. Ele dá aulas de francês, e vive o desafio de colocar na cabeça dos seus alunos a importância de se aprender e do quanto o estudo pode render bons frutos. A turma para a qual ele ensina tem imigrantes de várias etnias misturados aos franceses "legítimos", o que é um polo gerador de constantes conflitos. De certa forma, esse contingente diversificado que se justapõe em um espaço tão reduzido funciona como um microcosmos da sociedade francesa atual: múltipla, polarizante e, ao mesmo tempo, fragmentária em sua essência. Esse cnceito pode ser estendido, ainda, para a sociedade contemporânea, na qual reina o multifacetado. Assim, é de se esperar que a sala de aula seja um barril de pólvora, com pequenas bombas em potencial para explodir.
Vale ressaltar um aspecto que torn "Entre os muros da escola" um filme que se coloca no meio do caminho entre ficção e documentário: os personagens do filme não são atores profissionais, o que lhes confere em cena um naturalidade flagrante. Quando falam, de certa forma expõem o que verdadeiramente sentem e vivem, pois as características que apresentam são também as de seus intérpretes. O próprio François é autor do livro no qual o filme se baseia, e faz o papel dele mesmo, sendo personagem e figura real simultaneamente. Os limites entre o que é ou não verdade ficam por demais fragilizados, a ponto de serem dissolvidos paulatinamente. Nessa linha, há também "Jogo de cena", um espécime exemplar da leva de documentários que confundem a cabeça do espectador.
Mas decifrar se isto ou aquilo é, de fato, real, é perder muito do debate que Cantet levanta, sobre as mais variadas questões. Afinal, qual o o papel de um profissional da educação nos dias de hoje? As escolas devem ter sua parcela de responsabilidade no ensino das regras de conduta de um indivíduo? Como estimular o aluno a aprender, se o próprio sistema educacional empurra para uma forma de lecionar que apresenta falhas graves? São essas e várias outras questões que se sucedem durante o transcorrer do filme, que levou a Palma de Ouro em Cannes no ano de 2008, e foi um dos indicados ao Oscar de Filme Estrangeiro em 2009. Ambos merecidos, embora o segundo prêmio não tenha sido ganho, já que o filme perdeu para "A partida", representante do Japão naquele ano.
Em várias passagens, "Entre os muros da escola" revela sua força, como quando os alunos ganham voz e explicitam o que pensam de forma categórica. Alguns não sabem muito bem o que querem, mas já descobriram o que não querem. A ação do filme é quase toda passada no ambiente escolar, e é naquelas quatro paredes, sejam as da sala, sejam as da quadra de esportes, que os anseios, angústias, ressentimentos, inseguranças, e também as alegrias e vontades de cada um ficarão nítidas. No fim das contas, o longa serve como um eficiente tratado do que é encarar o desafio de transmitir a um grupo de seres tão distintos entre si algo que possa transformar suas vidas, e lhes garantir um futuro alentador.
12 de fev. de 2010
"Eu, meu irmão e nossa namorada": uma comédia com estilo
Espectadores habituados a escolher o filme a que vão assistir pelo título podem ser afugentados por "Eu, meu irmão e nossa namorada". Afinal, tudo indica que se trata de mais uma comédia boboca, daquela que se produz aos montes anualmente em Hollywood e ganha sempre um espaço nas salas de exibição. Mas o caso desse filme é diferente. Levar-se por sua nomenclatura é cair em ledo engano.
Aqui, tem-se uma série de boas razões para se acompanhar uma história redonda, com roteiro muito bem azeitado, personagens cativantes e situações que fogem dos chavões tão caros a diretores despojados de inventividade. As peripécias nas quais eles se envolvem são uma delícia de se acompanhar, a fim de se descobrir qual será a solução para o nó da narrativa.
Contada em linhas não tão reveladoras, para que não se estraguem as surpresas que haverão de surgir, o filme mostra a vida trivial de Dan (Steve Carrel, de talento incontestável para o humor), um viúvo pai de três filhas, que não se apaixona de verdade por alguém há tempos. Ele tenta se manter próximo das meninas, mas elas estão cada vez mais distantes, lépidas com a chegada da fase adolescente. Ele escreve para um jornal local, e decide passar um fim de semana nas montanhas com a família que pouco vê. Para Dan, a vida tem de ser sempre cheia de regras de boa conduta, as quais acabaram por aprisioná-los sem que ele se desse conta disso. Uma vez iniciado esse final de semana, ocorrerá um incidente que será decisivo para modificá-lo.
O motivo de sua mudança atende pelo nome de Marie (Juliette Binoche, ainda linda), uma mulher simpática que desperta seu interesse logo de cara, assim que ele a vê em uma livraria. A chegada de Dan àquele local se deve a ums situação desconfortável que ele acabara de viver com seus pais e outros parentes, que insistem em interferir em sua vida, até mesmo na educação que ele dá para as filhas, aborrecendo-o profundamente. Tímido, e por isso mesmo, com dificuldades de se aproximar de uma mulher, ele vê as barreiras que o atrapalham desmoronar diante de Marie. É de uma graça e simplicidade incríveis a cena em que ele se passa por um vendedor e dá dicas de livros interessantes a Marie, assumindo uma posição inesperada de cara de pau. Aquela bela mulher consente em levar as obras sugeridas por ele, e os dois vão rapidamente da simpatia ao bem querer um pelo outro, sem que nada possa lhes servir de aviso prévio.
Isso vira um grande problema quando Dan descobre que Marie é ninguém menos que a nova namorada de seu irmão, o aparvalhado Mitch (Dane Cook). Nada permanece tão fácil como aparentava, portanto. Resta a Dan encontrar uma maneira de se livrar dessa terrível saia justa em que se meteu. Exatamente quando ele encontra aquela que pode ser a mulher de sua vida, o destino lhe prega uma peça? A essa altura, o público já foi conquistado pela doce melancolia de Dan, e vem a torcida para que ele consiga arrumar a desordem que se transforma sua vida pacata.
O que se segue é uma sucessão de cenas deliciosas, que tornam o filme uma comédia romântica assumida, mas num patamar superior ao de muitas outras. "Eu, meu irmão e nossa namorada" é um filme de categoria. O diretor Peter Hedges (Do jeito que ela é) se baseou em experiências vividas por ele mesmo em família para contar a trama do longa. Mas nunca procurando o caminho mais fácil para a resolução do problema criado no enredo. A grande sacada do filme é apresentar personagens que encantam por sua simplicidade, e atores entragando desempenhos formidáveis. A dupla central vivida por Carrel e Binoche, tem excelente química, que salta aos olhos. E cada passo dado pelos seus personagens em cena colabora para que todo o filme seja uma coleção de pequenos achados imperdíveis. O roteiro valoriza os detalhes, e investe em cenas criativas ou delicadas e apaixonantes. Como a sequência em que Marie ensina Dan, as filas e Mitch a dançar uma coreografia contagiante. Dá vontade de sair dançando em pleno cinema, ou em casa, dependendo de onde você estiver assistindo ao filme.
Infeliz mesmo é o título em português que esse filme ganhou. No original é "Dan in real life", muito mais eficiente e interessante. Bastaria que fosse traduzido: Dan na vida real. Como já dissera anteriormente, "Eu, meu irmão e nossa namorada" remete a uma historiazinha idiota, com um show de obviedades, muito distante da verdadeira realidade desse filme. Liberto de amarras que o prendam a rótulos, que são sempre limitadores e quase sempre errôneos, o espectador que se decidir por acompanhar essa história não se arrependerá. Hedges conseguiu a alquimia perfeita entre humor e dor para narrar uma saga particular de quebra de paradigmas e renascimento através do mais nobre dos sentimentos, desde a literatura medieval: o amor.
Aqui, tem-se uma série de boas razões para se acompanhar uma história redonda, com roteiro muito bem azeitado, personagens cativantes e situações que fogem dos chavões tão caros a diretores despojados de inventividade. As peripécias nas quais eles se envolvem são uma delícia de se acompanhar, a fim de se descobrir qual será a solução para o nó da narrativa.
Contada em linhas não tão reveladoras, para que não se estraguem as surpresas que haverão de surgir, o filme mostra a vida trivial de Dan (Steve Carrel, de talento incontestável para o humor), um viúvo pai de três filhas, que não se apaixona de verdade por alguém há tempos. Ele tenta se manter próximo das meninas, mas elas estão cada vez mais distantes, lépidas com a chegada da fase adolescente. Ele escreve para um jornal local, e decide passar um fim de semana nas montanhas com a família que pouco vê. Para Dan, a vida tem de ser sempre cheia de regras de boa conduta, as quais acabaram por aprisioná-los sem que ele se desse conta disso. Uma vez iniciado esse final de semana, ocorrerá um incidente que será decisivo para modificá-lo.
O motivo de sua mudança atende pelo nome de Marie (Juliette Binoche, ainda linda), uma mulher simpática que desperta seu interesse logo de cara, assim que ele a vê em uma livraria. A chegada de Dan àquele local se deve a ums situação desconfortável que ele acabara de viver com seus pais e outros parentes, que insistem em interferir em sua vida, até mesmo na educação que ele dá para as filhas, aborrecendo-o profundamente. Tímido, e por isso mesmo, com dificuldades de se aproximar de uma mulher, ele vê as barreiras que o atrapalham desmoronar diante de Marie. É de uma graça e simplicidade incríveis a cena em que ele se passa por um vendedor e dá dicas de livros interessantes a Marie, assumindo uma posição inesperada de cara de pau. Aquela bela mulher consente em levar as obras sugeridas por ele, e os dois vão rapidamente da simpatia ao bem querer um pelo outro, sem que nada possa lhes servir de aviso prévio.
Isso vira um grande problema quando Dan descobre que Marie é ninguém menos que a nova namorada de seu irmão, o aparvalhado Mitch (Dane Cook). Nada permanece tão fácil como aparentava, portanto. Resta a Dan encontrar uma maneira de se livrar dessa terrível saia justa em que se meteu. Exatamente quando ele encontra aquela que pode ser a mulher de sua vida, o destino lhe prega uma peça? A essa altura, o público já foi conquistado pela doce melancolia de Dan, e vem a torcida para que ele consiga arrumar a desordem que se transforma sua vida pacata.
O que se segue é uma sucessão de cenas deliciosas, que tornam o filme uma comédia romântica assumida, mas num patamar superior ao de muitas outras. "Eu, meu irmão e nossa namorada" é um filme de categoria. O diretor Peter Hedges (Do jeito que ela é) se baseou em experiências vividas por ele mesmo em família para contar a trama do longa. Mas nunca procurando o caminho mais fácil para a resolução do problema criado no enredo. A grande sacada do filme é apresentar personagens que encantam por sua simplicidade, e atores entragando desempenhos formidáveis. A dupla central vivida por Carrel e Binoche, tem excelente química, que salta aos olhos. E cada passo dado pelos seus personagens em cena colabora para que todo o filme seja uma coleção de pequenos achados imperdíveis. O roteiro valoriza os detalhes, e investe em cenas criativas ou delicadas e apaixonantes. Como a sequência em que Marie ensina Dan, as filas e Mitch a dançar uma coreografia contagiante. Dá vontade de sair dançando em pleno cinema, ou em casa, dependendo de onde você estiver assistindo ao filme.
Infeliz mesmo é o título em português que esse filme ganhou. No original é "Dan in real life", muito mais eficiente e interessante. Bastaria que fosse traduzido: Dan na vida real. Como já dissera anteriormente, "Eu, meu irmão e nossa namorada" remete a uma historiazinha idiota, com um show de obviedades, muito distante da verdadeira realidade desse filme. Liberto de amarras que o prendam a rótulos, que são sempre limitadores e quase sempre errôneos, o espectador que se decidir por acompanhar essa história não se arrependerá. Hedges conseguiu a alquimia perfeita entre humor e dor para narrar uma saga particular de quebra de paradigmas e renascimento através do mais nobre dos sentimentos, desde a literatura medieval: o amor.
11 de fev. de 2010
"O cheiro do ralo" e o pior do homem
A segunda incursão de Heitor Dhalia como diretor resulta em uma obra instigante e sem meios termos. A câmera de "O cheiro do ralo" observa com contumácia o cotidiano sórdido de Lourenço (um inspirado Selton Mello), homem de vida vazia, que trabalha comprando objetos usados de pessoas que precisam de alguma quantia em dinheiro. Sabendo que quem aparece em seu escritório está ali por uma real necessidade, ele se utiliza, na maior parte das vezes, de seu sadismo para pagar pouco pelas quinquilharias que lhe são levadas. Para Lourenço, o próprio ser humano se transformou em objeto de negociação, o que fica explícito em suas atitudes, desprovidas de compaixão por quem se aproxima dele.
Por isso, quando começa a se interessar por uma bela garçonete, seu foco é apenas no traseiro dela, que ele acompanha avidamente com seus olhos incansáveis. Pensa que pode tê-la, como se fosse um troféu que decora a estante, mas não é o caso. A jovem é uma pessoa comum, que não está à venda ou é passível de troca, o que perturba Lourenço, que não sabe como lidar com essa nova situação.
A obsessão do personagem passa a ser a bunda dessa mulher, e isso é perceptível logo na primeira sequência do filme, que mostra a câmera acompnhando o andar da moça até seu local de trabalho, como se fosse o olhar de Lourenço. Embevecido, ele a segue como um cão, e não se refere à garçonete como uma pessoa inteira, mas fala apenas "a bunda". Para se aproximar dela, tomará atitudes equivocadas e algo bizarras, que não lhe permitirão logo o que deseja.
Esse é o mote principal de "O cheiro do ralo", que foi vendido como uma obra que se orgulha de ser "suja", por assim dizer. No trailer de lançamento do filme, ao final, vinha a seguinte inscrição: "Em março empesteando os cinemas". Daí já se pode concluir que esta não é uma história em que o diretor está preocupado em ser agradável, e nem em apregoar lições moralistas sobre o caráter do homem. Dhalia somente espia, sem fazer julgamentos, e joga na tela uma atmosfera lúgubre, que envolve os personagens como uma névoa espessa e indissolúvel. Ninguém é totalmente bom, o que lança por terra qualquer centelha de maniqueísmo. No momento do desespero, justificam-se atos extremos de loucura de alguns frequentadores do escritório de Lourenço. É o caso da viciada interpretada por Silvia Lourenço, que chegou a ficar esquelética, de tanto que emagreceu para o papel. Seu pudor se esvai diante da crueldade do negociante, que lhe pede para tirar a roupa, em troca de um bom pagamento para mais uma bugiganga que ela leva até ele.
A referência feita pelo título é ao ralo do escritório onde Lourenço trabalha, que exala um odor fétido, que somente ele é capaz de suportar. De certa forma, pode-se até dizer que ele se apaixonou por aquele cheiro, que é uma espécie de tradução de sua natureza: podre, perdida, irreconciliável. Até mesmo quando um encanador aparece paa tentar solucionar o problema, ele parece não querer se livrar daquilo, de fato. Sente que aquele ralo é parte de si.
"O cheiro do ralo" é baseado no romance de Lourenço Mutarelli, que é homenageado no filme através do nome do protagonista vivido por Selton Mello. Ele também aparece numa participação afetiva, atuando como um dos funcionários do escritório de Lourenço. Em sua literatura, Mutarelli expõe o que há de mais abjeto no ser humano, incomodando com sua visão pessimista do que é o homem. O mais importante é que seu retrato não resvala para a caricatura, e o roteiro, tambéma cargo do diretor Dhalia, é um recorte preciso da realidade de quem nós somos. Estão presentes no filme o instintivo, o que desperta asco, e que sempre se procura sublimar para que se haja uma convivência pacífica em sociedade. Se um filme provocativo não o afugenta, assistir a "O cheiro do ralo" pode ser muito mais que um mero passatempo.
Por isso, quando começa a se interessar por uma bela garçonete, seu foco é apenas no traseiro dela, que ele acompanha avidamente com seus olhos incansáveis. Pensa que pode tê-la, como se fosse um troféu que decora a estante, mas não é o caso. A jovem é uma pessoa comum, que não está à venda ou é passível de troca, o que perturba Lourenço, que não sabe como lidar com essa nova situação.
A obsessão do personagem passa a ser a bunda dessa mulher, e isso é perceptível logo na primeira sequência do filme, que mostra a câmera acompnhando o andar da moça até seu local de trabalho, como se fosse o olhar de Lourenço. Embevecido, ele a segue como um cão, e não se refere à garçonete como uma pessoa inteira, mas fala apenas "a bunda". Para se aproximar dela, tomará atitudes equivocadas e algo bizarras, que não lhe permitirão logo o que deseja.
Esse é o mote principal de "O cheiro do ralo", que foi vendido como uma obra que se orgulha de ser "suja", por assim dizer. No trailer de lançamento do filme, ao final, vinha a seguinte inscrição: "Em março empesteando os cinemas". Daí já se pode concluir que esta não é uma história em que o diretor está preocupado em ser agradável, e nem em apregoar lições moralistas sobre o caráter do homem. Dhalia somente espia, sem fazer julgamentos, e joga na tela uma atmosfera lúgubre, que envolve os personagens como uma névoa espessa e indissolúvel. Ninguém é totalmente bom, o que lança por terra qualquer centelha de maniqueísmo. No momento do desespero, justificam-se atos extremos de loucura de alguns frequentadores do escritório de Lourenço. É o caso da viciada interpretada por Silvia Lourenço, que chegou a ficar esquelética, de tanto que emagreceu para o papel. Seu pudor se esvai diante da crueldade do negociante, que lhe pede para tirar a roupa, em troca de um bom pagamento para mais uma bugiganga que ela leva até ele.
A referência feita pelo título é ao ralo do escritório onde Lourenço trabalha, que exala um odor fétido, que somente ele é capaz de suportar. De certa forma, pode-se até dizer que ele se apaixonou por aquele cheiro, que é uma espécie de tradução de sua natureza: podre, perdida, irreconciliável. Até mesmo quando um encanador aparece paa tentar solucionar o problema, ele parece não querer se livrar daquilo, de fato. Sente que aquele ralo é parte de si.
"O cheiro do ralo" é baseado no romance de Lourenço Mutarelli, que é homenageado no filme através do nome do protagonista vivido por Selton Mello. Ele também aparece numa participação afetiva, atuando como um dos funcionários do escritório de Lourenço. Em sua literatura, Mutarelli expõe o que há de mais abjeto no ser humano, incomodando com sua visão pessimista do que é o homem. O mais importante é que seu retrato não resvala para a caricatura, e o roteiro, tambéma cargo do diretor Dhalia, é um recorte preciso da realidade de quem nós somos. Estão presentes no filme o instintivo, o que desperta asco, e que sempre se procura sublimar para que se haja uma convivência pacífica em sociedade. Se um filme provocativo não o afugenta, assistir a "O cheiro do ralo" pode ser muito mais que um mero passatempo.
4 de fev. de 2010
Silêncio, escapismo e imobilidade em "3 macacos"
De tempos em tempos, surgem no cinema exemplares audiovisuais de rara beleza somada a existência de algo a dizer por meio de uma boa história. Há que se saudar um diretor em especial por isso, e o seu nome é Nuri Bilge Ceylan. Ele é o principal responsável por sacudir internamente o público com a experiência provocada por "3 macacos".
Rodado em 2008, entre França, Itália e Turquia, o filme é um tratado competente sobre a dissolução de verdades aparentemente estáveis entre os membros de uma família. Pai e filho, marido e esposa, cada um dos polos de uma relação tríptica, têm dentro de si espécies de subverdades quase a ponto de transbordar. Falta apenas uma gota d'água.
E tudo começa a desmoronar, de fato, depois que o pai é chamado por seu chefe para assumir a culpa por um crime cometido por ele numa estrada enquanto dirigia à noite. Essa é, inclusive, a primeira cena do filme. A mais completa escuridão dá lugar, paulatinamente, a uma penumbra, para que se veja um atropelamento. Ainda que tenha sido por acidente, o culpado (o chefe de Eyüp, o pai) pensa apenas em fugir do local, e logo contata seu funcionário para lhe falar do ocorrido, propondo-lhe um acordo. Em troca de uma alta quantia em dinheiro, Eyüp irá preso pelo crime que não cometeu. Ao final de um período, a família dele receberá o dinheiro determinado. Desde o começo da narrativa, fica claro que não há muita comunicação entre o marido, a mulher e o filho. Os três não chegam a ter uma conversa franca sobre a atitude de Eyüp, que concorda com o trato. Ele simplesmente aceita, vai para a cadeia, e recebe apenas visitas regulares do filho enquanto está lá. Sua mulher parece não estar muito preocupada com sua estada naquele lugar.
Esse comportamento frio e silencioso é o ponto convergente entre o trio de protagonistas. Daí a eficiência de um título como "3 macacos". Tal qual os primatas do velho provérbio oriental, eles fingem não ver, ouvir ou falar sobre seus problemas. A todo custo evitam partir para o conflito aberto, varrendo qualquer deixa para uma discussão a respeito do que estão fazendo de suas vidas. Estão cegos, surdos e mudos por convicção.
Por meio desses laços frágeis que existem na família, Ceylan aborda uma questão tão antiga quanto crucial: o abismo entre os homens. Por mais que falem, conversem, nunca estão completamente a par do que o outro sente. Aqui, como se vê, a escolha é pelo silêncio, valorizada por uma quase ausência de trilha sonora, salvo em algums cenas. Além disso, há poucos diálogos no filme, o que permite destacar algumas passagens em especial, como a que vem a seguir.
A mãe tenta participar da vida do filho, perguntando sobre seus passos e com quem está andando, mas não obtém respostas. Sua preocupação é interpretada como invasão e controle, o que desagrada profundamente o filho. É patente a divergência entre o que se quer dizer e o que se entende daquilo que se diz. Cineastas com carreira brilhante enveredaram por esse caminho, como Bergman e Antonioni. O sueco criou a Trilogia do Silêncio, que em que discorre sobre a ausência de vínculo comunicativo eficaz entre as pessoas. O mesmo procurou fazer, com uma habilidade inenarrável, o italiano, ao dirigir a Trilogia da Incomunicabilidade.
Com "3 macacos", Nuri Bilge Ceylan se filia diretamente a essa tradição cinematográfica de mergulhar no íntimo das relações humanas. Durante a prisão do marido, Hacer, a mulher, sofre de grande carência, e se aproxima do chefe de Eyüp. O filho, por sua vez, está muito mais interessado e se beneficiar com o dinheiro que será entregue pelo autor da proposta. Em uma cena, chega a pedir à mãe que consiga o adiantamento do valor acordado. Não fica explícito no filme, mas parece que o jovem tem más companhias, e sua preocupação em ter a quantia reside aí. Ele até se mostra inclinado a defender o pai, vigiando a mãe, para que esta não se relacione amorosamente com ninguém.
O tempo passa, e o pai sai da cadeia, inaugurando uma nova fase na espiral de imobilidade que tomou conta dessa família. Vem a fúria em Eyüp, assim que ele descobre que foi traído. A sua reação violenta é um dos pontos de maior ação de todo o filme, que transcorre, na maioria das vezes, sem grandes sobressaltos ou viradas de roteiro. Essa característica ajuda a manter a coerência com o projeto inicial de flagrar o oculto por trás das aparências que sufocam a convvivência entre trâs pessoas. Nada acontece subitamente, mas segue um ritmo linear e gradual, uma coisa após outra. Como na vida, afinal. E Ceylan parece ter o controle desse timing nas mãos.
Outro detalhe de impacto e relevância em todo o filme é sua fotografia. A luz é utilizada de maneira parcimoniosa, aparecendo com grande discrição, mesmo em ambienteas mais abertos. Há um aspecto naturalista muito forte, associado a um teor claustrofóbico intenso percorrendo os espaços filmados em "3 macacos". Isso se traduz em momentos de incômodo no espectador, que tem sua capacidade de se manter impassível ante o pesar alheio desafiada contumazmente.
Por todos esses fatores, aqui está um filme que expressa sua mensagem de forma oblíqua, levando a uma crescente necessidade de se atentar para detalhes. O grande perigo, e também a grande possibiidade, é se reconhecer em algum personagem, ou em alguma atitude. Quem procura diversão passageira e piadas rasas deve passar longe de uma história como essa. Mas aquele que buscar ir além do ordinário será confrontado com sua prostração em cada gesto, olhar e fala desse trio.
Rodado em 2008, entre França, Itália e Turquia, o filme é um tratado competente sobre a dissolução de verdades aparentemente estáveis entre os membros de uma família. Pai e filho, marido e esposa, cada um dos polos de uma relação tríptica, têm dentro de si espécies de subverdades quase a ponto de transbordar. Falta apenas uma gota d'água.
E tudo começa a desmoronar, de fato, depois que o pai é chamado por seu chefe para assumir a culpa por um crime cometido por ele numa estrada enquanto dirigia à noite. Essa é, inclusive, a primeira cena do filme. A mais completa escuridão dá lugar, paulatinamente, a uma penumbra, para que se veja um atropelamento. Ainda que tenha sido por acidente, o culpado (o chefe de Eyüp, o pai) pensa apenas em fugir do local, e logo contata seu funcionário para lhe falar do ocorrido, propondo-lhe um acordo. Em troca de uma alta quantia em dinheiro, Eyüp irá preso pelo crime que não cometeu. Ao final de um período, a família dele receberá o dinheiro determinado. Desde o começo da narrativa, fica claro que não há muita comunicação entre o marido, a mulher e o filho. Os três não chegam a ter uma conversa franca sobre a atitude de Eyüp, que concorda com o trato. Ele simplesmente aceita, vai para a cadeia, e recebe apenas visitas regulares do filho enquanto está lá. Sua mulher parece não estar muito preocupada com sua estada naquele lugar.
Esse comportamento frio e silencioso é o ponto convergente entre o trio de protagonistas. Daí a eficiência de um título como "3 macacos". Tal qual os primatas do velho provérbio oriental, eles fingem não ver, ouvir ou falar sobre seus problemas. A todo custo evitam partir para o conflito aberto, varrendo qualquer deixa para uma discussão a respeito do que estão fazendo de suas vidas. Estão cegos, surdos e mudos por convicção.
Por meio desses laços frágeis que existem na família, Ceylan aborda uma questão tão antiga quanto crucial: o abismo entre os homens. Por mais que falem, conversem, nunca estão completamente a par do que o outro sente. Aqui, como se vê, a escolha é pelo silêncio, valorizada por uma quase ausência de trilha sonora, salvo em algums cenas. Além disso, há poucos diálogos no filme, o que permite destacar algumas passagens em especial, como a que vem a seguir.
A mãe tenta participar da vida do filho, perguntando sobre seus passos e com quem está andando, mas não obtém respostas. Sua preocupação é interpretada como invasão e controle, o que desagrada profundamente o filho. É patente a divergência entre o que se quer dizer e o que se entende daquilo que se diz. Cineastas com carreira brilhante enveredaram por esse caminho, como Bergman e Antonioni. O sueco criou a Trilogia do Silêncio, que em que discorre sobre a ausência de vínculo comunicativo eficaz entre as pessoas. O mesmo procurou fazer, com uma habilidade inenarrável, o italiano, ao dirigir a Trilogia da Incomunicabilidade.
Com "3 macacos", Nuri Bilge Ceylan se filia diretamente a essa tradição cinematográfica de mergulhar no íntimo das relações humanas. Durante a prisão do marido, Hacer, a mulher, sofre de grande carência, e se aproxima do chefe de Eyüp. O filho, por sua vez, está muito mais interessado e se beneficiar com o dinheiro que será entregue pelo autor da proposta. Em uma cena, chega a pedir à mãe que consiga o adiantamento do valor acordado. Não fica explícito no filme, mas parece que o jovem tem más companhias, e sua preocupação em ter a quantia reside aí. Ele até se mostra inclinado a defender o pai, vigiando a mãe, para que esta não se relacione amorosamente com ninguém.
O tempo passa, e o pai sai da cadeia, inaugurando uma nova fase na espiral de imobilidade que tomou conta dessa família. Vem a fúria em Eyüp, assim que ele descobre que foi traído. A sua reação violenta é um dos pontos de maior ação de todo o filme, que transcorre, na maioria das vezes, sem grandes sobressaltos ou viradas de roteiro. Essa característica ajuda a manter a coerência com o projeto inicial de flagrar o oculto por trás das aparências que sufocam a convvivência entre trâs pessoas. Nada acontece subitamente, mas segue um ritmo linear e gradual, uma coisa após outra. Como na vida, afinal. E Ceylan parece ter o controle desse timing nas mãos.
Outro detalhe de impacto e relevância em todo o filme é sua fotografia. A luz é utilizada de maneira parcimoniosa, aparecendo com grande discrição, mesmo em ambienteas mais abertos. Há um aspecto naturalista muito forte, associado a um teor claustrofóbico intenso percorrendo os espaços filmados em "3 macacos". Isso se traduz em momentos de incômodo no espectador, que tem sua capacidade de se manter impassível ante o pesar alheio desafiada contumazmente.
Por todos esses fatores, aqui está um filme que expressa sua mensagem de forma oblíqua, levando a uma crescente necessidade de se atentar para detalhes. O grande perigo, e também a grande possibiidade, é se reconhecer em algum personagem, ou em alguma atitude. Quem procura diversão passageira e piadas rasas deve passar longe de uma história como essa. Mas aquele que buscar ir além do ordinário será confrontado com sua prostração em cada gesto, olhar e fala desse trio.
Marcadores:
Cinema
2 de fev. de 2010
Neuroses e egocentrismo em "Celebridades"
Há quem diga que o ápice da carreira de Woody Allen esteja localizado na década de 70, época em que ele lançou "Noivo neurótico, noiva nervosa" e "Manhattan", clássicos indiscutíveis. O que foi produzido pelo diretor nas décadas seguintes, especialmente a de 90, costuma ser tratado como parte marginal de sua obra.
Mas o fato é que os filmes dirigidos por Allen nesse período também têm, sim, o seu valor. É o que se pode afirmar de "Celebridades", longa com o qual ele prossegue em sua inteligente abordagem do comportamento humano e das inseguranças de cada um de nós debaixo de muito senso de humor. Humor não apreciado por todos, é verdade. Mas não é de maiorias que o cinema de Woody Allen sobrevive.
Aqui, ele flagra os percalços enfrentados por um protagonista que, surpreendentemente (!), não é interpretado por sua porção ator. Trata-se de Kenneth Branagh, que vive Lee Simon, um repórter que se separa da mulher, vivida por Judy Davis, e busca trilhar novos caminhos para desvencilhar sua trajetória da dela. Logo, ele se empolga com as mil possibilidades que se lhe abrem nessa nova caminhada. É fato notório que Brannagh assume para si a persona alleniana, incorporando trejeitos típicos do diretor, como se fosse ele próprio em cena. Aqui reside um dos argumentos dos detratores de Allen para classificá-lo como egocêntrico. Seja como for, não interessa encontrar as razões que o levam a isso, mas apreciar mas esse apaixonante exercício de estilo do cineasta, que volta a usar fotografia em preto e branco, e também um elenco estelar. Essa era a tendência que ele vinha demonstrando desde "Todos dizem eu te amo" (1996), e que se encerraria por ali.
Quem conhece um pouco do universo do diretor vai encontrar, como de hábito em seus filmes, muita verborragia, traduzida num tipo de humor muito rebuscado, que não se firma em piadas óbvias, e lida o tempo todo com temas ousados ou até polêmicos, mas também universais. O público encontra em "Celebridades" a afetação dos ricos e famosos, com todas as suas neuroses e inseguranças. Os personagens não apresentam um perfil heroico, irrepreensível, mas exteriorizam sua inquietude com o que são e com a maneira como vivem. Alguns tipos são facilmente reconhecidos no mundinho dos astros e aspirantes a tal posto, e que, no filme, são personificados com grande talento por nomes como Melanie Griffith (há tempos longe de um grande papel) e Leonardo DiCaprio. A dobradinha formada por eles, nos papéis de amantes, rende cenas tanto hilárias quanto reflexivas. Griffith dá vida a uma atriz em ascensão que passa por Lee, e está interessada em toda a visibilidade que a fama pode trazer para ela. DiCaprio, por sua vez, se sai muito bem como um sujeito rufião, que impõe sua virilidade à custa de muita violência. Qualquer semelhança como jovens atores cheios de empáfia que pipocam diariamente nas revistas de fofoca não terá sido mera coincidência...
Com um elenco tão numeroso, Allen consegue construir uma ampla galeria de personagens, e há espaço inclusive para modelos cheias de beleza, mas conteúdo, nem tanto. É quando surge Charlize Theron, linda, como uma das "figuras públicas" com as quais o protagonista se envolve. A parceria entre Allen e Theron ainda renderia "O escorpião de jade", três anos depois. O que parece mover o tempo todo esse personagem é a busca por um lugar no mundo, característica sintomática na obra de Allen. Como homem, ele quer estar encaixado em alguma prateleira , e, como artista, entender seu verdadeiro papel. Como é comum com cineastas de grande talento, na filmografia de Allen há uma temática recorrente, conhecida com facilidade. A graça não está em ser sempre original, mas em tratar de um mesmo assunto por meio de diversas abordagens. Nada mais é do que olhar o velho como se fosse novo. A viagem pelo universo mágico que é o cinema, então, torna-se mais importante do que a chegada propriamente dita.
"Celebridades" mantém um ritmo regular, evidenciando novamente o timing perfeito de Allen para fazer suas colocações sarcásticas sobre a guerra de egos que se trava, silenciosamente ou não, nos bastidores daqueles cujas vidas são sinônimo de glamour, e alimentam a curiosidade quase doentia dos "pobres mortais" que os admiram a uma certa distância. A frivolidade desses chiques e vazios é quase aviltante para as ditas celebridades, mas constitui uma excelente argamassa para o filme se tornar nada menos que ótimo. Tem-se o emprego da metalinguagem com bastante eficiência, tal qual o diretor já fizera em "A rosa púrpura do Cairo", gema de sua carreira situada na década de 80. O roteiro bem azeitado, a cargo do diretor, como usualmente, é mais um indício de que há uma boa história a ser contada.
São muitos os destaques do filme, e citar todos requereria, pelo menos, um parágrafo para cada um. A constelação alleniana se completa, além dos nomes supracitados, com Winona Ryder, Hank Azaria, Joe Mantegna, Bebe Neuwirth, e até Sam Rockwell numa pequena aparição. Dá prazer ver tanta gente boa em cena, demonstrando entrega a seus personagens. Realmente, essa não é uma das obras-primas do diretor, mas entusiasma por sua construção acurada e interessante, aliando bons diálogos, ótimas sequências, e uma boa reflexão sobre o que é ser famoso nesses dias de hoje. Com uma mescla de jogo de aparências, atos inconsequentes e a insatisfação que move a todos nós na procura pelo rompimento da monotonia.
Mas o fato é que os filmes dirigidos por Allen nesse período também têm, sim, o seu valor. É o que se pode afirmar de "Celebridades", longa com o qual ele prossegue em sua inteligente abordagem do comportamento humano e das inseguranças de cada um de nós debaixo de muito senso de humor. Humor não apreciado por todos, é verdade. Mas não é de maiorias que o cinema de Woody Allen sobrevive.
Aqui, ele flagra os percalços enfrentados por um protagonista que, surpreendentemente (!), não é interpretado por sua porção ator. Trata-se de Kenneth Branagh, que vive Lee Simon, um repórter que se separa da mulher, vivida por Judy Davis, e busca trilhar novos caminhos para desvencilhar sua trajetória da dela. Logo, ele se empolga com as mil possibilidades que se lhe abrem nessa nova caminhada. É fato notório que Brannagh assume para si a persona alleniana, incorporando trejeitos típicos do diretor, como se fosse ele próprio em cena. Aqui reside um dos argumentos dos detratores de Allen para classificá-lo como egocêntrico. Seja como for, não interessa encontrar as razões que o levam a isso, mas apreciar mas esse apaixonante exercício de estilo do cineasta, que volta a usar fotografia em preto e branco, e também um elenco estelar. Essa era a tendência que ele vinha demonstrando desde "Todos dizem eu te amo" (1996), e que se encerraria por ali.
Quem conhece um pouco do universo do diretor vai encontrar, como de hábito em seus filmes, muita verborragia, traduzida num tipo de humor muito rebuscado, que não se firma em piadas óbvias, e lida o tempo todo com temas ousados ou até polêmicos, mas também universais. O público encontra em "Celebridades" a afetação dos ricos e famosos, com todas as suas neuroses e inseguranças. Os personagens não apresentam um perfil heroico, irrepreensível, mas exteriorizam sua inquietude com o que são e com a maneira como vivem. Alguns tipos são facilmente reconhecidos no mundinho dos astros e aspirantes a tal posto, e que, no filme, são personificados com grande talento por nomes como Melanie Griffith (há tempos longe de um grande papel) e Leonardo DiCaprio. A dobradinha formada por eles, nos papéis de amantes, rende cenas tanto hilárias quanto reflexivas. Griffith dá vida a uma atriz em ascensão que passa por Lee, e está interessada em toda a visibilidade que a fama pode trazer para ela. DiCaprio, por sua vez, se sai muito bem como um sujeito rufião, que impõe sua virilidade à custa de muita violência. Qualquer semelhança como jovens atores cheios de empáfia que pipocam diariamente nas revistas de fofoca não terá sido mera coincidência...
Com um elenco tão numeroso, Allen consegue construir uma ampla galeria de personagens, e há espaço inclusive para modelos cheias de beleza, mas conteúdo, nem tanto. É quando surge Charlize Theron, linda, como uma das "figuras públicas" com as quais o protagonista se envolve. A parceria entre Allen e Theron ainda renderia "O escorpião de jade", três anos depois. O que parece mover o tempo todo esse personagem é a busca por um lugar no mundo, característica sintomática na obra de Allen. Como homem, ele quer estar encaixado em alguma prateleira , e, como artista, entender seu verdadeiro papel. Como é comum com cineastas de grande talento, na filmografia de Allen há uma temática recorrente, conhecida com facilidade. A graça não está em ser sempre original, mas em tratar de um mesmo assunto por meio de diversas abordagens. Nada mais é do que olhar o velho como se fosse novo. A viagem pelo universo mágico que é o cinema, então, torna-se mais importante do que a chegada propriamente dita.
"Celebridades" mantém um ritmo regular, evidenciando novamente o timing perfeito de Allen para fazer suas colocações sarcásticas sobre a guerra de egos que se trava, silenciosamente ou não, nos bastidores daqueles cujas vidas são sinônimo de glamour, e alimentam a curiosidade quase doentia dos "pobres mortais" que os admiram a uma certa distância. A frivolidade desses chiques e vazios é quase aviltante para as ditas celebridades, mas constitui uma excelente argamassa para o filme se tornar nada menos que ótimo. Tem-se o emprego da metalinguagem com bastante eficiência, tal qual o diretor já fizera em "A rosa púrpura do Cairo", gema de sua carreira situada na década de 80. O roteiro bem azeitado, a cargo do diretor, como usualmente, é mais um indício de que há uma boa história a ser contada.
São muitos os destaques do filme, e citar todos requereria, pelo menos, um parágrafo para cada um. A constelação alleniana se completa, além dos nomes supracitados, com Winona Ryder, Hank Azaria, Joe Mantegna, Bebe Neuwirth, e até Sam Rockwell numa pequena aparição. Dá prazer ver tanta gente boa em cena, demonstrando entrega a seus personagens. Realmente, essa não é uma das obras-primas do diretor, mas entusiasma por sua construção acurada e interessante, aliando bons diálogos, ótimas sequências, e uma boa reflexão sobre o que é ser famoso nesses dias de hoje. Com uma mescla de jogo de aparências, atos inconsequentes e a insatisfação que move a todos nós na procura pelo rompimento da monotonia.
Marcadores:
Cinema,
Woody Allen
Assinar:
Postagens (Atom)