27 de dez. de 2011

Paranoia coletiva e realismo alarmante em Contágio


O filão dos filmes de catástrofe ganhou um novo exemplar através de Contágio (Contagion, 2011), recente trabalho de Steven Soderbergh. O diretor, sempre prolífico, decidiu apresentar ao público o seu olhar para uma temática cada vez mais atual: a paranoia coletiva, especificamente no âmbito da saúde. Para isso, ele parte de uma premissa recorrente em longas de ficção científica, que é a descoberta de um vírus letal que vem fazendo vítimas com rapidez assustadora. Ninguém sabe ao certo de onde vem aquele organismo com alta capacidade destrutiva, e a primeira vítima é feita com menos de 15 minutos de narrativa. Beth Emhoff (Gwyneth Paltrow) pensa estar sofrendo de jet lag quando fala ao telefone, ainda em viagem, com o marido Mitch (Matt Damon). Pouco depois, ela estará de volta para casa e apresentará estranhos sintomas, até que falece.

Ela é apenas a primeira de um numeroso catálogo de vítimas, que vai aparecendo uma após a outra, em um enredo eletrizante que começa por um fatídico “dia 2”. A morte de Beth dá a largada de uma epidemia de contornos alarmantes, que é capaz de deixar o espectador apreensivo na poltrona. Soderbergh tem por hábito dar uma leitura particular para temas e gêneros comuns no cinema, e é exatamente o que ele faz em Contágio. Ao mesmo tempo em que se vale de certos chavões dos filmes de ficção científica, ele exibe coragem para subverter certos códigos que se julgam imexíveis na gramática do gênero. O elenco é repleto de astros e estrelas, e o roteiro de Scott Z. Burns (de O desinformante [The informant, 2009], também dirigido por Soderbergh) não se furta de tirar a vida de personagens interpretados por atores famosos, como Paltrow. Há, inclusive, uma agoniante cena de necropsia com sua personagem, em que se vê, graças a uma ótima maquiagem, a retirada de seu escalpo.

Em meio ao desespero que toma conta de todos, a narrativa se multiplica em várias frentes, levando o público às altas esferas do governo e suas tentativas de solucionar o grave problema diante do qual se encontram. Ministros, médicos, governadores... todos têm uma tese para responder às perguntas que não querem calar. Assim, Contágio não apresenta exatamente um protagonista. Pelo menos, não um protagonistas humano. O vírus praticamente invisível é o personagem mais importante da história, e todos os humanos se tornam coadjuvantes diante do seu poder devastador. Qualquer um pode ser a próxima vítima. Todos estão vulneráveis e esse realismo contribui para que o roteiro se aproxime do palpável. As cenas que envolvem os aparatos para o enfrentamento do vírus, bem como os diálogos sobre seu desenvolvimento são fruto de uma criteriosa pesquisa com especialistas no assunto. Isso significa que, se estivéssemos realmente vivendo um caso de epidemia global, o cenário seria muito parecido com o que o filme apresenta.



Entre os nomes ilustres que figuram no elenco de Contágio, está Kate Winslet, no papel de uma médica austera que luta com unhas e dentes por uma resposta à agonia da população mundial. A atriz exibe a sua competência habitual, e é uma das tais coadjuvantes do filme, cuja presença é constantemente eclipsada por outros nomes, como o de Marion Cotillard, também na pele de uma profissional da saúde que também se engaja na luta contra o tempo por um antídoto àquele mal. Elas funcionam como peças de um grande jogo de tabuleiro que se estende por vários pontos do mundo e inclui cidades importantes como Hong Kong, Macau, Atlanta e Chicago. No Brasil, especificamente no Rio de Janeiro – até onde se sabe – a campanha de divulgação do filme foi maciça, e procurou dar conta de colocar o público no clima de alerta que o filme apresenta. O lema de que cada segundo é fundamental foi colocado no subtexto da campanha e de todo o filme e, diga-se de passagem, deu muito certo.

Matt Damon é outro ator importante do elenco, e o que mais se aproxima do posto de protagonista da trama. Como Mitch, ele é o único que, inexplicavelmente, permanece imune ao vírus, e enfrenta a barbárie em que o mundo se tornou. O ator vem de outras cinco colaborações com Soderbergh, que incluem títulos como Confissões de uma mente perigosa (Confessions of a dangerous mind, 2002), em que fez uma ponta. De certa forma, é possível traçar um rápido paralelo entre seu personagem em Contágio e a Mulher do Médico (Julianne Moore) de Ensaio sobre a cegueira (Blindness, 2008). Se ele é único a que o vírus não alcança, ela é a única que mantém a faculdade de enxergar. Não por acaso, ambos os filmes foram colocados em pé de igualdade por alguns espectadores e críticos, o que é uma meia verdade. Cada um deles apresente identidade própria, embora ambos apontem para cenários cataclísmicos.

No fundo, Contágio é mais um exercício de Soderbergh pela reinvenção de gêneros e perspectivas, como ele já fez tantas vezes – Full frontal (idem, 2002) é um outro exemplo. O roteiro é dotado de um estrutura algo didática, com a narrativa distribuída um tanto linearmente, começando pelo dia 2, passando por outros que são determinantes para o desenrolar dos fatos. O tal dia 1 é a grande incógnita, que não deixa de ser respondida, ainda que de modo um tanto óbvio a certa altura. Ainda há espaço para a discussão da força das mídias em sua potência disseminadora de informação, traduzida no personagem de Jude Law, estranhamente caracterizado e dotado de uma ferocidade que o faz impassível diante da vontade de manter todo a par de cada notícia que surge na comunidade científica. Ao fim da sessão, resta a noção de que Contágio é mais um trabalho convincente e competente de Soderbergh, que vai além do entretenimento e gera reflexão.

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