11 de jan. de 2012

A grandiosidade em todos os sentidos ou apenas Titanic

Comentar a respeito de um filme sobre o qual já disse tantas coisas não é tarefa das mais fáceis. Entretanto, as palavras aqui escritas foram resultado de dedos impelidos pela vontade de manifestar as impressões diante do tal filme. Titanic (idem, 1997) é o grande sucesso da carreira de James Cameron, e méritos não lhe faltam para ocupar tal posto. Dotado de uma grande magnitude, ele é a reconstituição de um episódio lendário da História. Como todos sabem, o navio que dá nome ao longa afundou no longínquo ano de 1912, fazendo centenas de vítimas em sua lenta submersão. Entre os vários passageiros do transatlântico, estavam Jack (Leonardo DiCaprio) e Rose (Kate Winslet), jovens de mundos diferentes cujas trajetórias se aproximaram de tal modo dentro do navio que uma incandescente paixão um pelo outro lhes tomou.



Os desdobramentos dessa paixão consomem boa parte do filme. A história pessoal de cada um revela o chavão da moça rica e do rapaz pobre. Ele só conseguiu embarcar ali por ter ganhado um bilhete em uma aposta. Ela está prometida a um homem pedante (Billy Zane), a quem não ama. A despeito dessas clássicas limitações, o amor floresce para eles, que amam com intensidade. Cameron não economiza nas cenas de amor entre os personagens, o que inclui a clássica imagem dos dois na proa do navio de braços abertos, ao som de My heart will go on, eternizada no timbre mavioso de Celine Dion e devidamente premiada com o Oscar de canção original, uma das 11 categorias em que se consagrou. Felizmente, diga-se de passagem. A tal cena até hoje e lembrada e citada nas mais diversas formas, seja homenagem, seja paródia. O fato é que se trata de uma das passagens mais inesquecíveis emblemáticas da história do cinema.

Uma outra sequência dotada de beleza e sensualidade é a que apresenta a primeira noite de amor entre Rose e Jack. Não há nada de muito explícito nela, mas é uma cena que transpira sensualidade, literal e figuradamente. Vemos apenas as gotas de suor dos parceiros na janela do carro em que eles se entregam ao êxtase erótico, denotando o sentimento de pertencimento de um ou outro naquela hora tão íntima e mágica. A veracidade da cena existe graças aos desempenhos fabulosos de Winslet e DiCaprio, escalações acertadíssimas de Cameron. Ambos viriam a trilhar um longo e belo caminho de êxitos depois de Titanic, mas foi nesse filme que eles despontaram para o grande público e viram, pela primeira vez, seus nomes no topo de uma produção assaz grandiosa.

Aliás, Titanic é cercado de superlativos. Os números altos vão do custo da produção à já comentada quantidade de estatuetas recebidas pelo filme. Por vários meses, ele permaneceu no Top 10 das bilheterias estadunidenses, o que permitiu que arrecadasse altas cifras de espectadores ávidos pela mistura de drama real com história de amor engendrada pelo realizador canadense. A fidelidade na reconstituição do transatlântico, com seus vários cômodos e compartimentos, também é notável. É triste saber de antemão que o destino de quase todos os tripulantes daquela embarcação será fatídico, e sabe-se disso por causa da estrutura em flashback da narrativa que, no presente, traz Gloria Stuart no papel de Rose, chamada para dar o seu relato a respeito da tragédia envolvendo o navio. É assim que somos transportados para a trama magnificente do filme, correto em todos os sentidos, e transbordante de emoção e força. Sem menos esperar, tornamo-nos cúmplices de reféns da paixão do casal protagonista, e aprendemos a rejeitar Hockley, o noivo prometido de Rose.



Também não se pode deixar de mencionar a majestosa fotografia de Titanic. Clicadas por Russell Carpenter, as cenas ganham tonalidades deslumbrantes. O ocaso parece mais brilhante, a lua mais intensa e vivaz, tal qual como enxergam os apaixonados. É com esse olhar que somos guiados, por haver um pouco de Jack e de Rose em cada um de nós. Pieguice? Talvez até seja. Mas é tudo envolto em uma aura irresistível, o que torna o filme praticamente uma unanimidade. Independentemente do fato de ser cinéfilo, há muitos espectadores que amam Titanic, e há muitas razões para isso. Cameron conseguiu acertar em cheio as grandes plateias, criando um filme capaz de sobreviver por muito tempo na memória. São vários instantes estupendos, emocionantes, que revelam a destreza de um diretor que, ao longo de sua carreira, tem privilegiado o discurso grandiloquente e a arquitetura visual imponente. É cinemão mesmo, e dos bons.

A química perfeita de Winslet e DiCaprio, por sua vez, seria reaproveitada onze anos depois por Sam Mendes, então marido da atriz, em Foi apenas um sonho (Revolutionary road, 2008), comprovando que o tempo só fez bem à parceria e ao talento de ambos. Em Titanic, ambos eram muito jovens, com uma longa estrada a ser percorrida, mas já demonstravam clara competência em seus papéis. Ao longo das mais de três horas de duração do filme, ela desfila sua beleza ruiva e ondulada pelos vários espaços do navio, embevecendo tanto a Jack quanto a nós, espectadores. Este marco do cinema de fins da década de 90 é ornado pela presença refulgente de Winslet, que mantém uma brilhante simbiose dramática com DiCaprio, exalando frescor jovem. Por todas essas qualidades apontadas, fica muito difícil imaginar outros intérpretes em seu lugar. Jack e Rose parecem ter sido escritos para eles.

O destino é cruel com o transatlântico, e isso está claro tanto por conta da História como por causa da antecipação do fim que o roteiro do próprio Cameron traz. Portanto, o importante aqui não é saber para que final a trama caminhará, mas sim conhecer os acontecimentos que culminaram com tamanha catástrofe. O interesse por Titanic resulta em seu percurso, e não em ponto de chegada. Até que o fim chegue, conhecemos duas realidades distintas convivendo nos vários pavimentos do navio, uma espécie de microcosmos da sociedade do seu tempo. A ostentação dos endinheirados caminhava lado a lado com a privação dos menos favorecidos, que eram uma minoria por ali. Quando as águas invadiram o local, contudo, nada disso importava. A essa altura, aliás, surge outra cena marcante do filme: resignados com a morte iminente, os instrumentistas da orquestra local se limitam a executar uma espécie de marcha fúnebre, musicando aquele momento tão caótico, contra o qual pouco ou nada restava a fazer.

No fundo, Titanic é uma história bastante convencional do início ao fim. Não é difícil prever os desdobramentos do romance trágico de Jack e Rose. Ainda assim, torcemos pela união dos dois, como se esquecêssemos a maior parte do tempo que o destino dos amantes está traçado, bem à moda clássica. Não há escapatória para esse amor, porque ninguém pode fugir do próprio destino, tal qual nos apontam as tragédias gregas, exemplares para a composição dramática ocidental. Por mais que Jack cometa uma pequena trapaça que o coloca no transatlântico, seus passos seguintes parecem fazer parte de uma ciranda de circunstâncias implacáveis, incluindo o seu encontro com Rose. Na primeira única viagem feita pelo Titanic, reside uma certeza que pode ser ampliada para o filme, sem qualquer vergonha de ser filósofo de botequim: a vida também é uma viagem, sempre única para cada um. E assim também é com o cinema, conforme atestam filmes do porte desse, inscrito definitivamente no imaginário cinéfilo.

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