3 de set. de 2010

"O quarto do filho", uma ótica terna sobre perdas e reinvenções

Comumente associados à exaltação vocal e aos gestos exagerados, os italianos não são apenas essa faceta a que nós, brasileiros, costumamos nos referir quando fazemos alusão a eles. Isso fica muito claro quando se assiste a "O quarto do filho", um sensível exercício artístico pontuado atrás das lentes das câmeras por Nanni Moretti. O realizador italiano, do alto de seus 57 anos de idade, já produziu muitas obras que merecem ser vistas com atenção. Desde sua estreia no cinema, como ator e diretor, em "Eu sou um autárquico"(1976), passando por um papel em "Pai patrão" (1977), dos legendários irmãos Paolo e Vittorio Taviani, e outra experiência como ator e diretor em "Bianca" (1984), Moretti já entregou ao público um ponto de vista ora trágico, ora cômico sobre o peso das vicissitudes na vida de um ser humano comum.

Filmado em 2001, "O quarto do filho" é seu trabalho mais representativo como cineasta e, sem dúvida, um de seus mais densos. Em pouco mais de uma hora e meia, ele perscruta as chagas geradas em um pai diante da perda definitiva de um filho. Andrea(Antonio Petrocelli), o filho do título, vem dando muitas dores de cabeça a Giovanni (Moretti), por conta de sua fase rebelde, típica da adolescência. O cúmulo dessa rebeldia se traduz numa acusação pelo roubo de um fóssil da escola onde ele estuda. Com isso, Giovanni vê a necessidade crescente de investigar o que, de fato, o filho anda fazendo. E, em decorrência dessa investigação, alcançar uma proximidade maior com o jovem. Essa proximidade acaba acontecendo, mas começa um pouco tarde demais. Giovanni entra numa espiral de questionamentos sobre a educação que deu ao seu filho, sem saber dizer se fez o melhor para Andrea.
São esses momentos de crise vividos por Giovanni que começam a pavimentar o terreno da carga emocional que o filme apresenta. Moretti constrói um retrato afetivo dos laços que podem unir pai e filho, levando a uma reflexão generalizada a respeito do que pode levar essa relação a progredir ou a degringolar. O tratamento dado pelo realizador àquelas pequenezas que podem minar qualquer convivência é meticuloso, e passível de identificação. Giovanni, seu personagem, é um psicanalista que ouve muitas lamentações, sempre em tom confessional, em seu consultório, e isso, de alguma maneira, deveria ensiná-lo a lidar melhor com os conflitos que surgem dentro de sua própria casa. Mas não é o que acaba acontecendo. Por sua sala passam tipos com os mais variados problemas, e é aí que entram em cena as participações especiais convidadas pelo diretor: Silvio Orlando, como um homem em crise, e Stefano Accorsi, na pele de um maníaco incapaz de dominar seus passos.
A fotografia de "O quarto do filho" é primorosa, pela maneira como toca o coração do espectador. A cargo de Giuseppe Lanci, ela exala o desalento que toma conta de Andrea depois que uma tragédia interrompe seu relacionamento com o filho. E as belas imagens são embaladas por canções belas de doer, fruto de uma trilha sonora da qual Nicola Piovani é signatário. Somados, esses dois aspectos conferem uma ternura apaixonante ao filme, que funciona como um ollhar dolorido sobre a perda, em variadas instâncias. Giovanni sente que jamais será o mesmo diante da partida repentina de Giuseppe, e isso se revela a cada passo claudicante que ele começar a dar em sua jornada de tentativa de conformação.
Em outro filme recente, um personagem de Moretti também se vê obrigado a lidar com a perda, mas, dessa vez, da esposa. Sua reação ao fato é, no mínimo, inusitada, pois que se traduz em um comportamento de quase resignação mesclado a uma ida à luta, por assim dizer. Trata-se de "Caos calmo" (2007), em que o diretor Antonello Grimaldi adapta o romance homônimo de Sandro Veronesi para tratar do luto que cabe a cada um. Nesse sentido, o filme se aproxima de "O quarto do filho", pois se utiliza de uma matéria-prima parecida para contar uma história densa e emocionante. Em ambos os casos, seja como Giovanni em "O quarto do filho", seja como o Pietro de "Caos calmo", Moretti tem de lidar com a reinvenção que se torna urgente diante de um quadro de revés. Merecidamente, o diretor faturou a Palma de Ouro em Cannes pelo filme, o que só coroa seu esforço em navegar pelas águas amargas e nefastas da perda de um ente querido.

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