O cinema praticado por Woody Allen na década de 70 é notadamente distinto do que ele tem feito em seus últimos filmes. Se desde 2005 ele tem passeado por capitais europeias para brindar o público com obras de valor inestimável que perseguem seus temas favoritos, em seus primeiros trabalhos nota-se a primazia da comédia física, com muitos traços do pastelão. Esse é, por vários momentos, o caso de Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo e tinha medo de perguntar (Everything you always wanted to know about sex * but were afraid to ask, 1972), uma galhofa e tanto com um tema que se presta a abordagens piadísticas com notável conveniência. O filme é composto de sete segmentos que se propõem a “desvendar” alguns mitos e questões relativos ao sexo, e se vale de um arsenal de piadas elaboradas no roteiro escrito pelo próprio Allen. A base para a sua elaboração foi o livro de David Reuben, que foi concebido como um manual para sanar dúvidas diversas em um campo tão marcado por tabus. Entretanto, como se percebe desde o primeiro segmento, a abordagem do diretor é puramente cômica.
Ele não está interessado em fazer uma mera transposição do texto original para o cinema, mas em apresentar uma releitura com fartas doses de seu humor típico por meio de situações que dialogam com a bizarrice em certa medida. Para isso, recrutou a si mesmo e a um time de atores que se saem muito bem em papéis um tanto improváveis. Entre as dúvidas que o filme se presta a “sanar” estão as seguintes: os afrodisíacos funcionam?, o que é sodomia?, o que acontece com o corpo durante uma relação sexual? Essas e as demais recebem um tratamento sempre assinalado pelo humor corrosivo, e afastam qualquer possibilidade de didatismo para a narrativa. Logo no primeiro segmento, Allen aparece como um bobo da corte que não é mais capaz de fazer o seu rei rir, e acaba se envolvendo em uma trama divertida envolvendo a rainha, a quem ele oferece uma poção que desperta sua libido quase instantaneamente, para depois não conseguir se esconder a tempo de um rei que acorda antes do previsto. Por meio dessa primeira história, nota-se que Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo e tinha medo de perguntar percorre sua duração apostando em frouxos de riso e em um conteúdo que não se leva a sério.
Voltando aos atores, vale comentar as presenças agradáveis de Louise Lasser em cena, repetindo com o diretor a parceria de Bananas (idem, 1971), filmado no ano anterior, e de Gene Wilder e Burt Reynolds. Este aparece no último segmento, como um dos chefes de operação do corpo humano que ajuda a administrar o frenesi derivado do êxtase sexual, e aquele interpreta um médico que se vê perdidamente apaixonado por uma ovelha. Sua participação se dá no segundo segmento, em que se levanta a questão da sodomia. Tudo com uma leveza e um coloquialismo que Allen sabe colocar muito bem em sua obra, embora este segundo elemento não seja propriamente o mais notável em seus trabalhos. A impressão que se tem diante desse filme é a de se ouvir alguém dando suas opiniões extravagantes sobre assuntos diversos ligados à área sexual, em um contexto de conversa de bar. Mesmo que muitas situações não cheguem a ser risíveis, é factual a observação de que Allen consegue ser provocativo, e que ele já sinaliza uma série de características que já estavam se delineando como recorrentes em seus longas-metragens.
Estão presentes no filme, de alguma maneira, a dificuldade em se delimitar o papel do artista no mundo e o sexo como frustração pessoal. Nenhum dos vários personagens do filme é bem-resolvido com essa questão, e demonstra essa dificuldade de inúmeras formas. Seria possível citar uma penca de trabalhos seus que abordam essas temáticas, como Noivo neurótico, noiva nervosa (Annie Hall, 1977) e Dirigindo no escuro (Hollywood ending, 2002), só para citar um exemplo de cada. Com relação a outros temas, também se pode observar a questão da ênfase da palavra, com personagens que mais falam sobre sexo do que propriamente o praticam. Os diálogos são típicos da obra alleniana, e ajudam a compor um quadro cômico que não se pauta (quase nunca) pela piada fácil ou de mau gosto. Ainda que a informalidade atravesse as tramas alinhavadas pelo diretor, ela não torna o filme uma sucessão de grosserias ou meras obscenidades. O que se tem é uma associação entre bom humor e algumas sutilezas, configurando uma mistura entre gargalhadas afrouxantes e sorrisos laterais.
A estruturação do filme em episódios é uma grande justificativa para apontá-lo, a priori, como irregular. Entretanto, o que dá unidade a cada uma das histórias apresentadas pelo diretor é seu eixo temático. Em comum, todas elas elas também têm a maneira um tanto desengonçada de fazer referência aos temas e às situações propostas. É interessante notar que, diferentemente de tantos outros diretores que recorrem com frequência à passionalidade, Allen oferece uma abordagem que foge da sensualidade e sublinha o tempo inteiro o humor. Ainda que, muitas vezes, esse humor seja uma cobertura para uma certa dose de desespero de inabilidade diante de situações diversas. O filme é desengonçado como Todos dizem eu te amo (Everyone says I love you, 1996), a incursão do diretor no musical. No caso do filme analisado, há que se lembrar ainda que se trata de uma obra totalmente de seu tempo, que apela para a comédia rasgada e não tem papas na língua ao falar do assunto que se presta a apresentar. É bem verdade que algumas concepções são muito mais do diretor que propriamente do senso comum, o que não deixa de ser muito divertido e curioso. Certamente, não é dos grandes trabalhos de sua carreira, mas vale como uma alegre experiência que atesta que sua obra só se depura com o tempo e, aqui, ainda tateava seus primeiros indicadores de identidade estética, para se tornar cada vez mais perene.
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