27 de out. de 2011

Amor a toda prova e seu tratamento sincero para uma premissa recorrente


Está mais do que provado que as comédias românticas têm um apelo popular irresistível. Produzidas às pencas, elas são capazes de atrair multidões de espectadores ávidos de produções que dialogam com suas próprias vidas, na medida em que tratam de relacionamentos e podem ser tudo aquilo que se quer ver e ouvir, não exatamente do que se precisa. Amor a toda prova (Crazy, stupid love, 2011) não se enquadra exatamente nos comentários tecidos anteriormente, por sutis diferenças em sua estrutura que a tornam um tanto singular em meio a tantas tramas isomórficas que o cinema hollywoodiano lança quase toda semana. Suas qualidades são várias, e cada uma delas vale ser assinalada para convencer o espectador que duvida da capacidade do cinema de oferecer emoção, acalento e sinceridade na abordagem dos conflitos e enigmas do coração.

O fio condutor da narrativa é a história de Cal (Steve Carrel) e Emily (Julianne Moore), um casal que já começa o filme em vias de se desfazer. A sequência de abertura já evidencia a sintonia que paira sobre eles. Em um restaurante ao mesmo tempo chique e descolado, vários casais efetivos ou em potencial acariciam os pés um dos outros, e são sempre belos pés. Até que a câmera chega à mesa dos nossos protagonistas, e então vemos o despojamento antirromântico de Cal, que usa tênis surrados e não aproxima seus pés da esposa. Ali mesmo, sem meios termos, ela dispara que quer o divórcio, e logo se descobre que Emily está tendo um caso com David (Kevin Bacon). Essas duas notícias juntas respondem pela perda de rumo de Cal, que se vê impotente diante da decisão de sua esposa. O rompimento repentino do casal, entretanto, é apenas uma das faces do polígono de relações desenhado de Glenn Ficarra e John Requa, a dupla de diretores cujo trabalho anterior é O golpista do ano (I love you, Philip Morris, 2010), que torna esse novo trabalho improvável para ambos.

Entretanto, fica provado ao longo do desenvolvimento de Amor a toda prova que o trabalho é um grande acerto na carreira da dupla, que sabe dosar sarcasmo e ternura para narrar os descaminhos misteriosos de um sentimento que pode pregar peças em qualquer um. Uma vez separado de Emily, Cal tem seu caminho cruzado com o de Jacob Palmer (Ryan Gosling), o arquétipo do garanhão que o incita a rever seus conceitos e seu estilo pessoal. Extremamente desenvolto no trato com o sexo feminino, ele ajuda Cal a dar uma importante guinada em sua vida com seus conselhos. Sim, a relação que se estabelece entre os personagens é a de tutor e discípulo, e entre eles surge logo uma notável cumplicidade. Como se perceberá mais adiante, todavia, ambos estão vulneráveis às armadilhas do coração, denotando que mesmo o mais calejado dos homens pode sucumbir a elas. É bem verdade que existem alguns clichês no filme, mas eles são tão bem administrados e desenvolvidos que se tornam irresistíveis. Amor a toda prova flerta com a gramática tradicional dos filmes do gênero, e não tem vergonha de se assumir como um filme de amor, mas essa é apenas a sua superfície. Há muito mais a se descobrir acompanhando a jornada algo desastrosa de seus protagonistas.



Um dos grandes defeitos do filme, porém, é seu título brasileiro. Por que transformar um título original tão honesto eficiente como Crazy, stupid love em uma bobagem tremenda como o é Amor a toda prova? Além do que, trata-se de uma repetição picareta, pois P.J. Hogan havia dirigido Unconditional love em 2002, que recebeu o mesmo título em solo nacional. A proposta por trás dessa escolha não é de todo incoerente, mas soa irritante e tautológica diante de uma outra possibilidade muito mais cheia de relevância. Vale comentar que tanto Steve Carrel quanto Ryan Gosling estão no elenco de outros filmes com títulos deploráveis no Brasil: Eu, meu irmão e nossa namorada (Dan in real life, 2008) e Namorados para sempre (Blue valentine, 2010), respectivamente. A despeito dos títulos, contudo, os dois também são ótimos filmes, e Amor a toda prova vem se filiar a uma tradição recente de nomenclaturas equivocadas para histórias bem contadas e cheias de grandes momentos.

Feito esse grande parênteses, volta-se a comentar um filme que apresenta um outro diferencial interessante: aqui, as grandes vítimas do amor são os homens. Cal e Jacob, cada um a seu tempo, sofrem por seus objetos de desejo e amor, e precisam lidar com a “coita amorosa” da maneira mais otimista possível. Antes de Amor a toda prova, apenas (500) dias com ela ((500) days of Summer, 2009) havia apostado em se dedicar ao outro lado das relações amorosas, colocando um protagonista masculino com dor de cotovelo. As mulheres aqui são cruéis e voluptuosas. Julianne Moore – uma das atrizes mais estupendas que o cinema já conheceu – também entra nessa onda; Sua Emily é um tanto volátil no que se refere ao amor, e parte o coração do (ex-) marido sem dó nem piedade, esfregando a verdade sobre seu caso extraconjugal quase sadicamente. Hannah não fica atrás, e é a grande responsável pela degringolada dos sucessos consecutivos de Jacob com a ala feminina. Por meio desse casal está representado aquele velho chavão da mulher difícil que atrai a atenção do homem e o instiga pelo desafio da conquista. O jovem galanteador compra o desafio assim como faz Dan (Jude Law) em Closer – Perto demais (Closer, 2004), sempre tentado a ter Anna (Julia Roberts) toda para si.

A maneira como Ficarra e Requa conduzem o enredo do longa-metragem é bastante eficiente, e faz perceber que o cinema também se faz de pequenas histórias. A dupla consegue extrair atuações precisas (termo um tanto estranho para uma arte tão subjetiva, aqui empregado com certo ressabiamento) de seu elenco e filmar um roteiro redondo, cuja autoria cabe a Dan Fogelman, pródigo em escritas de animações infantis (!), como Bolt – Supercão (Bolt, 2008) e Enrolados (Tangled, 2010). O texto elaborado por ele soa sempre sincero e verossímil, o que vale muito dentro do terreno das comédias românticas. Ademais, a maneira como os subenredos se encontram perto do final do filme trazem um charme todo especial à narrativa, que é muito bem pensada e se revela verdadeiramente surpreendente sem ser mirabolante. Sua apresentação nos faz lembrar o quanto a vida real pode repleta de ciclos e acasos, e que o coração parece não se preocupar em obedecer regras impostas pela razão. Para além de qualquer teoria, Amor a toda prova permanece depois do fim da sessão e garante boas risadas, um clima de descontração e uma trama irresistível, porque o banal com um bom acabamento pode se tornar delicioso.

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