
Dono de um estilo bastante afetuoso, Campanella mantém uma saudável parceria com Ricardo Darín, com quem trabalha pela quarta vez em O segredo dos seus olhos, depois de já tê-lo feito protagonista de O filho da noiva e, anteriormente, de O mesmo amor, a mesma chuva (1999), além de fazê-lo integrar o elenco principal de Clube da lua(2005).
Em O segredo dos seus olhos, Darín vive Benjamin Espósito, um investigador veterano que está à beira de sua aposentadoria, depois de anos de (bons) serviços prestados ao seu escritório. Finalmente, então, ele poderá se dedicar à escrita de seu livro, que versará sobre um crime que ele analisou há muitos anos, e que lhe deixou marcas profundas na memória. Uma memória um tanto afetiva, pelo fato de aquele crime ter sido objeto de seu trabalho. Querido por todos à sua volta, Benjamin tem um círculo de amigos interessante, que diverte por sua simplicidade, como é o caso de Gómez, interpretado pelo talentoso Javier Godino. Uma vez longe do trabalho, o protagonista poderá fazer a sua extensa pesquisa para compor os quadros que resultarão em seu romance.
A partir desse argumento, Campanella desdobra os meandros do crime que marcou Benjamin, fazendo com que o espectador entenda um pouco sobre como o fato se desenrolou. Porém, tudo é sempre filtrado pela ótica do personagem, vale lembrar. Com isso, vai sendo montado um grande mosaico de cores e formas de que derivará a consciência de que o crime não foi totalmente esclarecido. É quando começam as buscas de Benjamin para descobrir o que, de fato, ocorreu anos antes. Em meio às suas buscas, o personagem encontra tempo para divagar em sua paixão velada pela antiga colega de trabalho, a bela Irene (Soledad Villamil, um deleite para as retinas), com quem mantém uma relação pseudoprofissional, marcada pela languidez, principalmente da parte dela.

O segredo de seus olhos se baseia especificamente no mergulho de Benjamin nesse crime, e faz com que a narrativa do filme se alterne entre drama, comédia e suspense, num roteiro com todas as pontas muito bem amarradas, e isentas de previsibilidade. Para o espectador habituado a assumir a postura de um Sherlock Holmes, será interessante tentar descobrir que rumo o enredo tomará no fotograma seguinte, já que, de esclarecido, o crime não tem nada, o que desafia a compreensão de Benjamin. Uma cena que não se pode deixar de destacar é a que mostra a perseguição do protagonista ao criminoso em um estádio, onde a câmera de Campanella dimensiona o público para ângulos improváveis, capazes de tirar o fôlego de quem assiste à sequência. Definida como uma "ousadia narrativa" pela crítica, a cena faz muito cineasta reagir com estupefação.
É notável a desenvoltura com que Ricardo Darín se locomove no universo de Campanella, e sua naturalidade para a interpretação. Fica a dúvida: há muito de Espósito em Darín ou Darín absorveu toda a essência de Espósito. A sua química com Soledad Villamil também é evidente, o que torna o filme ainda mais irresistível. Sua vitória no Oscar de 2010, como melhor filme estrangeiro, só confirma a força de uma cinematografia de excelência e alta qualidade. Quando tudo parecia apontar para que A fita branca, de Michael Haneke, faturasse o prêmio, eis que uma história emotiva e bem contada avança no páreo. Ambos os filmes, cada qual à sua maneira, tem suas qualidades, o que demonstra a certeza de que, onde quer que se esteja, é possível fazer um bom cinema.
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