1 de dez. de 2011

O lutador e a busca pela reconciliação com a existência



Apontado como a grande redenção da carreira de Mickey Rourke, O lutador (The wrestler, 2008) é também um grande achado na carreira de Darren Aronofsky, o diretor por trás da obra. Sua narrativa tem como personagem principal Randy “Ram” Robinson (Rourke), um lutador profissional que vive sua aposentadoria aos sobressaltos, passando seus dias como quem está à deriva. Sua rotina é deplorável, e seu passado de glórias, em vez de lhe trazer alegria e satisfação, pesa como um terrível tormento. Ele está sozinho, e essa triste constatação dói em seu peito, ainda que suas demonstrações de força e autossuficiência digam o contrário. No fundo, o que ele quer é voltar à ativa, já que nunca se desvencilhou totalmente das lutas, conservando a tendência para se meter em confusões de qualquer tipo ainda competindo no circuito independente. Até que sua sorte parece mudar: ele fica sabendo que um de seus antigos rivais está chamando ao desafio. Incapaz de resistir, ele empreenderá um enorme esforço para enfrentar o famoso Aiatolá.

Partindo dessa premissa intensa, Aronofsky nos traz mais um de seus personagens obcecados pela perfeição e pela autossuperação, fato que os leva a entrar em projetos camicases que responderão por suas glórias e por suas ruínas, às vezes, simultaneamente. Essa tendência é sintomática no cinema do diretor, e pode ser destacada como o seu tema-fetiche, por assim dizer. Interessa e ele espiar como se processa o triunfo da vontade sobre as circunstâncias adversas que se interpolam entre um indivíduo e seu caminho. A despeito de uma série de contrariedades, como um infarto recente, Randy nunca para de lutar. E sua disposição é tanto para a luta em seu sentido literal quanto metafórico, uma vez que vários dos seus problemas são vistos por ele como inimigos a serem abatidos. Somado ao seu desejo de voltar aos ringues, está a sua necessidade de reconciliação com a filha Stephanie (Evan Rachel Wood), com quem não mantém contato há anos, e sua paixão desastrada por Cassidy (Marisa Tomei), uma stripper com quem compartilha uma estranha e oportuna identificação.

O protagonista caminha entre esses três eixos ao longo da duração de O lutador, e oferece um denso estudo sobre a importância de se criar laços, inerente a qualquer ser humano. Muitas vezes, Randy e seu destino colidem, mas ele não demonstra perder a fé em si mesmo e na vida, ainda que essa demonstração venha por meio de decisões e métodos que não aparentam ser os mais ortodoxos. Aronofsky ganha pontos com o público por se valer de uma abordagem que soa sempre sincera, com personagens que não se furtam de apresentar as suas mazelas, e que, ainda que não acertem o tempo todo, procuram avançar em seus caminhos. O protagonista tem um percurso longo e difícil diante de si, mas sua veia de competidor impede seu esmorecimento. Da mesma forma, seu intérprete, Mickey Rourke, exibe uma sede de atuação como poucas vezes se viu recentemente. É sabido que o ator vinha de um longo hiato na participação de filmes, ao qual se antecederam alguns fiascos, como o tosco Orquídea selvagem (Wild orchid, 1990), em que o ator ainda exibia uma beleza admirável em meio a um roteiro primário e constrangedor.



Diante dessa vontade férrea observável em Rourke e em Robinson, há que se recorrer ao velho chavão de que “A arte imita a vida”, pois o que se verifica em O lutador é um notável efeito especular entre as carreiras do personagem e do ator. Depois de anos dedicados à luta na vida real, o intérprete perdeu boa parte de seu viço, o que leva a atenção para seu desempenho, e não tanto para sua estampa. E, nesse quesito, ele mostra que pode ser exemplar, arrastando para si todo o filme, e promovendo inesquecíveis cenas com a personagem de Marisa Tomei, outra que arrebenta em seu papel. Tanto como Randy, Cassidy foi aprovada com louvor na escola do abandono (uma metáfora muito eficiente aqui reeditada), e entende, inclusive com o olhar, as feridas que o lutador carrega em seu peito parrudo. Eles são, de uma maneira muito desengonçada, como almas gêmeas, que se amam tumultuadamente, que se reclamam com seus corpos e seus corações apaixonados. Stephanie, por sua vez, é o sopro de paternidade que bate no rosto vincado de Randy, que se esmera em tentativas de aproximação que, por muitas vezes, são repelidas por ela. Note-se bem o trabalho bem feito de Evan Rachel Wood, que viria a chamar a atenção de Woody Allen e trabalhar com ele no ótimo Tudo pode dar certo (Weathever works, 2009).

Alegando diferenças criativas (lugar comum recorrente entre os atores), Nicolas Cage, inicialmente escalado para o papel principal, deixou o projeto. Vendo-se Mickey Rourke e seus potentes rugidos de fúria e afinco na tela, torna-se quase impossível pensar e outro ator para o personagem, e o espectador pode produzir gritos de júbilo pelo contentamento com sua escalação para o filme. Pontos a menos para Cage, que seguiu seu marasmo de escolhas equivocadas, que incluem bombas como Perigo em Bangkok (Bangkok dangerous, 2008) e Presságio (Knowing, 2008). Assim como Rourke, Tomei e Rachel Wood demonstram um ótimo encaixe aos seus papéis, e reafirmam Aronofsky como um grande diretor de atores, que sabe decalcar de seus intérpretes preciosos desempenhos. Não foi de espantar, portanto, a indicação de Rourke na categoria de melhor ator, cuja vitória acabou sendo de Sean Penn, que concorria por Milk – A voz da igualdade (Milk, 2008).

Caberia também uma indicação para o diretor, que acabou não vindo. Independentemente desses detalhes, porém, O lutador é um filme que faz bem aos olhos e aos ouvidos, como uma trilha sonora marcante, cuja assinatura cabe a Clint Mansell, parceiro do cineasta em outros filmes, como Fonte da vida (The fountain, 2006) e Cisne negro (Black swan, 2010). Seu orçamento foi frugal diante dos investimentos nímios de outras produções que saem dos altos-fornos hollywoodianos: apenas 7 milhões de dólares. O tempo de filmagem também foi recorde: somente 35 dias. Eis duas provas cabais de que enxutez de grana e economia narrativa podem significar um brinde ao público com uma história cheia de sentimento, emoção e, por conseguinte, coração.

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