8 de jan. de 2012

Contradições, alternativas e dúvidas em A primeira noite de um homem


Uma nova etapa acabou de ser cumprida para Benjamin Braddock (Dustin Hoffman). Depois de concluir sua graduação, ele retorna para a casa dos pais enquanto decide que rumo tomar na vida. Ele ainda tem 22 anos de idade, e cultiva a sua indecisão pelo tempo que pode. Nesse ínterim, cai nas graças da Sra. Robinson (Anne Bancroft), uma amiga de sua família, bem mais velha que ele. Interessada no rapaz, ela fara o que for necessário para enredá-lo em seu jogo de sedução. Eis o ponto de partida de A primeira noite de um homem (The graduate, 1967), um dos primeiros filmes da carreira de Mike Nichols, diretor que ainda entregaria várias obras de notória relevância ao público sedento de história contadas com categoria.

As dúvidas se superpõem sobre a cabeça do jovem Benjamin: ceder ou não as investidas da Sra. Robinson? Arrumar um emprego ou aproveitar um pouco mais seu período de recém-graduado? Contar ou não ao marido dela sobre o que está acontecendo? Essas e várias outras questões vão surgindo para que ele tenha de resolvê-las, e as situações imprevistas que a vida apresenta são maneiras de forçá-lo a encontrar saídas. Mais adiante, surge uma outra hesitação em forma de mulher: a meiga Elaine (Katharine Ross), ninguém menos que a filha da Sra. Robinson. É por meio desse argumento que Nichols apresenta uma das grandes produções da década de 60. O elenco está formidável, o roteiro é muito bem escrito e a trilha sonora é brilhante. Com todas essas qualidades reunidas, o resultado final não poderia ser diferente de espetacular.

Antes de mais nada, A primeira noite de um homem aborda a típica fase de dúvidas do final da adolescência para o começo da idade adulta. Benjamin ainda é muito jovem, mas já se exige dele uma grande responsabilidade diante de sua própria vida. Ele precisa dar conta de formar uma boa estrutura financeira, além de ter que lidar com o constante assédio da Sra. Robinson, ao qual acabará cedendo, desembocando na sua tal primeira noite, conforme o título em português do filme dá conta de anunciar, diferentemente do original, que se limita a fazer referência à condição em que o protagonista se encontra. Aquela primeira noite desencadeará uma série de outros acontecimentos na vida do rapaz, servindo-lhe como importantes experiências para que sua visão da vida, do amor e das pessoas seja redimensionada, adequando-se à perspectiva de um adulto.



Um dos responsáveis por fazer deste um grande filme é Dustin Hoffman. Embora soe pouco convincente na pele de um rapaz de vinte e poucos anos, ele é a alma da trama, o retrato vivo de um homem cindido em duas possibilidades: o sexo, proporcionado pelo caso com a voluptuosa Sra. Robinson, e o amor, representado pela figura dócil e afável de Elaine, que aparece para ele como a concretização de um sonho de relacionamento mais profundo e com futuro. Nos encontros com sua amante, Benjamin espera que o envolvimento evolua para uma relação sólida. Há uma cena emblemática que demonstra esse desejo do personagem, quando os dois estão na cama do hotel onde todos os funcionários já o conhecem. Benjamin pergunta sobre fatos da vida da Sra. Robinson, que sempre dá respostas evasivas. Ele vai percebendo, ali, o vazio daquele caso, abrindo ainda mais seu coração para um romance com Elaine. Em meio a tantas nuances, Hoffman demonstra uma atuação segura e competente, como se já sinalizasse o grande ator que viria a ser, adicionando vários outros papéis memoráveis ao seu currículo posteriormente.

O outro responsável pela qualidade do longa-metragem é Mike Nichols. Com sua ousadia para os padrões da época, ele ajudou a redefinir a comédia no cinema, e a incluir o sexo, um grande tabu até então, na jornada de um jovem corroído pela indecisão. Naturalmente, houve um certo escândalo quando o filme foi lançado, e lá se vão mais de quarenta anos desde que isso aconteceu. O estilo de narrativa, por sua vez, é considerado pela crítica especializada um empréstimo do cinema de arte europeu. De fato, o despojamento desse filme remete a outro título que lhe é contemporâneo: A bela da tarde (La belle de jour, 1967), do controverso Luis Buñuel, um exemplar europeu com o qual, em certa medida, A primeira noite de um homem dialoga. Entretanto, a ousadia sexual do filme de Nichols surge em doses homeopáticas, por assim dizer, o que já foi suficiente para escandalizar as plateias mais conservadoras. O mesmo cineasta voltaria a gerar reações de desconforto décadas mais tarde, ao dirigir Closer – Perto demais (Closer, 2004), injetando frescor e sinceridade à clássica trama de ciranda de desencontros amorosos. É ou não um grande diretor?

A base para o ótimo roteiro do filme está no romance de Charles Webb, que o escreveu pouco tempo depois de se formar, em 1963. Sua situação, portanto, era semelhante à de Benjamin, e a obra foi adaptada para o cinema por Buck Henry, que faz uma ponta como recepcionista do hotel em que o protagonista mantém seu caso secreto. Ele continua na ativa ainda hoje, tendo escrito roteiros de filmes como Um sonho sem limites (To die for, 1995) e o fracassado Ricos, bonitos e infiéis (Town & country, 2001), em que parecia disposto a retomar a mescla de comédia dramática com crítica social que deu certo em A primeira noite de um homem. Este sim, foi um tiro certeiro, revelador das mudanças de costumes sociais e sexuais que ganhariam culminância dois anos depois, em certo Festival de Woodstock. Em outras palavras, Benjamin é o reflexo de toda uma geração marcada pela inquietude, tateando o seu lugar ao sol e a resposta para os anseios insistentes de seu coração, com o tempero de músicas que permanecem por muito tempo ecoando nos ouvidos.

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